Krak dos Cavaleiros

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

PENETRANDO O SILÊNCIO





Uma expressão que os estudantes de misticismo muitas vezes usam indiscriminadamente é a de penetrar o silêncio. Uma idéia errada de muitos estudiosos modernos, como acontecia com os ascetas de outrora, é que a existência mortal é maligna. O corpo físico é considerado um grilhão e uma negação dos poderes espirituais. Essa concepção provém do antigo orfismo grego e do zoroastrismo (masdeísmo). Há uma tendência, da parte dessas pessoas mal orientadas, a considerar que as faculdades objetivas estão, de algum modo, continuamente conspirando para iludir e corromper a alma do homem. Por fim, tornam-se tão irracionais nessa crença que, tal como Pirro, o antigo cético, não sairão do caminho de um veículo que se aproxima, porque crêem que seu aparecimento é apenas um engano dos seus sentidos.
Um escritor místico do passado disse que o asceta é uma espécie de atleta, pois se encontra em luta constante com suas crenças religiosas. O asceta procura subjugar todos os seus desejos físicos e combater todos os desejos terrenos dos seus sentidos porque é da opinião que as coisas temporais estão em conflito contínuo com o eu Divino, e ele deseja que este último seja supremo. Pela prática da automortificação e da abnegação — isto é, pela tortura do corpo e negligenciando as suas necessidades — espera libertar o espírito. Portanto, o asceta costuma ser um recluso, que se exclui do mundo, que sobe ao topo de uma montanha ou se retira para o fundo de uma caverna, nas profundezas de uma floresta, para, desse modo, desfrutar do silêncio físico no qual julga que o eu espiritual sozinho possa reinar supremo. Os primeiros monges cristãos eram desse tipo de ascetas. Também eles achavam necessário o homem afastar-se do mundo dos homens para ficar sozinho com a alma.
Não há dúvida de que nossos sentidos físicos realmente geram ilusões. Em grande parte, todo o mundo físico, toda a sua realidade, é uma ilusão e tem de continuar sendo. Nossa concepção empírica do mesmo não é o que ele na realidade pode ser. Entre nossas idéias do mundo físico e o que ele possa realmente ser, estão as sensações e as impressões que têm de ser traduzidas e interpretadas, e, portanto, sofrem alterações. Por conseguinte, se pretendemos falar tecnicamente, devemos dizer que vivemos num mundo de ilusões. Mas precisamos dessas ilusões para existir neste plano. Quando descobrirmos que algo não é o que anteriormente julgávamos que fosse, mudemos nossas interpretações. Não condenemos nossos sentidos objetivos ou seu corpo como inúteis. Além disso, todo esclarecimento, mesmo se adquirido misticamente, tem de ser transformado em realidades materiais, coisas que possam ser utilizadas aqui na Terra, ou ele não nos trará benefício algum. Isto significa que, para utilizarmos livremente uma impressão Cósmica, temos que relacioná-la a alguma realidade que possamos ver, ouvir, sentir ou tocar objetivamente. Uma negação das nossas faculdades físicas eventualmente nos afeta a capacidade de colocá-las a serviço das nossas concepções místicas.
Muitos estudiosos de misticismo usam o termo penetrando o silêncio como uma fuga das realidades da existência, quando é seu dever, como mortais, enfrentá-las e dominá-las. Sempre que surge um problema material de negócios ou assuntos domésticos, em vez de primeiro investigarem objetivamente, com olhos, ouvidos e mente abertos, para ver como ele pode ser enfrentado e superado, eles penetram o silêncio. Para eles, isto significa excluir os fatos perturbadores do problema e passá-lo para uma mente ou inteligência superior. Esta prática não é verdadeiro misticismo e, com freqüência, não passa de indolência.
Misticamente, penetrar o silêncio, muitas vezes, não significa comungar com o Cósmico ou escapar para outro plano de consciência. Pode significar, e muitas vezes significa, libertar-se de todas as outras realidades, exceto a predominante na qual estamos interessados. Pode significar concentração objetiva intensiva num fator importante. Em outras palavras, pode consistir na criação de um mundo mental, talvez durante alguns minutos, onde nada existe, exceto o eu e o problema à mão. Uma pessoa pode penetrar o silêncio de modo a ficar alheia ao seu ambiente e, no entanto, estar usando seus poderes objetivos de raciocínio, aplicando-os à questão em pauta. Um verdadeiro místico sente-se indigno de um apelo à mente universal, de penetrar o silêncio do Cósmico, visando pedir ajuda, se antes disso deixou de exercer seus dotes Divinos de raciocínio e das outras faculdades mentais que lhe foram dadas no nascimento.
Para o verdadeiro místico, silêncio significa a pessoa estar sozinha com a consciência do eu, com o eu como único companheiro. Afinal de contas, uma pessoa pode estar fisicamente sozinha e, entretanto, estar tão preocupada com os problemas do dia, com o pensamento nas coisas do mundo, que, no tocante ao eu, equivale a se encontrar num mundo fervilhante de idéias. Assim, o eu está muito longe de estar sozinho, embora o corpo esteja. O verdadeiro místico pode penetrar o silêncio — isto é, a solidão mística — o isolamento com o eu, em qualquer parte, mesmo no meio de uma rua movimentada, porque ele exclui tudo o mais, exceto o eu.
Maeterlinck, um místico relativamente moderno, disse, com respeito à importância desse silêncio, que "mal os lábios se calam, a alma desperta e prossegue em suas lidas". Com isto queria dizer que, tão logo nos harmonizamos com o eu, separamos nossa consciência do mundo objetivo, tornamo-nos plenamente cientes da atividade da alma. Os homens são sempre propensos ao silêncio, quando estão na presença daquilo que é maior do que podem expressar em palavras. Assim, eles são propensos à devoção e à humildade na presença do grande, e ao introvertermos a consciência para o eu, vivemos o Grande Silêncio.
Ao que dizem, Maomé afirmou que o silêncio dá começo a uma vida de devoção e a uma lembrança freqüente de Deus. Diz-se, também, que a doutrina dos quacres exige que, pelo menos periodicamente, a alma se retire em silenciosa espera, para escutar a voz do Divino. Meister Eckhart, o místico alemão, afirmava que o estudioso de Deus ergue-se acima do disperso, o que se pode interpretar no sentido de que o estudioso do Divino deixa para trás as coisas do mundo — interesses e desejos temporais — e tenta encontrar aquele retiro e aquele silêncio onde nada existe a não ser o Divino.
Resumindo, o princípio oculto do silêncio está em se permitir à alma ouvir sem ouvidos. É também permitir à alma falar ou comungar com o homem por outros meios que não a boca. Consiste numa submissão completa da vontade ao espírito Cósmico, para ouvir aquilo que o ouvido humano não pode ouvir, e falar através da alma e não através do eu mortal.

Nenhum comentário:

Postar um comentário