Krak dos Cavaleiros

sábado, 4 de junho de 2011

Rennes-le-Château



Rennes-le-Château já se tornou – até agora pelo menos – uma espécie de clichê do mundo ocultista, quase que do mesmo quilate que o Graal e tão evasivo quanto. No entanto, esse lugar existe de verdade, e foi aqui que encontramos os esclarecimen­tos que buscávamos. Essa aldeia pode ser comparada com a britânica Glanstonbury, pois os dois lugares parecem conter mistérios profundos, embora proporcionem os mitos e as suposições mais jocosas, e bastante dissem­inadas.
Rennes-le-Château fica na região do Languedoc conhecida como Aude, próxima à cidade de Limoux, que dá nome a seu famoso blanquette, ou vinho espumante, na área que nos séculos VIII e IX era conhecida como Razès. Partindo da pequena cidade de Couiza, grandes placas sinalizam uma peque­na estrada onde um cartaz indica 'Domaine de Abbé Sauniere'. Seguindo essas indicações, os motoristas se vêem em uma curiosa estrada que sobe como uma escada em caracol até chegar ao topo, onde fica o vilarejo de Rennes-le-Château.
Para nós, como para muitos hoje em dia, essa rota é excitante. Graças principalmente ao The Holy Blood and the Holy Grail, mas também à lenda transmitida oralmente, essa viagem simples às montanhas francesas rapidamente torna-se quase que uma espécie de iniciação. No entanto, o local onde os visitantes costumeiramente fazem sua parada é bastante prosaico. O cam­inho de acesso leva inevitavelmente a um estacionamento, através de uma estreita 'grand rue' que não tem nem mesmo uma agência de correio ou uma pequena loja de departamentos, mas que, no entanto, conta com uma livraria especializada em esoterismo, um bar/restaurante, o arruinado castelo que dá nome à aldeia, e pequenas ruelas que vão dar na igreja notavelmente peque­na e no presbitério.
Esse lugar tem uma história sinistra e, mesmo, uma reputação obscura, ainda que um tanto vaga. Em resumo, a história é a de que François Berénger Sauniere (1852-1917), um padre comum, nascido e criado na aldeia de Montazels, a apenas três quilômetros de Rennes-le-Château, fez uma descoberta durante uma das intermináveis reformas que realizou em sua paróquia do século X, há apenas cem anos atrás. Como resultado de sua descoberta, ou em virtude de seu valor intrínseco, ou porque isso o levou a algo que poderia significar vantagem financeira, tornou-se imensamente rico.
As especulações têm variado ao longo dos anos em relação à verdadei­ra natureza da descoberta: de modo bastante prosaico tem se sugerido, no mais das vezes, que ele teria encontrado um enorme tesouro, enquanto ou­tros acreditam que o que ele descobriu foi algo bem mais assombroso, algo como a Arca da Aliança, ou o tesouro do Templo de Jerusalém, o Santo Graal, ou até mesmo a tumba de Cristo, uma idéia que foi recentemente expressa na obra The Tomb of God, de Richard Andrews e Paul Schellenberger (1996).
Tínhamos que ir a Rennes-le-Château porque, de acordo com os Dos­siês secretos e com o The Holy Blood and the Holy Grail, esse lugar era particularmente significativo para o Monastério de Sion, embora permaneça obscura a razão para isso. O Monastério afirma que Sauniere descobrira alguns pergaminhos que continham a informação da árvore genealógica que prova a continuidade da dinastia merovíngia, e estabelece o direito de certos indivíduos de reivindicar o trono da França, como Pierre Plantard, de Saint-Clair. Entretanto, como ninguém que não pertencesse ao Monastério real­mente examinou esses pergaminhos, e toda a história da continuidade da linhagem da dinastia merovíngia é duvidosa, para dizer o mínimo, há poucas razões para realmente nos aprofundarmos nessa questão.
Existe ainda um outro problema, uma gritante inconsistência, na história do Monastério. Se esse realmente tivesse existido, por séculos, unicamente para proteger os descendentes merovíngios e estabelecer o direito de determinados indivíduos de reivindicar o trono da França, é bastante curioso que os membros do Monastério tenham recebido de bom grado as informações concernentes a quem deveriam ser esses descendentes. Pois, com certeza, eles mais do que ninguém deveriam saber quem eram os que haviam jurado defender, do contrário dificilmente teriam essa espécie de zelo fanático, que perdurava por séculos e que, por sua vez, manteve viva a organização por tanto tempo! Confiar no que, aparentemente, é apenas uma raison d'être em retrospectiva é suspeito, para dizer o mínimo.
Não obstante, ficamos intrigados com a importância atribuída à aldeia pelo Monastério. Existem duas possíveis razões para isso: uma é que o vilare­jo realmente tem um grande significado, mas não pelas razões colocadas nos Dossiês; a outra é que a história de Sauniere não tem nenhuma conexão real com o Monastério e que esse apropriou-se do mistério por outras razões. Devemos, então, descobrir qual das duas hipóteses está mais próxima da ver­dade.
Ao chegar ao estacionamento da aldeia, o visitante se depara com uma visão estonteante do Vale do Aude, com os picos dos Pireneus cobertos de neve. É fácil perceber por que, no passado, esse vilarejo aparentemente insignificante era considerado de alta importância estratégica, pois com certeza a visão da possível chegada de um inimigo era algo inigualável. Essa é a razão de Rennes-le-Château ter sido no passado uma fortaleza visigoda: alguns che­gam a ponto de identificá-la como a cidade perdida de Rhedae, que era pare­cida com Carcassonne e Narbonne, embora seja difícil acreditar que já houve um tempo em que esse agrupamento isolado de casas foi uma barulhenta metrópole. No entanto, o lugar ainda tem seu magnetismo: embora apenas cerca de cem pessoas realmente morem em Rennes-le-Château, o vilarejo recebe cerca de 25.000 visitantes por ano.
A torre de água, que se ergue dentro do estacionamento, contém os símbolos do zodíaco, um motivo que é repetido acima das portas de alguns chalés. Para nosso desapontamento, porém, isso é apenas um costume da região. Contudo, todos os olhos voltam-se para o extravagante prédio cons­truído na beirada do despenhadeiro, parecendo brotar da face escarpada da aldeia, quase como uma gota de água que se equilibra na boca da torneira antes de cair. Esse prédio é a biblioteca e sala de estudos particular de Sauniere, conhecida como Tour Magdala (Torre de Magdala). Faz parte de seu domaine e foi aberta recentemente ao público. Parece-se com aquelas torres de ataque dos castelos medievais, numa versão menor. A torre em um de seus lados nos leva a uma comprida plataforma, que vai até uma abandonada estufa de plan­tas. Nas salas que ficam abaixo da plataforma existe um museu, que é dedica­do à vida de Sauniere e ao mistério que o rodeou. Um jardim separa a torre da casa grande, Villa Bethania, que foi construída com a riqueza inexplicável amealhada por Sauniere, e onde algumas das salas estão abertas ao público. Logo em frente, ao redor de um caminho de cascalhos, há uma pequena gruta construída pelo próprio padre com pedras especialmente escolhidas e trazi­das de um vale nas redondezas, provavelmente com muito esforço. Então, chega-se ao cemitério e à dilapidada igreja, que é dedicada a Maria Madalena.
Dada a fama da igreja ficamos um tanto surpresos ao verificar como é tão pequena; qualquer desapontamento, porém, é mais do que suplantado pela famosa e bizarra decoração feita pelo abade Sauniere. Essa, no mínimo, foi feita com a deliberada intenção de causar estupefação.
Sobre o pórtico, com seus quase cômicos pássaros de gesso branco de segunda categoria e telhas amarelas quebradas, estão gravadas as seguintes palavras: Terribilis est locus iste ('Este é um lugar terrível'), uma citação do Livro do Gênesis (28:17) que é complementada, em latim, no arco sobre o pórtico: 'Esta é a casa de Deus e o Portão Celestial'. Destaca-se uma estátua de Maria Madalena colocada sobre a porta, enquanto o painel é decorado com triângulos equiláteros e rosas esculpidos em cruzes. Muito mais interessante, porém, é a visão de um demônio de gesso, todo contorcido, que aparente­mente guarda a entrada, que está imediatamente após o pórtico. Curvado e careteiro, curva-se de um modo significativo, enquanto segura em seus om­bros a pia batismal. Esta, por sua vez, porta quatro anjos, cada um fazendo um dos gestos que envolve o sinal da cruz, enquanto as palavras Par ce signe tu le vaincras ('Por este sinal vós o conquistareis') estão inscritas na parte de baixo. Na parede há um quadro mostrando o batizado de Jesus, que foi retrat­ado em uma posição que é precisamente a imagem do demônio no espelho. Tanto o demônio quanto Jesus olham fixamente para uma parte do chão, que se parece com um tabuleiro de xadrez. No quadro, repete-se o motivo da pia batismal em forma de concha que é segurada pelo demônio. Há um claro paralelo entre as duas imagens, entre o demônio e o batizado de Jesus. (Em abril de 1996, em um dos muitos atos de vandalismo a que a capela já esteve sujeita, o demônio e sua cabeça foram serrados e roubados por um desconhecido).
Se nos postarmos sobre o chão xadrez preto-e-branco e olharmos a pequena paróquia de Santa Madalena, em um primeiro momento parece ser uma típica igreja católica da época e da região. Exageradamente decorada com santos de gesso extravagantes, como Santo Antônio, o Ermitão, e São Rocha, ela contém o costumeiro mobiliário de uma igreja. No entanto, ela merece um exame mais profundo, pois há por toda parte um certo toque idiossincrático. Por exemplo, a Via Sacra, que geralmente é em sentido anti­-horário, aqui inclui um garoto metido em um kilt e uma pequenina criança negra. E o toldo sobre o púlpito tem o formato do Templo de Salomão.
O baixo-relevo defronte ao altar era, pelo menos assim se afirma, o orgulho e a paixão de Sauniere: ele próprio deu os retoques finais nessa obra. O baixo-relevo retrata uma Madalena em traje dourado, curvada em atitude de oração, um livro aberto em frente a ela e uma caveira a seus pés. Seus dedos estão, curiosamente, cruzados de um modo conhecido como latté. Uma cruz aparentemente feita de uma árvore delgada, com uma folha incompleta, eleva-se em frente a ela, e além da gruta de pedra onde ela se prostra pode-se ver uma distinta forma de construções recortadas contra a linha do horizon­te. Curiosamente, embora a caveira e o livro aberto sejam partes aceitáveis da iconografia de Madalena, a tradicional jarra de óleo de nardo está ausente.
Ela também aparece no vitral sobre o altar, onde parece estar se le­vantando de uma mesa para untar os pés de Jesus com o precioso ungüento. Em toda a igreja existem quatro imagens de Madalena, o que, mesmo levan­do-se em conta o fato de ela ser a santa padroeira da igreja, parece ser algo um tanto excessivo para uma construção tão pequena. O envolvimento de Sauniere com Madalena é reforçado pelo nome de sua biblioteca, a Torre de Magdala, e de sua casa, a Villa Betânia. Betânia foi o lar bíblico da família que incluía Lázaro, Marta e Maria.
Há uma sala secreta por trás do armário da sacristia, mas até mesmo isso raramente é percebido pelos visitantes. Sua única janela, que não é claramente visível do lado de fora, parece descrever em seu vitral a tradicional cena da crucificação. Contudo, como virtualmente qualquer coisa nesse 'lu­gar terrível' , nada é exatamente o que parece ser. Somos atraídos para a pais­agem ao longe, que pode ser vista por debaixo dos braços do homem que está na cruz; a paisagem é claramente o foco verdadeiro da pintura. Nessa, mais uma vez, está o Templo de Salomão.
Até mesmo a entrada para o cemitério é incomum: o arco da entrada é decorado com uma caveira de metal e ossos cruzados, um emblema dos cava­leiros templários, e há ainda um bizarro sorriso arreganhado mostrando 22 dentes. Entre os túmulos, ornamentados com elaborados arranjos florais e fo­tografias dos que já partiram, comum em vários dos típicos cemitérios fran­ceses, está o da família dos Bonhommes. Em qualquer outro lugar, talvez, isso dificilmente poderia ser fonte de qualquer comentário; nesse lugar, porém, tal nome nos remete aos cátaros - les Bonhommes - e sugere algo particular­mente pungente. O túmulo de Sauniere, com um baixo-relevo retratando seu perfil, recentemente danificado levemente por vândalos, está colocado no muro que separa o cemitério de seu domaine. Marie Dénamaud, sua leal governanta, se não muito mais que isso, está enterrada a seu lado.
Não é nosso propósito entrar em detalhes sobre o que na verdade é uma história completamente banal. Suspeitando, porém, que o mistério de Rennes iria resultar em algumas pistas sobre a continuidade da tradição secre­ta, não nos sentíamos nem desapontados nem enganados. Como já vimos, encontramos evidências de uma complexa série de conexões que remetiam para a tradição gnóstica da região, um lugar que sempre fora notório por seus 'hereges', sejam os cátaros, os templários ou as assim chamadas 'bruxas'. Desde a desgraça da Cruzada de Albi, o povo local nunca mais acreditou to­talmente no Vaticano, e assim este passou a ser o berço ideal para idéias não­ ortodoxas, além daquelas relacionadas com os interesses políticos das mino­rias. No Languedoc, com suas longas e amargas memórias, a heresia e a política sempre andaram de mãos dadas, como talvez ainda o façam.
Em Sauniere encontramos um pároco rebelde e apóstata. Dificilmente poderíamos dizer que era um típico clérigo de uma cidadezinha. Conhecia o grego bem como o latim, e era subscritor regular de um periódico alemão. Tenha encontrado ou não um tesouro ou um segredo, é improvável que 'o negócio de Rennes' tenha sido uma completa farsa. Existem, porém, muitas razões para se pensar que a história do modo como é contada seja uma completa empulhação.
A seqüência exata dos fatos é de difícil reconstrução, já que se baseia muito mais na memória dos habitantes do lugar do que em documentação comprovada. Sauniere assumiu seu posto como pároco no início de junho de 1885. Em poucos meses ele se viu envolvido em problemas por ter proferido de seu púlpito um inflamado sermão anti-republicano (durante as eleições do ano), e foi temporariamente afastado de suas obrigações. Reinstalado no verão de 1886, recebeu como presente 3.000 francos da Condessa de Chambord - viúva de um pretendente ao trono francês, Henri de Bourbon, que reivindicava o título de Henrique V -, em reconhecimento por seus serviços em favor da causa monarquista. Aparentemente, usou o dinheiro para refor­mar a antiga igreja, e em muitos relatos é dito que foi nessa época que o pilar visigodo, que suportava o altar, foi removido, e dentro dele, segundo se diz, ele encontrou certos pergaminhos codificados. Isso, no entanto, parece im­provável, pois seu comportamento excêntrico e seus projetos ambiciosos não tiveram início senão no ano de 1891. Foi mais ou menos nessa época que o sineiro, Antoine Captier, encontrou algo importante. Alguns dizem que foi um cilindro de madeira, enquanto outros afirmam que foi um frasco de vidro: seja lá o que for, acredita-se que nele estavam contidos pergaminhos enro­lados ou documentos que ele deu a Sauniere. E parece que foi essa descober­ta que deu início às ações peculiares do pároco.
A versão tradicional diz que Sauniere apresentou os pergaminhos a seu bispo, Félix-Arsene Billard, em Carcassonne, e que isso precipitou sua viagem a Paris. Costuma-se dizer que Sauniere fora aconselhado a levar os documentos para que fossem decodificados por um especialista, um tal de Émile Hoffet, que na época era um jovem seminarista, mas que na verdade tinha um profundo conhecimento sobre o ocultismo e o mundo das socie­dades secretas (mais tarde ele ensinou na igreja de Notre-Dame de Lumieres, em Goult, local de uma Madona Negra que tem especial importância para o Monastério de Sion). O tio de Hoffet era diretor do Seminário do Santo Sepul­cro em Paris.
A igreja de St. Sulpice (Santo Sepulcro) distingue-se pelo fato do merid­iano de Paris, que passa bem próximo de Rennes-le-Château, estar demarca­do por uma linha de cobre que cruza o chão. Construída sobre as fundações de um templo dedicado a Ísis, em 1645, foi fundada por Jean-Jaques Olier, que a projetara de acordo com a Razão Áurea da geometria sagrada. Seu nome era uma homenagem ao bispo de Bourges na época do rei merovíngio Dagoberto II, e seu dia comemorativo é 17 de janeiro, uma data que nos traz à memória os mistérios do Monastério e de Rennes-le-Château. Grande parte do romance satânico de J. K. Huysmans, Là-Bas, ocorre em Saint Sulpice, e o seminário vinculado à igreja era notoriamente pouco ortodoxo (para dizer o mínimo), no final do século XIX. Também serviu como sede de uma misterio­sa sociedade secreta chamada Compagnie du Saint-Sacrement, que - já foi insinuado - servia de testa-de-ferro para o Monastério de Sion.
Durante a estada de Sauniere em Paris, que ocorreu ou no verão de 1891 ou na primavera de 1892, Hoffet o apresentou à crescente sociedade ocultista que estava centrada na figura de Emma Calvé, e que incluía alguns personagens como Joséphin Péladan, Stanislas de Gualta, Jules Bois e Papus (Gérard Encausse). Existe um persistente boato de que Sauniere e Emma fo­ram amantes.
Diz-se que Sauniere visitou a igreja de Saint Sulpice e examinou certas pinturas que lá havia, e, de acordo com a história que tradicionalmente se conta, comprou reproduções de pinturas específicas do Louvre (o que será examinado mais adiante). Ao retornar para Rennes-le-Château, começou a decorar sua igreja e as construções de seu domaine.
A visita a Paris é uma parte essencial do mistério de Sauniere, e tem sido objeto de intenso exame por parte de pesquisadores, desde então. Não existe nenhuma prova direta de que ela realmente tenha acontecido. Uma fotografia de Sauniere em que está inscrito o nome de um estúdio em Paris, que sempre fora tida como a prova da existência da viagem, recentemente certificou-se ser, na verdade, de seu irmão mais novo, Alfred (padre também). Afirma-se também que a assinatura de Sauniere aparece no livro de missa de Saint Sulpice, mas isso nunca foi confirmado. O escritor Gérard de Sède, que possui alguns dos documentos de Hoffet, afirma que eles contêm uma nota do encontro com Sauniere em Paris (sem data, infelizmente), mas até onde sabemos não existe nenhuma comprovação independente disso, tampouco. Como grande parte dessa história, baseia-se na memória dos aldeões e de outros. Por exemplo, Claire Captier, nascida Corbu, filha de um homem que em 1946 comprou o domaine de Sauniere de Marie Dénarnaud - que viveu com os Corbus até sua morte em 1953 - afirma enfaticamente que a viagem a Paris realmente aconteceu.
Seja lá o que for que Sauniere tenha encontrado, aparentemente o tor­nou rapidamente muito rico. Quando pela primeira vez ele assumiu sua posição, seus estipêndios eram de 75 francos por mês. No entanto, entre 1896 e a data de sua morte, em 1917, ele gastou uma quantia bastante grande, talvez não 23 milhões de francos, como afirmam alguns, mas certamente algo como 160 mil francos por mês.Tinha contas em bancos em Paris, Perpignan, Toulouse e Budapeste, e investiu pesadamente em ações, fundos e apólices, de modo algum aplicações financeiras apropriadas ou comuns para um pa­dre do interior. Foi dito que ele ganhou seu dinheiro comercializando suas missas (cobrando para rezar missas que livrariam o pagante de alguns anos no purgatório), mas embora com certeza tenha feito isso, como dizem histo­riadores franceses, como René Descadeillas, conhecido como o homem que liderou o desmascaramento do mistério de Sauniere, isso não poderia ter 'produzido os fundos necessários para que fosse possível erguer tantas con­struções e ao mesmo tempo viver de forma tão folgada. Portanto, devia haver algo mais'.' De qualquer forma, seria o caso de se perguntar o porquê de tantas pessoas quererem assistir a missa de Sauniere, um padre rural in­significante de uma paróquia remota.
Ele e Marie Dénarnaud foram criticados por terem um estilo de vida dispendioso: ela sempre estava vestida conforme os ditames da última moda de Paris (dizem que essa é a razão de seu apelido, 'La Madonne', a Madona) e se divertiam de um modo totalmente desproporcionado, confrontando-se os rendimentos que oficialmente recebiam, ou em relação à sua posição social. Além disso, os ricos e famosos faziam a penosa viagem até Rennes-le-Château apenas para ficarem com eles (em virtude de alguma estranha razão, contu­do, Sauniere só ocupava a Villa Bethania para se divertir, preferindo morar no presbitério que ficava ao lado da igreja). Seus visitantes incluíam o príncipe Habsburgo, que preferia ser chamado pelo evocativo nome de Johann Salva­tor von Habsburg, um ministro do governo e Emma Calvé.
Contudo, não era apenas a oferta de uma estadia luxuosa que atraía a hostilidade de muitos: Sauniere e Marie começaram a cavar no cemitério du­rante a noite. Embora de modo geral possamos apenas especular sobre o que eles estavam procurando, é sabido que apagaram as inscrições da lápide e da laje que cobria a sepultura de Marie de Negre d'Ables - uma mulher da região pertencente à nobreza e que morreu em 17 de janeiro de 1781 -, provavelmente para destruir a informação que nela estava contida. Eles nem sequer ficaram sabendo que todo esse esforço foi em vão, pois já havia uma cópia da inscrição graças a visitantes que eram membros de sociedade de antiquários da região. Como veremos, a ansiedade de Sauniere em destruir a inscrição tem um grande significado para nossa investigação.
Mais ou menos na época da suposta viagem a Paris, Sauniere removeu a 'Pedra dos Cavaleiros', perto do altar, uma placa esculpida datando da época dos visigodos, que retratava um cavaleiro em seu cavalo com uma criança. Parece que ele encontrou algo de suma importância embaixo dela, talvez um outro rolo de documentos ou artefatos, ou a entrada de uma cripta. Ninguém sabe ao certo se Sauniere recolocou o piso, mas em seu diário está registrado, no dia 21 de setembro de 1891, a seguinte e enigmática frase:'Carta de Granes. Descoberta de uma tumba. Choveu.'
As escavações noturnas de Sauniere provocaram escândalo, mas foi o comércio de missas que provocou a fúria das autoridades a ponto dele ter sido proibido de exercer suas funções como padre. Chegou a ser enviado para uma outra paróquia, mas recusou-se terminantemente a obedecer, e res­olutamente continuou a morar em Rennes-le-Château, com Marie. Quando a Igreja enviou um outro padre para a aldeia, Sauniere simplesmente celebrou uma missa não-oficial na Villa Bethania para os aldeões, que haviam permane­cido leais a ele.
De todos os mistérios que cercam Sauniere, talvez um dos mais dura­douros seja o que se seguiu a sua morte. Ele adoeceu em 17 de janeiro de 1917: cinco dias depois estava morto, e seu corpo foi colocado na plataforma do terraço de sua propriedade, sentado em uma cadeira, a céu aberto, para que os aldeões, e outros que chegaram a fazer viagens bem longas para ali estar, fizessem uma fila para arrancar pompoms vermelhos de seu manto. Sua última confissão foi ouvida pelo padre do lugarejo vizinho de Espéraza, e seja lá o que for que tenha dito, produziu um efeito profundo, pois como afirma René Descadeillas: . ...daquele dia em diante, o velho padre não foi mais o mesmo; ele realmente sofreu um choque'.
Após sua morte, a leal Marie Dénarnaud morou na Villa Bethania. Saun­iere, que, como padre, não tinha o direito de possuir quaisquer bens, havia comprado as terras no nome dela. Ela tornou-se mais e mais reclusa, terminando por receber a pecha de irascível, resistindo às muitas tentativas de compra de sua cada vez mais abandonada propriedade. Contudo, finalmente em 1946, no dia de comemoração à Maria Madalena, ela a vendeu para Noêl Corbu, um homem de negócios, com a condição de poder passar o resto de seus dias lá.
A filha de Corbu, Claire Captier, lembrava-se de ter morado lá quando era criança. De acordo com ela, Marie visitava a cova de Sauniere todos os dias, e no meio de todas as noites. Marie falou à jovem Claire sobre um fenô­meno extraordinário que ocorria com alguns visitantes. Ela teria dito, 'nessa noite fui seguida por vários fogos-fátuos do cemitério'. Perguntada se havia ficado com medo, ela respondeu, 'estou acostumada com isso... ando deva­gar, e eles me seguem... quando paro, eles também param, e quando fecho os portões do cemitério, todos eles desaparecem.'
Claire Capter também se lembra de Marie dizer, 'Com o que o Senhor Cura deixou, poder-se-ia alimentar toda Rennes por uma centena de anos e ainda sobraria.' E quando perguntada por que, se tanto dinheiro havia sido deixado para ela, vivia como se fosse uma pobretona, ela retrucou, 'Não pos­so tocá-lo'. E em 1949, quando soube que os negócios de Corbu passavam por dificuldades, ela disse,' Não se preocupe tanto, meu bom Noêl... um dia lhe direi um segredo que o fará um homem rico... muito rico! 'Infelizmente, nos meses que se passaram até sua morte em janeiro de 1953, ela tornou-se senil, e o segredo foi enterrado com ela.
Mas do que se trata, afinal, a história de Sauniere? Parece que ele estava sendo pago por alguma agência secreta para permanecer na aldeia (mesmo quando já era rico e não mais o padre de paróquia que havia escolhido ser), embora os pagamentos pudessem ser incertos. Sua riqueza não consistia de um único amontoado de dinheiro, como alguns chegaram a sugerir, pois seu fluxo de caixa era variável. Com freqüência vivia períodos de vacas magras, para então se recuperar e viver, durante meses, cercado de grande luxo. Na época de sua morte estava comprometido com grandes projetos, que teriam custado pelo menos 8 milhões de francos: construir uma via decente para a vila, pela qual pudesse trafegar um carro que pretendia comprar, levar água encanada a todas as casas, construir uma piscina batismal e uma torre de 70 metros, de onde pretendia conclamar seus paroquianos a orar.
Fortes candidatos a serem os pagantes são os monarquistas, e nesse caso existe um outro, e diferente, mistério. Que tipo de serviço Sauniere po­deria prestar a estes que resultasse no pagamento de tão grandes somas? Sua obsessão por Maria Madalena poderia de algum modo indicar a razão subjacente para receber gratificações tão estupendas? Há, com certeza, outras coi­sas mais nesse enriquecimento do que um envolvimento em uma conspir­ação política. Suas poucas memórias remanescentes revelam, conforme nos diz Gèrard de Sède:

uma curiosa devoção ao Bona Dea, ao eterno princípio feminino que, nas palavras de Bérenger [Sauniere], parecem transcender crenças e fé."

Mais uma vez encontramos segredos relacionados com o Princípio Feminino, personificados na figura de Madalena...e com uma clara conexão com o Monastério de Sion, cuja veneração por Ísis e pela Madona Negra é pública e notória. E, como ainda veremos, os arredores de Rennes-le-Château pos­suem muitas outras pistas relacionadas com a continuidade do culto a essas deusas.
E em relação aos pergaminhos supostamente encontrados por Sauniere (de acordo com fontes do Monastério de Sion)? Os pergaminhos consisti­riam de duas genealogias relativas à sobrevivência da dinastia merovíngia e outras duas relacionadas a excertos dos Evangelhos, nos quais algumas letras, que estão marcadas, conteriam mensagens codificadas. Os pergaminhos na verdade nunca foram vistos, mas supostas cópias dos textos em código foram fartamente publicadas, sendo sua primeira aparição em 1967, no L'Or de Rennes, de Gérard de Sède e sua mulher Sophie. Na verdade, embora não seja merecedor de muito crédito, Pierre Plantard de Saint-Clair afirmou ser co-­autor desse livro. ..
Esses textos já foram assunto de dezenas de trabalhos e de prolonga­das especulações. As letras marcadas no pergaminho, no relato do Novo Testamento sobre Jesus e seus discípulos no campo de trigo no Sabbath, quando lidas simplesmente em seguida, resultam em:

A DAGOBERT II ET A SION EST CE TRESOR ET IL EST LA MORT (PARA/POR DAGOBERTO II REI E PARA/POR SION É ESSE TESOURO E ELE É A MORTE ou E ELE ESTÁ LÁ MORTO)

O outro texto explicitamente descreve Jesus sendo ungido por Maria de Betânia .A versão decodificada é geralmente esta:

BERGERE PAS DE TENTATION QUE POUSSIN TENIERS GRADENTE LA CLEF PAX 681 PAR LA CROIX ET CE CHEVAL DE DIEU J'ACHEVE CE DAEMON DE GARDIEN A MIDI POMMES BLEUE

(PASTORA NÃO CREIAS QUE POUSSIN TENIERS TEM A CHAVE PARA A PAZ 681 PELA CRUZ E ESSE CAVALO DE DEUS EU COMPLETO [OU MATO] ESSE DEMÔNIO GUARDIÃO DAS MAÇÃS AZUIS DO MEIO-DIA [OU DO SUL])

Decifrar esse código foi muito mais complexo do que o primeiro. Ao ler as letras marcadas nesse caso obtém-se 'REX MUNDI' (expressão latina para 'Rei do Mundo', um termo gnóstico para o deus desta terra, que era utilizado pelos cátaros), mas outras 140 palavras estranhas foram acrescenta­das, tomando a decodificação um processo extremamente tortuoso para se obter a mensagem 'Pastora não creias'''. (O sistema utilizado foi inventado pelo alquimista francês Blaise de Vignère, que era secretário de Lorenzo de Medici). A mensagem final é um anagrama perfeito da inscrição da lápide de Marie de Nègres (assunto que será discutido no próximo capítulo).
Embora não haja qualquer dúvida de que a decodificação da mensagem está correta, houve por sua vez muitas tentativas inventivas e imaginativas para explicar ou dar sentido a tudo isso. Nenhuma delas, contudo, é complet­amente satisfatória.
O problema com esses pergaminhos é que aquele Philippe de Chéri­sey, parceiro de Pierre Plantard de Saint-Clair (e provavelmente seu sucessor como Grão-Mestre do Monastério de Sion, em 1984), mais tarde admitiu que as havia produzido em 1956 (quando confrontado com isso pelos autores de The Holy Blood and the Holy Grail em 1979, Plantard de Saint-Clair afir­mou que Chérisey apenas as copiara, mas não foi totalmente convincente."). De qualquer ângulo que sejam vistos os pergaminhos, temos que admitir que esse é um plano muito bem-sucedido para fazer com que muita gente gaste e perca boa parte de seu tempo, e são muito pouco confiáveis para fornecer direcionamentos para uma investigação acerca da história de Sauniere.
No entanto, se o padre não encontrou nenhum pergaminho, talvez ten­ha realmente encontrado algum tipo de tesouro, como acreditam muitas pessoas. Com certeza, ele encontrou um esconderijo de moedas antigas e jóias, na igreja, porém, como toda a região é rica em achados arqueológicos, tal descoberta dificilmente teria atraído tanto interesse para a história de Saun­iere. Muitas pessoas acreditam que ele encontrou a genuína caverna de Aladim com suntuosos tesouros, tão valiosos que ele e seus amigos não conseguiram consumi-los totalmente, e haveria ainda um bocado dele esperando que al­gum aventureiro intrépido o encontre. Foi sugerido que o elaborado simbo­lismo presente na igreja, em conjunto com várias outras mensagens codifica­das, como 'Maçãs Azuis' do pergaminho, pretendem dar ao aventureiro pistas de onde possa estar o restante do tesouro encontrado por Sauniere.
Embora seja uma idéia muito romântica, é um total e completo absur­do. Primeiro, é pouco provável que essa hipótese seja capaz de explicar seus constantes problemas de caixa; segundo, ele inventou os assim chamados mapas do tesouro (o simbolismo da sua igreja), o que não é uma coisa lá muito inteligente se acaso ele tencionasse guardar o dinheiro para si mesmo. Por último, se a igreja é essencialmente um grande mapa do tesouro aberto ao público em geral (não importa o quão antigo), e se ele queria que apenas determinadas pessoas o encontrassem, então por que ele simplesmente não contou a elas? E seu achado dificilmente explicaria a razão da riqueza e influência das pessoas que queriam visitá-lo em sua remota paróquia no alto da montanha.
Dadas todas essas evidências, parece que Sauniere estava sendo pago por alguém ou algo, algum tipo de serviço que envolvia sua permanência em Rennes-le-Château, onde ele insistia em morar mesmo quando lhe ordenavam que se mudasse. Suas atividades revelam que ele definitivamente busca­va alguma coisa: suas escavações noturnas no cemitério, suas longas caminhadas pelas redondezas, e mesmo as viagens para locais distantes, que duravam vários dias. No entanto, era de suma importância que se pensasse que ele ainda estava em Rennes-le-Château, a ponto de fazer com que du­rante suas ausências Marie Dénarnaud regularmente respondesse às cartas que lhe eram enviadas, dizendo que ele estava muito ocupado para poder responder pessoalmente daquela vez (alguns desses estoques de respostas foram encontrados nos documentos dele após sua morte).
Um novo ângulo apareceu na história de Sauniere em 1995, quando o esoterista André Douzet construiu uma maquete com uma paisagem em relevo, que Sauniere supostamente encomendou pouco antes de sua morte'. A maquete mostra vales e colinas e o que parecem ser estradas ou rios atra­vessando-a. Existe um único prédio, um quadrado em uma das colinas. Osten­sivamente, ela retrata a região ao redor de Jerusalém, e locais bíblicos como o Jardim de Gethsemane e o Gólgota são indicados. Entretanto, a paisagem da maquete de forma alguma bate com aquela de Jerusalém: talvez porque na verdade ela retrate a região ao redor de Rennes-le-Château. Teria Sauniere tentado transformar sua propriedade em uma Nova Jerusalém?"

É possível passar toda uma vida estudando as possibilidades relacio­nadas ao mistério de Rennes-le-Château: realmente talvez seja essa sua função, ser glorificado e encobrir os assuntos reais. Não obstante, esse assunto sem dúvida é significativo, e desviou toda a atenção de um outro envolvimento igualmente sugestivo na região ao redor.
Outros padres das paróquias vizinhas estavam implicados no caso, incluindo o superior de Sauniere, Félix-Arsene Billard, Bispo de Carcassonne. Ele supostamente enviou Sauniere a Paris e colocou uma venda nos olhos para não enxergar o comportamento excêntrico e escandaloso deste (foi ap­enas após a morte de Billard, em 1902, e com a nomeação de seu sucessor, que Sauniere foi processado). E o próprio Billard estava envolvido em algum tipo de jogo financeiro duvidoso.'.
O mais conhecido do círculo de amigos em torno de Sauniere era o abade Henri Boudet (1837-1915), que tinha sido padre em Rennes-le-Châ­teau desde 1872. Homem sábio, erudito e reservado - em termos de temperamento o oposto de Sauniere -, também estava engajado em atividades es­tranhas. Em 1886 publicou um livro esquisito, Le vraie langue celtique et le cromleck de Rennes-les-Bains (A Verdadeira Linguagem dos Celtas e o Cromlech de Rennes-le-Balis), que deixou os pesquisadores perplexos desde sua publicação. O livro trata, primordialmente, de dois assuntos: uma teoria perversa que afirma que línguas antigas, como o celta, o hebreu e outras, derivam do anglo-saxão, e inclui vários exemplos hilariantes de como nomes de lugares da região de Rennes-les-Bains tinham raízes inglesas, e a descrição de vários documentos megalíticos da região. Boudet era um historiador e antiquário local bastante respeitado, e as teorias propostas são de tal forma improváveis que muitos chegaram à conclusão de que elas deveriam esconder uma mensagem profunda e secreta, a contra parte literária da decoração da igreja de Sauniere. Alguns chegaram a sugerir que as duas se complementa­vam, e que ao serem colocadas uma ao lado da outra dariam as direções para se chegar ao 'tesouro'. Se é assim, ninguém apresentou um sistema que deci­frasse tal mensagem de modo satisfatório, e o livro de Boudet continua tão confuso quanto era na época em que foi publicado. Suas outras atividades, entretanto, também se desenvolvem em paralelo com as de Sauniere, e, como este, também é conhecido por ter alterado as inscrições nas lápides do cemitério e mudado de lugar vários pontos de referência.
Alguns vêem em Boudet a mente por trás da obra de Sauniere, e che­gam a sugerir, assim como Pierre Plantard de Saint-Clair, sem qualquer consistência, porém, que Boudet era quem pagava Sauniere. No entanto, Boudet também é parte importante em um outro mistério bastante complexo: Plan­tard Saint-Clair escreveu ele próprio o prefácio da edição de Le vrai langue celtique... de 1978, e adquiriu terras nas redondezas de Rennes-les-Bains. Pode-­se ver na lápide de Boudet, na velha igreja, a marcação do local reservado pelo próprio Plantard Saint-Clair.
Um outro contemporâneo de Sauniere pertencente ao clero era o abade Antoine Gélis, pároco da aldeia de Coustassa, que fica do outro lado do vale do Rio Sais, vindo de Rennes-le-Château. Em 1° de novembro de 1897, o mais velho dos Gélis (então com 70 anos) foi encontrado morto, vítima de um brutal assassinato, tendo morrido em virtude de repetidas e violentas panca­das na cabeça, aparentemente desferidas por um assaltante que ele havia deixado entrar no presbitério e com quem estava conversando. Sauniere era amigo de Gélis, e registra um encontro com ele e muitos outros na página de 29 de setembro de 1891 de seu diário, apenas oito dias depois do registro da 'descoberta de uma tumba' .No período anterior a sua morte, Gélis vivia aparen­temente com medo, mantendo sua porta trancada e vendo apenas seu so­brinho, que lhe levava mantimentos. E havia recebido há pouco tempo uma grande soma de dinheiro, cerca de 14 mil francos, que ninguém conseguiu esclarecer de onde provinha. Escondeu essa soma em sua própria casa e igreja, e documentos foram encontrados que revelavam os locais dos es­conderijos. No entanto, virtualmente todo o dinheiro ainda permanecia nesses locais após sua morte. O assassino, que nunca foi encontrado, revir­ou a casa, mas não pegou sequer os cerca de 800 francos que estavam bem à mão. Mais estranho ainda, o assassino posicionou o corpo de Gélis ritualisti­camente, com os braços cruzados sobre o peito e deixou uma mensagem em um pedaço de papel com as palavras 'viva Angelina'. Não foi possível encontrar qualquer motivo para a ocorrência do crime.
Existe uma dupla de acontecimentos particularmente estranhos rela­cionados com o assassinato de Gélis. Sua lápide no cemitério da igreja em Coustassa, foi posicionada, a única entre todas as outras lápides, de modo a ficar direcionada para Rennes-le-Château, que está bem visível no alto da colina oposta. A sepultura também tem uma insígnia de rosa-cruz. E embora esse crime brutal de um senhor velho e frágil chocasse a população local, a dio­cese parece que quis que todo o assunto fosse esquecido tão rapidamente quanto possível. Quando Gérard de Sède tentou investigar essa questão, no início dos anos 60, não pôde encontrar nenhum registro sobre o assassinato nos arquivos da diocese em Carcassonne.Apenas em 1975 dois advogados reconstruíram a história através dos registros da polícia e do poder judiciário locais}'
Chegou-se mesmo a sugerir que Sauniere foi o responsável pelo assas­sinato de Gélis, mas isso é pura especulação. Parece, entretanto, que alguma coisa sinistra estava acontecendo e que envolvia os padres locais além dos limites de Rennes-le-Château.

Sem sombra de dúvida, o vilarejo de Rennes-le-Château é importante por si mesmo, mas talvez tenha se colocado muita ênfase sobre isso, pois toda a região vizinha também foi envolvida no mistério.A maioria dos pesquisadores reconhece o fato de que existem outros lugares igualmente estranhos e atrativos nas redondezas, mas a tendência é vê-los apenas como pano de fundo para a história de Sauniere. Contudo, se ele fez uma descoberta, exis­tem diversos lugares onde o poderia ter feito. Sem contar suas ausências do vilarejo, que algumas vezes chegavam a levar semanas ou meses, ele também era conhecido por dar longas caminhadas nas vizinhanças (e seu entusiasmo pela caça e pesca bem poderia ser um meio de encobrir alguma outra ativi­dade).
Os Dossiês secretos afirmam que Sauniere estava trabalhando para o Monastério de Sion, mas existe alguma prova de sua influência na região? Vimos que Pierre Plantard de Saint-Clair possuía terras próximas a Rennes-­les-Bains, e comprou uma cova para si no cemitério da cidade, mas será que as aparentes preocupações da organização realmente têm seu reflexo nessa região?
Dada a extraordinária mistura de culturas das sociedades secretas no Languedoc seria surpreendente se assim não fosse. De fato, um estudo sobre a região próxima a Rennes-le-Château resultou em muitas pistas, não apenas em relação ao Monastério como também sobre uma tradição secreta muito mais ampla, uma tradição que já suspeitávamos que existisse. Estávamos a ponto de descobrir aquilo que podemos chamar de a Grande Heresia da Eu­ropa, a extrema veneração, mesmo que oculta, a Maria Madalena e João Batis­ta.
Existe uma incrível proliferação de igrejas dedicadas ao Batista nessa região. No geral elas são fundadas em enclaves; por exemplo, existem três igrejas de 'João' na pequena região de Belveze-du-Razes (grande parte dessa região chama-se La Magdalene).
É bastante interessante também que a atual igreja de 'Madalena' em Rennes-le-Château antes fosse somente a capela de um castelo, enquanto uma outra igreja abençoava o vilarejo, e era dedicada a João Batista." Esta foi destruída no século XIV quando Rennes-le-Château foi capturada por tropas da nobreza espanhola, aparentemente tendo sido demolida pedra por pedra na crença de que algum tesouro ali se escondia."
Uma inexplicada reviravolta aconteceu no vilarejo vizinho de Arques, quando a igreja original de João Batista passou a ser dedicada a Santa Ana. Esse evento é algo particularmente singular porque ela ainda mantém uma relíquia do Batista.
Arques e Couiza, onde há uma outra igreja de 'João', pertencera à família de Joyeuse até 1646, quando Henriette-Catherine de Joyeuse vendeu todas as terras que possuía no Languedoc à monarquia francesa. Ela era a viúva de Charles, Duque de Guise, que fora torturado por Robert Fludd, trazido espe­cialmente da Inglaterra para realizar a tarefa.
Havia em Couiza ou em Arques uma Madona Negra, conhecida como Notre-Dame de la Paix, que foi levada para Paris pelos de Joyeuse em 1576, onde ainda pode ser vista na igreja das Irmãs do Sagrado Coração (na décima-segunda circunscrição).'. Estranhamente, Sauniere correspondia-se com o superior dessa Ordem, para quem era alguém claramente especial. Em uma carta enviada a ele, a Irmã Augustine Marie, Secretária da Ordem, em 5 de fevereiro de 1903," pediu-lhe que rezasse missas especificamente em honra de suas Madonas Negras, oferecendo vender-lhe uma estátua do Petit Jésus de Prague (que ainda pode ser visto na Villa Bethania), e, de um modo um tanto misterioso, agradeceu 'pela devoção que você demonstrou ao nosso amado Rei'. Isso poderia ser uma referência a algum pretendente ao trono francês ou a Jesus, embora, como veremos, houvesse um outro 'Rei' que era venerado por grupos heterodoxos. Há, no entanto, uma sugestão de um signi­ficado diferente,ou talvez codificado, nas palavras da Irmã Augustine Marie, e a curiosa implicação de que era algo especial relacionado com o pároco (e os paroquianos) de Rennes-le-Château.
A família de Joyeuse também comprou o João Batista da igreja de Arques, que foi construída sobre as ruínas de um antigo castelo que fora destruído pelos homens de Simon de Monfort. A atual torre do sino e a parede principal faziam parte do castelo original. Como já vimos, a igreja fora uma vez dedicada a João Batista, mas agora era dedicada a Santa Ana, embora nem mesmo o prefeito de Arques pudesse nos explicar a razão da mudança.
Seu predecessor nos anos 30 e 40 foi Déodat Roché, um grande estudi­oso da história esotérica da região e que estava por trás de uma das mais honestas tentativas de restabelecer uma Igreja Cátara na região. Um dos tios de Roché era o médico de Sauniere, e um outro era seu tabelião.
No meio do caminho entre Rennes-le-Château e Limoux fica o balneário de Alet-les-Bains. Antigamente' sede do bispado (antes desse mudar-se para Carcassonne), Alet era na Idade Média um centro alquímico de renome. A família de Nostradamus veio dessa cidade, e é possível que o famoso profeta tivesse vivido ali durante algum tempo. A cidade tinha conexões templárias, que remontavam aos primórdios da Ordem - muitas leis que lhes garantiram a doação de terras foram lá assinadas na década de 1330 -, e símbolos tem­plários podem ser vistos gravados na madeira de algumas das pitorescas ca­sas medievais da cidade; realmente, a cota de armas da cidade porta uma cruz templária. A imponente igreja, de Santo André, tem uma curiosa ligação com a Ordem. O escritor e pesquisador Franck Marie' demonstrou que (como a capela de Rosslyn) esta foi projetada com base na geometria da cruz dos templários, embora a igreja tenha sido construída no século XIV, após a supressão da Ordem. O prédio também é notável por suas janelas que portam o símbolo da estrela de seis pontas, a Estrela de Davi. Sem contar a óbvia associação com os judeus (o que é, para dizer o mínimo, bastante estranho em uma igreja cristã medieval), O símbolo também tem conotações com a magia tradicional, simbolizando a união dos princípios masculino e femini­no.

A rua principal de Alet-les-Bains é a avenida Nicolas Pavillon, em homenagem a seu bispo mais famoso (cujo bispado durou de 1637 até 1677). É uma figura significativa, que esteve envolvida nos eventos relacionados com o Monastério de Sion. Pavillon, junto com dois outros clérigos, o famoso São Vicente de Paulo e Jean-Jacques Olier (o construtor de St Sulpice), eram a força motriz por trás da Compagnie du Sant-Sacrament, que também era con­hecida entre seus membros como 'a Conspiração dos Devotos'. Publicamente uma instituição dedicada à caridade, hoje é reconhecida pelos historiadores como sendo a sociedade secreta político-religiosa que manipulou líderes pro­eminentes da época, chegando mesmo a influenciar o próprio monarca. A Compagnie ocultou tão bem suas reais intenções que os historiadores ainda não concordam totalmente sobre a sua verdadeira natureza; algumas vezes parece que segue a corrente principal da Igreja Católica,outras,porém,parece ser totalmente herética. Argumentou-se que ela era, na verdade, testa-de-ferro do Monastério de Sion.'. Como já vimos, sua sede ficava no Seminário de St Sulpice, em Paris.
Um desses conspiradores, o misterioso São Vicente de Paulo (1580­1660), que estranhamente afirmava ter estudado alquimia, é venerado em outro local que figura entre um dos mais enigmáticos do Languedoc.Trata-se da basílica de Notre-Dame de Marceille, que fica ao norte de Limoux, logo na saída da cidade. Em seu terreno há uma estátua de São Vicente, para marcar O fato de que ele fundou a Ordem dos Padres Lazaristas, que, desde 1876, esteve encarregada da basílica (significativamente, os padres lazaristas de Notre-Dame de Marceille eram proeminentes entre aqueles convidados para as ce­rimônias que Sauniere realizava ao inaugurar as diversas partes de seu do­maine).
Esse lugar tem muitas ligações provocantes com as 'heresias' que estávamos investigando." Para começar, apesar de ser escrito de forma diferente, 'Marceille' (cuja derivação é desconhecida) evoca a Madalena através da con­exão com 'Marseilles'. A basílica foi construída no local de um antigo san­tuário pagão, ao redor de uma fonte que tem a reputação de ter propriedades curativas, em particular para os olhos. A igreja tomou seu nome de uma Ma­dona Negra do século XI, que ainda está à mostra nessa igreja, e com a qual muitos milagres estão relacionados. Talvez, com esse passado, não devesse causar nenhuma surpresa descobrir que o lugar pertencera aos templários. Durante séculos esse local foi um centro de peregrinações.
Ao longo dos anos, por alguma razão, sempre ocorreram disputas entre várias ordens religiosas para deter algum tipo de controle sobre esse local. Originalmente pertencia à abadia beneditina de St. Hilaire, que durante a Cru­zada de Albi foi fonte de comentários hostis devido à sua política de neutral­idade em relação aos cátaros (toda a população de Limoux foi excomungada em determinado momento por abrigar os cátaros). No século XIII a disputa se dava entre o arcebispo de Narbonne, a Ordem Beneditina e os dominica­nos. O rei mais tarde teve que intervir em uma disputa em torno da posse sobre o lugar, entre o arcebispo, o Lorde de Limoux e Guillaume de Voisins, Lorde de Rennes-le-Château. Em 14 de março de 1344 (o centésimo aniversário da misteriosa cerimônia cátara em Montségur, na noite anterior àquela em que alguns voluntariamente se atiraram na fogueira) o Papa Clemente VI deu a igreja para o Colégio de Narbonne em Paris, em cuja posse ficou até a metade do século XVII, quando passou para o bispo de Alet-les-Bains (a prin­cipal fonte de renda para o Colégio de Narbonne eram os rendimentos da igreja de Maria Madalena em Azille, no Aude"). Durante a revolução, a igreja e as terras foram vendidas, mas a Madona Negra foi escondida pelo Monas­tério da Ordem dos Penitentes Azuis, um curioso grupo que tinha ligações com os maçons do Ritual Escocês Purificado e com a família Chefdebien, que, como ainda veremos, tem um papel significativo nessa trama." A igreja foi restaurada como um local de culto em 1795.
Uma outra disputa aconteceu durante a época de Sauniere, envolven­do seu superior, Montseigneur Billard, bispo de Carcassonne. O lugar foi en­tão comprado e dividido entre vários proprietários, mas através de uma série de movimentos bastante inteligentes, e nem sempre éticos, ele contratou os serviços de um banqueiro como 'testa-de-ferro' a fim de comprar todas as partes. A venda foi realizada em 17 de janeiro de 1893 (embora Billard, de algum modo, tenha tomado posse da Madona Negra, que foi mantida em Limoux por algum tempo).Após um período de quatro meses, entretanto, o novo dono a vendeu de volta para o bispado e Billard então teve o total controle: que tanto queria.
Em 1912, o Papa Pio X decretou que a igreja deveria receber a con­dição de basílica, uma honra rara e totalmente inexplicável para um lugar até certo ponto bastante humilde. O status de basílica é tradicionalmente outor­gado a igrejas que tenham um significado especial, como é o caso de St. Maximin na Provença, que supostamente guarda os restos mortais de Maria Madalena.
A região ao redor de Notre-Dame de Marceille também é notável por ter sido, até bem recentemente, um lugar de interesse particular para os ciganos, que costumavam acampar entre a igreja e o Rio Aude, que está a algumas centenas de metros na direção oeste.
Notre-Dame de Marceille é especialmente mencionada no livro enigmá­tico do abade Boudet, Le vraie langue celtique...e foi isso que trouxe o pesquisador Jos Berthaulet para o local”. Ele fez uma interessante descoberta nas antigas terras da igreja, agora em mãos particulares: no aterro de Aude há uma galeria subterrânea. Essa galeria consiste de duas grandes câmaras que datam ou do último período de dominação de Roma ou do início do período de dom­inação dos visigodos (século III ou IV). Com cerca de seis metros de altura, a primeira dessas câmaras tem uma clarabóia no teto abobadado, mas a única entrada é bastante estreita, um túnel de um metro de altura, que aparente­mente foi construído posteriormente e que estava escondido dentro de uma pequena e hoje arruinada casa (que parece ter sido construída especialmente para esse propósito).A função da galeria é desconhecida. Alguns especulam afirmando que servia como uma câmara funerária para os visigodos, embora esteja vazia, ou como um local de iniciação para alguma escola de mistério. Qualquer que seja sua função, há alguma evidência de que ela esteve em uso até o início do século XX, embora sua existência fosse tão secreta que, como iríamos descobrir sob circunstâncias traumáticas, mesmo os padres da basílica a desconheciam. Talvez fosse essa curiosa câmara subterrânea que Billard es­tava tão ansioso para ter em mãos.
Durante uma viagem de pesquisa para a França, no verão de 1995, Clive Prince visitou a região com seu irmão Keith. Recebemos a informação relati­va à galeria, incluindo as indicações de como chegar até ela - cujo valor é inestimável, pois a entrada estava coberta por um formidável emaranhado de relva - do pesquisador belga Filip Coppens. Jos Bertaulet havia coberto par­cialmente a clarabóia, construída para permitir a entrada de luz na primeira câmara, com pedras, a fim de prevenir acidentes. Havia ainda, o que iríamos descobrir de um modo bastante doloroso, um buraco de cerca de seis metros de profundidade.
Keith, tendo descido até a primeira câmara com uma corda (pois as escadas de madeira já há muito haviam apodrecido), escorregou em um cas­calho coberto de húmus e caiu pesadamente no chão. Deitado no escuro entre escombros e ruínas, à primeira vista Kelth havia quebrado a perna, e embora mais tarde ficássemos sabendo que ele tivera apenas um ligamento rompido, não estava em condições de manter-se de pé, e assim escalar de volta para fora da câmara. Clive não tinha outra opção a não ser buscar por socorro (que chegou em um número tão grande que parecia que o apuro de Kelth era a coisa mais excitante que acontecia em muito tempo em Limoux). Após quatro horas uma equipe de resgate finalmente o retirou através da abertura no teto. E o levaram ao hospital de Carcassonne (uma coisa surgida desse episódio foi que, quando Clive foi pedir socorro na basílica, os funcionários demonstraram que não tinham o menor conhecimento da existên­cia da galeria).
Infelizmente, em virtude desse acidente, as investigações posteriores no subterrâneo da câmara tornaram-se impossíveis. Talvez uma conseqüên­cia mais séria fosse a ameaça das autoridades em selar a entrada para impedir que outros sofressem qualquer acidente. Foi um alívio quando soubemos que tal não acontecera, embora as entradas estivessem cobertas na época em que lá voltamos em companhia de Charles Bywaters, na primavera de 1996. Nes­sa ocasião, embora não fizéssemos nenhuma tentativa de explorar a câmara principal, investigamos o túnel que levava até ela e fizemos uma descoberta muito significativa.
O túnel parece se direcionar para uma parede, mas, seguindo a sugestão de Filip Coppens, examinamos essa parede e descobrimos que ela antes era uma porta.Foi deliberadamente selada - recentemente, ao que parece -, e as barras de ferro que foram colocadas na pedra poderiam ter sido maçanetas.A julgar pelo desconhecimento das autoridades locais sobre a existência da galeria, não poderiam ter sido eles a selar a porta. Então quem o fez, e, em qualquer caso, por que selar justo uma das câmara dessa forma?
Pelas condições das barras de ferro estimamos que a porta deveria ter cerca de cem anos, época em que Billard havia obtido o controle da proprie­dade. Teria ele escondido alguma coisa atrás dessa porta emparedada? Talvez o tenha feito, embora suas ações revelassem um desespero total em possuir essa propriedade, o que sugere que ele não estava escondendo, mas sim procurando por algo. E seja lá o que for, no mínimo deve existir pelo menos alguma pista naquele lugar úmido e secreto sobre o de que se tratava, senão não teria sido selado com tanto esmero.
Pouco antes de ser vitima de câncer,em 1995, Jos Bertaulet afirmou ter decodificado a estranha obra de Boudet, Le vraie langue Celtique... e concluiu que falava de um relicário que continha a cabeça de 'um Rei sagrado' e fora escondida naquela galeria subterrânea. Depois declarou que Boudet vin­culou a câmara com as lendas do Santo Graal. Como já vimos, o tema de reis sagrados decapitados faz parte dessas histórias (e Saunière foi agraciado pela devoção que demonstrou ao 'nosso amável Rei' pelas Irmãs do Sagrado Coração em Paris). E, significativamente, Notre-Dame de Marceille foi uma propriedade dos templários.
Pesquisas mais aprofundadas estão na dependência de se atravessar a porta selada, e parecia improvável, ao menos na época em que escrevemos, que a permissão para tanto pudesse ser obtida. No entanto, muitos temas que são centrais a essa investigação parecem estar reunidos nesse local: as Madonas Negras, os templários, Madalena e as lendas do Graal. E a história da ca­beça decapitada, na região tão repleta de igrejas dedicadas a ele, certamente evoca a figura de João Batista. Claramente, a região de um modo geral, e o local de Notre-Dame de Marceille em particular, ainda guardam um grande segredo.
É difícil ver como exatamente Sauniere se encaixa nesse quadro geral, mas ao mesmo tempo realmente parece que ele tomou parte nisso tudo. É bastante provável que tenha encontrado algo de suma importância, mas é impossível dizer o que foi, com alguma certeza. Entretanto, nossa investi­gação angariou muitas pistas surpreendentes do tipo de companhia que ele mantinha e os contatos que deliberadamente buscava. De fato, as provas que com cuidado juntamos, relacionadas às verdadeiras associações de Sauniere mudaram radicalmente e para sempre o padrão da imagem de humilde pároco do interior que sem querer encontrou um tesouro- Qualquer que seja a verdade sobre ele, sua importância se estende bem além dos limites desse curioso vilarejo de Rennes-le-Château.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Guardiães do Graal






A corrente acadêmica afirma que idéias ‘ocultistas’ sobre os templários são apenas tolice: a maioria dos historiadores atesta que eles eram apenas e tão-somente os monges-guerreiros que afirmavam ser, e qualquer insinuação que se faça de que eles estavam, mesmo que remotamente, envolvidos em qualquer coisa esotérica é resultado de fértil imaginação ou de pesquisa mal conduzida. Sendo isso um consenso, os historiadores que têm algum interesse nesse aspecto da Ordem não o demonstram abertamente por temerem perder suas reputações (e os fundos de pesquisa acadêmica). Tal tipo de pesquisa ou é evitada ou, se levada a cabo, permanece inédita. (Há vários historiadores de renome que reservadamente reconhecem que o aspecto esotérico dos templários é importante, mas nunca o dirão publicamente).
Essa atitude fez com que se negligenciasse o estudo de alguns locais importantes relacionados com os templários. E descobrimos que a região que foi a maior vítima desse fenômeno, a um grau que beira a mistificação, é a área de nosso maior interesse: o Languedoc-Roussillon. Sem contar a Terra Santa, essa era a pátria da Ordem. Mais de 30 por cento de todas as fortalezas e edificações templárias em toda a Europa ficavam nessa pequena região. Contudo, apenas um volume desprezível de trabalho arqueológico foi lá rea­lizado, e existem várias localizações importantes que não mereceram qualquer investigação.
Felizmente a negligência oficial é contrabalançada por muitos pesqui­sadores privados que têm um interesse apaixonado por esses misteriosos cavaleiros, e muitos dos moradores locais vêem como seu dever preservar e proteger os antigos locais relacionados com os templários. Há também vá­rios 'amadores' (no sentido de que eles não são bancados por fundos de pesqui­sa) e organizações de pesquisa, como o Centro de Estudos e Pesquisa dos Templários, dirigido por Georges Kiess, em Espéraza (Aude), de excelente qualidade. As descobertas feitas por esses entusiastas, através do estudo tan­to dos locais quanto dos muitos documentos relativos aos templários, que estão intactos e armazenados em arquivos locais, são impressionantes. Espe­cialmente dada a falta de recursos oficiais e a completa frustração de lidar com arquivistas apáticos.
Um desses grupos de pesquisa é o Abraxas, dirigido pelo britânico expatriado Nicole Dawe e pelo texano Charles Bywaters, na estância hidromineral de Rennes-les-Bains, Aude. Suas pesquisas, em conjunto com as da rede de grupos semelhantes, realizaram descobertas sólidas e documentadas que, literalmente, reescrevem os estudos dedicados aos templários. Nadando contra a maré da apatia oficial, por um lado, e, por outro lado, tentando con­trolar o entusiasmo extremo dos caçadores de tesouro locais, que represen­tam uma ameaça bastante real aos sítios arqueológicos de pesquisa, Nicole e Charles descobriram locais fundamentais relativos aos templários que, no entanto, nunca haviam sido tocados pelas pás dos arqueólogos. Grande parte de seus trabalhos ainda permanece inédito, embora eles planejem publicá-­los em um futuro próximo.
Portanto, se quisermos saber mais sobre a vida dos templários, nesse berço da heresia que é o Languedoc-Roussillon, não devemos procurar os centros acadêmicos, mas sim Charles e Nicole.
Sentados no apartamento de Charles em Rennes-les-Bains, localizado na rua principal (na verdade praticamente a única), começamos perguntan­do a ele e a Nicole sobre a possível conexão entre os templários e os cátaros.
. Eles responderam que havia claras ligações entre os dois grupos e que essas foram bem além de meros laços familiares, os quais eram geralmente negligenciados pelos historiadores. Por exemplo, até mesmo no auge da cruzada dos albigenses, os templários abrigaram cátaros fugitivos, e existem exem­plos documentados de que também prestaram socorro aos cavaleiros que abertamente lutaram ao lado dos cátaros contra os cruzados.
Como disse Nicole:

Você só precisa cruzar os sobrenomes cátaros dos documentos da Santa Inquisição com os nomes dos templários do mesmo período para perceber que são os mesmos. No entanto, mais particularmente, é inegável que algumas edificações dos templários alojaram, deram abrigo, e até mesmo enterraram os cátaros em chão sagrado.
Alguns têm sido cínicos a ponto de sugerir que isso ocorreu porque essas pessoas, a fim de se tornarem membros seculares do Templo, doaram-lhes todas as suas posses e bens. Na verdade, temos provas de cátaros que se socorreram junto aos templários depois de terem perdido completamente tudo o que possuíam, e não só foram recolhidos em determinados abrigos, como lá foram enterrados ao morrerem. Mais tarde, os templários algumas vezes faziam o que estivesse ao seu alcance para assegurar às família cátaras, ou a seus descendentes, que tivessem suas terras de volta.

Charles prosseguiu:

Em uma área em particular, os templários, claramente, permitiram que houvesse atividade hostil partindo de suas edificações. Os cavaleiros cátaros continuavam a lutar, e quando se retiravam seguiam para uma propriedade dos templários. Esses fatos estão fartamente documentados.

Isso representava algo bastante significativo para nós porque, dado que algumas das acusações levantadas contra os templários foram indubitavelmente forjadas, a única coisa não usada como evidência contra eles foi a íntima relação que mantinham com os cátaros desterrados. Que a Inquisição estava completamente ciente desse fato é revelado pelas escavações que fez nas propriedades templárias, desenterrando os corpos dos cátaros a fim de queimá-los e dessa forma intimidar outros possíveis hereges, mesmo já tendo se passado mais de trinta anos desde o final da Cruzada. (E foi a Inquisição que torturou os templários, portanto, se alguém sabia da con­exão destes com os cátaros, esse alguém era a própria Santa Inquisição.) Era óbvio que havia mais coisas acontecendo, talvez até mesmo algo que fosse do conhecimento da Coroa Francesa, mas era algo considerado tão perigoso se fosse tornado público que nem uma palavra sobre esse assunto veio à tona. Durante toda a nossa pesquisa sobre os templários tivemos o desconfortável - e crescente - sentimento de que algum segredo monumental estava à espreita, abaixo da superfície da história oficial. Poderia ser que os templários e os cátaros compartilhassem algum conhecimento potencialmente explosivo? E esse segredo poderia ter sido o real motivo de Filipe, o Belo, ter arquitetado essa muito bem planejada campanha contra os templários?
Nem todos os templários pereceram naquela sexta-feira fatídica do século XIII. Há muitos permitiu-se que vivessem e recomeçassem usando um outro nome. Dois países em particular ofereceram moradias seguras para os cavaleiros fugitivos, a Escócia e Portugal. (Neste último, os tem­plários tornaram-se conhecidos como os Cavaleiros de Cristo.) A região ao redor do Languedoc, aprendemos com Charles e Nicole, foi testemunha de uma curiosa exceção no padrão geral empregado na perseguição. Roussil­lon, parte leste da região, na verdade vivia sob proteção do reino espanhol de Aragon, enquanto o norte, que incluía Carcassonne, fazia parte da França. Os Templários de Roussilion foram presos, julgados e inocentados. Quando o Papa fechou oficialmente a Ordem, eles ou se juntaram a outras fraternidades semelhantes ou passaram o resto das vidas em suas terras, vivendo de pensão.
Como sugeriram vários comentadores, os templários sobreviveram à tentativa de exterminá-los totalmente e continuaram existindo até hoje em dia, embora haja evidências de que eles sofreram muitos cismas e operaram através de diferentes organizações, todas afirmando ser descendentes diretas da Ordem original.
Se os templários estivessem escondendo algo que fosse julgado extre­mamente perigoso pelo rei francês, a ponto de fazê-lo tomar uma ação drástica contra eles, o que poderia ser? Quem estava usando quem entre o Papa e Filipe? De qualquer ângulo que vejamos essa história, parece que um elo crucial está faltando.
Suponha que esse componente evasivo fosse do interesse do Monas­tério de Sion. Como já vimos, existem indicações de uma presença sombria por trás do próprio surgimento dos templários, e esse mesmo grupo de ma­nipuladores (quem quer que eles fossem) parecia dirigir as cenas conforme sua vontade. Charles e Nicole não têm nenhuma dúvida sobre a existência de um 'círculo secreto' organizado dentro da própria liderança dos templários, o qual ante datou o início oficial da Ordem. Eles assim prosseguem até o ponto de argumentar que o movimento templário fora criado para dar a esse círcu­lo secreto uma face pública, na mesma época em que a Terra Santa fora aber­ta aos viajantes europeus.
Outros pesquisadores também chegaram à mesma conclusão. Como o escritor francês Jean Robin (utilizando-se das pesquisas de Georges Cagger) afirma:

A Ordem do Templo constituía-se na verdade de sete círculos 'externos', dedicados aos mistérios secundários, e de três círculos 'internos', correspondendo à iniciação nos grandes mistérios. E o 'núcleo' era composto por aqueles setenta templários 'interrogados' por Clemente V [após terem sido presos em 1307].

De modo semelhante, no seu The Sign and the Seal, o autor britânico Graham Hancock escreve:

...A pesquisa que eu havia conduzido sobre as crenças e comportamentos desse estranho grupo de monges-guerreiros, convenceram-me de que eles haviam deparado com alguma tradição de sabedoria sumamente antiga...
Constituir um grupo interno secreto era algo bastante possível, pois os templários eram, essencialmente, uma escola de mistério, isso é; eles operavam como um sistema hierárquico que se baseava na iniciação e no segredo. É, portanto, bastante provável que não só os templários de patente rasa soubessem consideravelmente menos do que seus superiores, como que as crenças desses últimos fossem bastante diferentes. É provável que a maioria dos cavaleiros templários não fosse mais do que os simples soldados cristãos que aparentavam ser. O círculo secreto, porém, era algo muito diferente.
A razão da existência do círculo secreto dos templários parece ter sido a de acelerar o avanço das pesquisas sobre questões esotéricas e religiosas.
Talvez uma das razões para que se mantivessem em segredo fosse o fato de lidarem com aspectos enigmáticos relacionados aos mundos judeu e islâmico. Eles buscavam, literalmente, os segredos do universo, onde quer que suspei­tassem que poderiam ser encontrados, e em sua rota geográfica e intelectual de incessantes questionamentos talvez viessem a tolerar, e até mesmo a abraçar, algumas crenças não muito ortodoxas.
Naqueles dias, a busca incessante de conhecimento deve ter sido uma força motriz particularmente forte e irresistível. Os templários, porém, não se interessariam de vontade própria por essas complexas pesquisas, afinal eles eram pessoas intrinsecamente práticas. Quando seguiam uma linha de pesquisa em particular, era por uma razão muito boa e, por causa disso, deixaram certas pistas sobre o que realmente importava para eles.
Uma dessas pistas encontra-se nas obsessões de Bernard de Clairvaux, éminence grise (Eminência parda) dos templários. Esse ferino monge intelectual aparentemente devotava-se totalmente à Virgem Maria, como bem mostram muitos de seus sermões. No entanto, parece-nos que a Virgem não era objeto do verdadeiro amor espiritual de Bernard. Era uma Maria completamente diferente, cuja real identidade é sugerida pelo fato dele ter sido particularmente apaixona­do pelas Madonas Negras. Também chegou a escrever quase noventa ser­mões sobre o Cântico dos Cânticos, e pregou de modo muito mais explícito ligando a 'Noiva' a Maria de Betânia, que naquela época era inquestionavel­mente a própria Maria Madalena.
'Sou negra, mas graciosa', diz a amante, uma frase que também une o Cântico dos Cânticos ao culto das Madonas Negras, a quem Bernard (que nasceu em Fontaines perto de Dijon, lugar central do culto das Madonas Negras) era excepcionalmente dedicado. Ele afirmou ter recebido sua ins­piração como uma criança que recebe três gotas do leite milagroso do peito da Madona Negra de Chântillon. Especulou-se que isso era uma referência codificada à iniciação dele, Bernard, ao culto das Madonas. E quando Bernard rezou pela Segunda Cruzada, escolheu fazê-lo em Vézalay, centro fundamen­tal ao culto de Maria Madalena.
Então, é provável que a aparente devoção de Bernard para com a Virgem fosse simplesmente uma cortina de fumaça para sua verdadeira paixão por Madalena, embora, é claro, as duas não sejam mutuamente exclusivas. Contudo, ao criar a Regra dos Templários, Bernard recomendou que os cavaleiros prestassem 'obediência a Betânia e ao castelo de Maria e de Marta'. E ele é bem conhecido por ter repassado tal devoção particular à Ordem. Até mesmo em face da total extinção, os cavaleiros aprisionados com o Grão-Mestre Jacques de Molay, nas masmorras da fortaleza de Chinon, compuseram uma oração dedicada a 'Notre Dame' (Nossa Senhora) na qual mencionam São Bernardo como fundador da religião da Santificada Virgem Maria.  Em face, porém, de todas as outras evidências, essa também pode ter sido uma outra referência codificada ao culto de Madalena.
É bastante significativo que o juramento dos templários fosse a 'Deus e a Nossa Senhora', Ou com freqüência a 'Deus e a Santa Maria'. Alguns insinuam que a 'Nossa Senhora' do juramento não é a Virgem, o que é reforçado pelas palavras da Absolvição dos Templários: 'eu peço a Deus que perdoe os meus pecados, como perdoou os de Santa Maria Madalena e os do ladrão que foi pregado na cruz'. Isso pelo menos demonstra a importância de Madale­na para os templários. (É notável que no caso dos templários de Roussillon, durante seu cativeiro, as condições em que se encontravam fossem delib­erada e especificamente pioradas - por ordem do próprio Papa - no exato dia em que se comemorava Santa Maria Madalena. Lembremos que o massa­cre de Béziers também aconteceu no dia das festividades a Madalena para deixar bem claro a natureza da 'heresia'.)
Na realidade, os templários estavam preocupados com a idéia do Femi­nino como um todo, um conceito que pode parecer estar seriamente em conflito com sua imagem de guerreiros. Contudo, como Charles e Nicole descobriram, a Ordem do Templo incluía mulheres. Durante os primeiros anos de sua existência muitas mulheres fizeram o juramento da Ordem, em­bora tenham permanecido como membros seculares do Templo. Embora não haja nenhuma indicação de que havia um enclave de rainhas guerreiras den­tro da Ordem dos Templários, como afirmaram Michael Baigent e Richard Leigh em The Temple and the Lodge (1989):

... Um antigo relato do século XII, na Inglaterra, fala de uma mulher que é recebida no Templo como uma Irmã, e insinua de modo bastante claro haver algum tipo de ala ou anexo feminino na Ordem. Contudo, nenhuma elaboração ou esclarecimento foi encontrado sobre esse assunto. Mesmo tal informação, que poderia estar contida nos registros oficiais da Inquisição, já há muito tempo desapareceu ou foi suprimida.

Nicole e Charles, partindo de estudo profundo dos documentos dos templários, são bem mais enfáticos:

Se você voltar aos documentos do século XII, verá que há inúmeros exemplos de mulheres que haviam se juntado à Ordem, com certeza em seu primeiro século de existência. Qualquer pessoa que ingressasse na ordem deveria em juramento 'dar minha casa, minhas terras e meu corpo e alma à Ordem do Templo'. Você tem os nomes de mulheres no término desses documentos, assim como de homens também, e você tem com freqüência casais que ingressavam em conjunto e, portanto, as mulheres também deveriam fazer o juramento. Esses documentos são principalmente dessa região [o Languedoc], e existem muitos exemplos que demonstram que deve ter havido um número bastante grande de mulheres envolvidas em determinada época.

Os documentos também indicam que houve uma mudança posterior nas regras, naquelas que especificamente proibiam que os templários tivessem mulheres, ficando subentendido que até aquele momento eles haviam procedido em conformidade com a regra.
Quando expressamos nossa surpresa quanto a isso não ser mais ampla­mente conhecido, e certamente, tirando algumas vagas sugestões, o envolvi­mento das mulheres não aparecer nas obras comuns dedicadas aos templári­os, Charles explicou:

Às vezes parece que muitas dessas informações foram intencionalmente negligenciadas. O que você obtém nos livros é um punhado de informações redundantes, a mesma coisa repetida inúmeras vezes. Isso faz com que tenhamos apenas duas opções possíveis: ou essas pessoas são cegas ou por alguma razão muito específica elas não estão interessadas naquelas informações. Se você é um pesquisador, o que supostamente essas pessoas são, essas informações deveriam faze-­los saltar. Porém, elas nem sequer levam isso em consideração.

É notável que o arrastão geral de 13 de outubro de 1307 ocorresse sem derramamento de sangue. Por toda a França, os senescais do rei recebe­ram ordens lacradas que lhes ordenavam que organizassem tropas suficientes para prender os mais bem treinados guerreiros da cristandade, algo como uma delegacia de polícia receber ordens para prender tropas da Polícia do exército estacionadas na região.A maioria dos templários na França parece ter sido levada como cordeiros para o matadouro. É estranho que os cavaleiros não tenham pedido reforços de fora da França.
De modo significativo, alguns dos cavaleiros, inclusive o tesoureiro da Ordem, conseguiram escapulir, de um modo que indica que eles teriam sido avisados com antecedência. Além disso, a famosa frota dos templá­rios, fundeada na França, simplesmente desaparecera naquele momento. Em todos os registros das pilhagens dos templários pelo rei francês, não há um único navio listado. Onde a frota foi parar? Dificilmente teria desaparecido no ar.
O círculo secreto dos templários, porém, parece ter caminhado grandes distâncias a fim de preservar seu conhecimento secreto. Como o respeitado estudioso do Novo Testamento, Hugh Schonfield, demonstrou, os templários utilizaram um código conhecido como a Cifra de Atbash. Isso é algo verdadeiramente notável pois esse mesmo código havia sido usado pelos au­tores de alguns dos Manuscritos do Mar Morto mil anos antes da fundação da Ordem dos Templários. O que quer que isso signifique, por si só já revela que os templários eram peritos em manter seus segredos através dos mais engen­hosos meios, além de mostrar que seus conhecimentos vinham de fontes longínquas e esotéricas. Schonfield revela que, quando o código é aplicado ao nome do misterioso ídolo decapitado venerado pelos templários, Bapho­met, esse então se transforma na palavra grega Sophia. Graham Hancock es­creve, em The Sign and tbe Seal, que 'Sophia' significa nada mais nem menos que 'sabedoria' . Na realidade, porém, significa muito mais do que isso, e seu significado total acrescenta uma luz diferente a toda raison d'être dos tem­plários.
Citada significando simplesmente 'Sabedoria', em hebreu Chokmah, uma figura feminina que aparece no Antigo Testamento, especificamente no Livro dos Provérbios, Sophia tem causado muito embaraço entre os estudiosos judeus e cristãos porque é apresentada como sendo a parceira de Deus, a que exerce influência sobre ele e de fato o aconselha.
Sophia também era fundamental para a cosmologia gnóstica; na ver­dade, nos textos Pistis Sophia do Nag Hammadi, está intimamente associ­ada a Maria Madalena. E, assim como Chokmah, ela é a chave para se compreender o gnosticismo da Cabala (o importante e muito influente sistema esotérico que deu base para a magia do período medieval e do Renascimento). Para os gnósticos ela era a deusa grega Atenas e a deusa egípcia Ísis, que às vezes também era chamada de Sophia.
Tomado de forma isolada, é claro que o uso da palavra Sophia pelos templários, como a decodificação da palavra 'Baphomet', não revela qualquer reverência especial em relação ao mundo feminino. Eles podiam muito bem estar apenas reverenciando a busca da sabedoria. Entretanto, existem muitas outras indicações de que isso fazia parte de uma profunda obsessão em relação ao princípio feminino, que vai muito além de uma mera questão semântica, a ponto dos templários, e na verdade vários out­ros grupos esotéricos, estarem bastante interessados nessa questão.
Como nos diz o pesquisador escocês Niven Sinclair, cujo conheci­mento sobre os templários é particularmente extenso: 'Os templários decididamente acreditavam no poder feminino'. Niven não tem qualquer dúvida a esse respeito, e não há nada de estranho nisso.
Os templários habitualmente davam um formato circular a suas igre­jas, pois acreditavam que essa era a forma do Templo de Salomão. Por out­ro lado, isso pode ter simbolizado a idéia de um universo redondo, mas é mais provável que representasse o Feminino. Círculos e ciclos sempre es­tiveram associados às deusas e a tudo o que é feminino, seja esotérico ou biológico. É um símbolo arquetípico recorrente na história da civilização: as sepulturas da era pré-histórica eram montículos arredondados porque representavam o útero da mãe-terra, que tomaria de volta o defunto para que en­tão renascesse entre os espíritos. E todos nós estamos familiarizados com o arredondamento de uma barriga grávida, e com o símbolo da fase 'Mãe' das deusas, a lua cheia.
Qualquer que seja o significado preciso do formato circular para os templários, não há nenhuma dúvida de que esses sempre foram eminentemente masculinos. E após a época dos templários, a construção de igrejas em formato circular foi oficialmente considerada herética pela Igre­ja. Porém, como já notamos, a igreja francesa em Londres é redonda, uma característica que se repete e é reforçada por outros motivos decorativos, tanto internos quanto externos.
Os templários, parece, haviam acumulado conhecimento exótico e herético, mas isso foi acidental ou proposital? As evidências apontam para esta última hipótese: eles estavam em busca de certos segredos que, uma vez sob seu poder, lhes permitiriam optar entre aplicá-los ou retê-los. Uma vez que muitos de seus segredos ainda permaneciam sob sua guarda, os templári­os deixaram algumas pistas de alguns deles em forma de códigos, algumas até mesmo esculpidas em pedra.

Os cavaleiros templários eram a força motriz por trás da construção das grandes catedrais góticas, especialmente a de Chartres. Sendo os princi­pais, e com freqüência os únicos, 'desenvolvimentistas' nos grandes centros culturais europeus, também estavam por trás da formação das guildas de con­strutores, incluindo a de pedreiros, que se tornaram membros seculares da Ordem dos Templários, com vantagens que incluíam a isenção do pagamento de taxas.
Por toda a longa história das grandes catedrais, o estranho simbolismo dos motivos de decoração e do projeto confundiram peritos das mais diver­sas disciplinas. Foi apenas recentemente que tal simbolismo passou a ser visto como o que realmente era: a codificação do conhecimento esotérico dos templários. Graham Hancock, ao discutir a arquitetura sagrada dos anti­gos egípcios, nota que 'ela só foi igualada na Europa pelas grandes catedrais góticas da Idade Média, como a de Chartres', e coloca a seguinte questão: 'Terá sido mero acidente?' Hancock continua:

Já suspeitara há muito tempo que realmente tinha havido uma conexão e que os cavaleiros templários, através de suas descobertas durante as Cruzadas, poderiam ter formado o elo perdido na cadeia de transmissão dos conhecimentos arquitetônicos secretos... São Bernardo, o protetor dos templários, havia definido Deus, o que é inacreditável tratando-se de um cristão, como 'comprimento, altura, largura e profundidade'. Também não poderia deixar de lembrar que os próprios templários haviam sido grandes construtores e grandes arquitetos, ou que a ordem monástica dos cistercienses, a qual São Bernardo pertencera, também se superara nesse campo em particular da atividade humana.

O projeto das catedrais foi especificamente elaborado para levar em conta, para exemplificar, os princípios da geometria sagrada. É a idéia de que a proporção geométrica traz dentro de si uma ressonância da harmonia divina, e a de que algumas proporções em particular são mais divinas do que outras. É isso que está por trás da rude declaração de Pitágoras de que 'o número é tudo', e reforça o conceito hermético de que as matemáti­cas são o código através do qual os deuses falam com a humanidade. Os artistas e projetistas do Renascimento eram grandes adeptos dessa arquitetu­ra esotérica em particular, para quem a 'relação áurea' - para eles a pro­porção perfeita - era quase que uma panacéia universal. Porém, de modo algum se limitaram a essa aplicação, e o conceito da geometria sagrada per­meou todos os aspectos de suas vidas intelectuais. Os desenhos de Leonardo, sejam de homens ou de máquinas, o interior das flores ou o formato de uma onda, comunicava a convicção do artista de que havia significados nos padrões e harmonia nas proporções, e um de seus desenhos mais famosos, O Homem Vitruviano, literalmente incorpora a relação áurea.
O legendário Templo de Salomão era, para os templários e para os maçons, que vieram depois, a jóia da coroa e o melhor exemplar da geome­tria sagrada. Não apenas era uma suprema delícia para os olhos de qualquer um que o observasse ou rezasse dentro dele, como seu alcance ia muito além dos cinco sentidos. Foi pensado para ressonar, de um modo transcen­dental e sem igual, com a própria harmonia celestial; seu comprimento e largura, altura e profundidade estão completamente de acordo com as pro­porções mais adoradas pelo universo. O Templo de Salomão era, se você preferir, a própria alma de Deus escrita na rocha.
Muitos dos atuais visitantes ficam perplexos com os motivos, de clara natureza astrológica, gravados nas pedras das antigas catedrais. Com certeza, alguém hoje poderia chegar a pensar que o inconfundível símbolo de Áries esculpido na entrada principal de tão veneráveis edificações deve ser uma aberração, uma excentricidade pessoal de algum dos pedreiros. No entanto, em muitas catedrais diferentes esses sinais se repetem, e nunca de forma fortuita.
Todo o grandioso simbolismo encontrado nas catedrais era entendido pelos iniciados da época como um reflexo do antigo provérbio hermético: assim em cima, assim embaixo. Acreditava-se que a frase tivesse vindo da Tábua de Esmeralda, de Hermes Trismegistus, o lendário mágico, ou mago, egípcio, embora as palavras que a compõe possam ser muito mais antigas. Elas querem dizer que tudo o que há na terra tem uma contrapartida no céu e vice-versa, conceito que Platão tornou popular com sua noção do Mundo das Idéias. De acordo com isso, tudo o que existe, de uma colher até um homem, é somente uma versão de um modelo ideal que existe em algum tipo de dimensão alternativa, plena de modelos perfeitos. Os magos, ou magi, fo­ram mais adiante. Acreditavam que todo pensamento ou ato refletia-se em outro plano, e que ambas as dimensões afetavam uma à outra de um modo irresistível. Existem ressonâncias desse conceito na moderna idéia científica de universos paralelos, assim como nas histórias dos deuses antigos, com os seus ciúmes insignificantes e, com freqüência, sórdidas obsessões, que eram vistos como sendo os representantes arquetípicos da raça humana. Para nos­sos ancestrais, não havia nenhuma discrepância em prostrar-se humildemente perante o grande deus do Olimpo, Zeus, e ao mesmo tempo acreditar que ele, ocasionalmente, tomava a forma de um animal para seduzir as moças da Ter­ra. Era esperado de um deus que se comportasse como um homem, porém, o inverso desse conceito é a idéia, 'herética' para judeus e cristãos, de que um homem pudesse se tornar um deus.
Nada disso era novidade para os templários. O projeto das catedrais revela uma compreensão dos princípios herméticos por parte dos pedreiros, assim como dos cavaleiros que patrocinavam a construção. Eles, de todos os povos medievais, apreciavam especialmente a aplicação prática, onde quer que fosse possível, de todo e qualquer conhecimento esotérico. Para eles, a codificação das mensagens secretas nas próprias pedras das catedrais ia muito além de mera fantasia. Como Baigent e Leigh dizem no seu livro The Temple and the Lodge: Deus havia ensinado a aplicação prática da geometria sagrada através da arquitetura'.  E novamente nos vimos caminhando em direção ao Templo de Salomão.
Filho do legendário herói judeu, o Rei Davi, Salomão construiu um Tem­plo de profunda beleza, utilizando os melhores e mais caros materiais. Fo­ram usados mármores e pedras preciosas, madeiras aromáticas e os tecidos mais raros para criar um lugar que faria os sentidos dos veneradores flutuar em delícia, onde o próprio Deus se sentiria em casa. No centro de tudo ficava o mais sagrado dentre o sagrado, e aí o sacerdote poderia receber o Todo­Poderoso por meio do mais misterioso dos instrumentos, a Arca da Aliança. Esse dispositivo notoriamente temperamental era, por um lado, conhecido por conceder grandes bênçãos àqueles que eram 'virtuosos', mas, por outro lado, destruiria os malfeitores ou aqueles a quem não houvesse sido dito como combater os efeitos de sua presença maligna. Para os templários isso talvez se parecesse como a arma suprema, e, portanto, saíram em sua busca, con­forme alguns têm sugerido.
Talvez existam pistas daquilo que os templários realmente acreditavam ser o significado da 'Arca', presente nos motivos decorativos das catedrais. Por exemplo, a Catedral de Chartres, fruto da imaginação de sua éminence grise, Bernard de Clairvaux, contém uma escultura de pedra que parece ser a Virgem Maria, na qual está gravada a 'marca' arcis foederis: Arca da Aliança. Isso por si só não é muito significativo, pois esse era um símbolo cristão comum no período medieval. Mas como Chartres era um ponto central para o culto da Madona Negra, estaria a Arca sendo comparada com aquela outra Maria, a Madalena, ou até mesmo com uma deusa pagã muito mais antiga? Talvez seja o próprio princípio Feminino que esteja sendo evocado, utilizando-se, para despistar, o símbolo de Maria. Isso não pode ser uma referência à própria Virgem, pois os arquitetos da catedral gótica tin­ham uma razão especial para evocar o arquétipo de uma mulher sexualmente ativa. (É também significativo que as primeiras representações da lenda da vida de Maria Madalena na França estivessem nos vitrais da Cate­dral de Chartres.)
Na verdade, é a difamada e bem pouco compreendida alquimia que, com freqüência, está por trás dos motivos aparentemente bizarros das construções góticas (e era realmente a alquimia que aparentava ser o dado em comum entre a maioria dos Grão-Mestres do Monastério de Sion).
Acredita-se que a alquimia tenha sido transmitida pelo Egito antigo at­ravés dos árabes (a própria palavra, aliás, deriva do árabe). A alquimia signi­ficava mais do que ciência: a prática compreendia uma bem concatenada teia de atividades encadeadas e modos de pensar, da magia à química, da filosofia e hermetismo à geometria sagrada e à cosmologia.Também pesquisava o que hoje chamaríamos de engenharia genética, métodos para retardar o processo de envelhecimento, e a tentativa de conquistar a imortalidade física. Os alquimistas ansiavam por conhecimento e não tinham tempo a perder com antagonismos da Igreja contra as experimentações. Eles, então, se ocultaram e continuaram suas pesquisas secretamente. Para os alquimistas não existia tal coisa chamada heresia, enquanto que para a Igreja não existia um alquimista que não fosse herético; conseqüentemente, a prática da alquimia tornou-se conhecida como 'Magia Negra'.
A alquimia compreendia diversos níveis: o externo, ou esotérico, que se dirigia à manipulação e experimentação dos metais, mas havia outros níveis, muito mais secretos e que incluíam a realização da misteriosa 'Grande Obra'. Tal coisa era vista como o momento supremo da vida de um alquimista, quan­do então, finalmente, transforma-se metal comum em ouro. Nos círculos es­otéricos, porém, isso também é visto como o ponto em que a pessoa se torna espiritualmente iluminada e fisicamente revitalizada, através de um 'trabalho' de magia que gira em torno da sexualidade. (Discutiremos esse assunto em detalhes mais adiante.) Parece que a Grande Obra representava um ato de iniciação suprema.
Talvez se acreditasse que esse ritual fosse capaz de proporcionar a longevidade: existem rumores que afirmam que Nicolas Flamel, supostamente Grão-Mestre do Monastério de Sion, realizou a Grande Obra em companhia de sua mulher Perenelle, no dia 17 de janeiro de 1382, e que teria, após tal realização, vivido durante um tempo excepcionalmente longo.
Em alquimia, o símbolo para designar a consecução da Grande Obra é o hermafrodita, literalmente a junção do deus Hermes com a deusa Afrodite. Leonardo era fascinado pelos hermafroditas, chegando a ponto de preencher páginas e mais páginas com esboços destes, de um modo um tanto pornográ­fico. Um estudo recente sobre o retrato mais famoso do mundo, o maliciosa­mente enigmático sorriso de Mona Lisa, mostrou, de forma persuasiva, que 'ela' era ninguém mais ninguém menos que o próprio Leonardo. Os pesquisa­dores Dr. Digby Quested, do Hospital de Maudsley, em Londres, e Lillian Schwartz, dos Laboratórios Bell, nos E.U.A, utilizaram as mais sofisticadas téc­nicas de computação, independentemente um do outro, para sobrepor a face do retrato com a face do artista, e o resultado foi uma justaposição perfeita.Talvez essa fosse mais uma das inacreditáveis e inteligentes piadas que ele legou para a posteridade, mas há também a possibilidade de que Leonardo, sendo um alquimista, estivesse sumariando o fato de ter realizado a Grande Obra.
Alguns acreditam que tal feito poderia ocasionar uma transformação física tão profunda que o bem-sucedido alquimista poderia até mesmo ter mudado de sexo. Talvez fosse esse o conceito por trás da Mona Lisa. Mas o símbolo do hermafrodita também representa o momento do orgasmo, quan­do tanto o macho quanto a fêmea participantes do ritual são tomados pela sensação de união de um com o outro, de expansão dos próprios limites em direção a uma consciência mística de si mesmos e do universo.
As catedrais góticas ostentam muitas figuras curiosas, de demônios a Homens Verdes. Alguns, porém, ultrapassam o estranhamento: uma escultura na Catedral de Nantes mostra uma mulher olhando para um espelho, embora o reflexo seja, na verdade, o de um homem velho . E em Chartres a escultura da 'Rainha de Sabá', de fato, porta uma barba! Os símbolos alquímicos po­dem ser encontrados em muitas das catedrais associadas aos cavaleiros tem­plários.
Essas correlações são implícitas, mas Charles Bywaters e Nicole Dawe descobriram locais relacionados com os templários, no Languedoc-Roussillon, que continham um simbolismo alquímico explícito:

Nossa pesquisa mostrou, entre outras coisas, que eles estavam de alguma forma bastante familiarizados com as propriedades do solo. Em uma área em particular eles construíram um hospital para os templários que voltavam da Terra Santa, pois ali a terra tinha propriedades curativas. Existem símbolos alquímicos nesse local...
Fica bastante claro que estavam familiarizados com a alquimia. É significativo encontrar-se um local que fora especificamente escolhido em virtude da natureza da terra, onde existem evidentes símbolos alquímicos em sua estrutura e além de muitos elementos vinculados aos cátaros e aos muçulmanos. E essa evidência é consistente, documentada; é bastante fácil de ser provada.

Durante nossas viagens na França, repetidamente vimos que as ci­dades que haviam sido propriedade dos templários, como Utelle, na Pro­vença e Alet-les-Bains, no Languedoc, subseqüentemente haviam se tornado centros de alquimia. Também é significativo que os alquimistas, assim como os templários, reverenciassem a figura de João Batista de um modo espe­cia1.
Como já vimos, as grandes catedrais e muitas das igrejas mais famosas foram construídas em locais conhecidos por terem sidos consagrados a deusas antigas. Por exemplo, Notre-Dame, em Paris, erigiu-se sobre as fundações de um templo dedicado a Diana, e St Sulpice, em Paris, foi construída sobre as ruínas de um templo dedicado a Ísis. Tomado isoladamente esse ponto nada tem de incomum, pois por toda a parte na Europa foram construídas igrejas cristãs sobre antigos locais pagãos, como um movimento deliberado por parte da Igreja a fim de demonstrar que essa havia triunfado sobre os pagãos. Mas, com freqüência, o que na verdade acontecia era que os habitantes locais simplesmente adaptavam seus costumes pagãos ao cristianismo, e, então, viam o local da nova igreja como sendo complementar e não oposto à antiga Re­ligião. No entanto, em face dos evidentes interesses mais profundos dos tem­plários, não poderia ser que no caso das catedrais eles pretendessem dar continuidade à veneração do princípio feminino ao invés de suprimi-lo?Talvez as catedrais fossem hinos às deusas esculpidos na rocha. E 'Notre Dame', a quem tantos deles eram dedicados, era na verdade o próprio princípio femi­nino ou, Sophia...
A maioria das pessoas hoje pensa na arquitetura gótica como algo essencialmente 'masculino', com seus pináculos desafiando as alturas e naves em forma de cruz, mas a maior parte da decoração interna é intensamente feminina, especialmente as esplêndidas janelas em forma de rosa. Barbara G. Walker indica outros significados:

...A Rosa, que os antigos romanos conheciam como Flor de Vênus, [era] o distintivo das prostitutas sagradas. As coisas ditas 'debaixo da rosa' (sub rosa) eram parte dos mistérios sexuais de Vênus, que não seriam revelados aos não iniciados...

Na época áurea da construção das catedrais, quando Maria era ven­erada como uma Deusa em seu 'Palácio da Rainha Celestial', ou Notre-­Dame, ela foi com freqüência chamada de Rosa, Rosa-arbusto, Rosa-­guirlanda... Rosa mística... Assim como um templo pagão, a catedral gótica representava o corpo da Deusa que também era o universo, en­quanto continha a essência de divindade masculina dentro de si mesma...

A rosa, como veremos, também era um símbolo adotado pelos trova­dores, esses cantores de canções de amor do sul da França que estão intima­mente ligados com os mistérios eróticos.
Outros símbolos encontrados nas catedrais góticas portam potentes mensagens subliminares sobre o poder Feminino.As teias de aranha esculpi­das, uma imagem que se repete na cúpula em forma de clarabóia da igreja de Notre-Dame de France, em Londres, representa Arachne, a deusa-aranha que rege o destino do Homem, ou Ísis, no papel de tecelã dos destinos. Da mesma forma, o grande labirinto pintado no chão da Catedral de Chartres refere-se aos mistérios femininos, e através dele o iniciado só consegue encontrar o caminho se seguir o fio de linha fornecido pela deusa. Esse lugar, portanto, não foi planejado para ser palco de veneração da Virgem Maria, em particular porque também abriga uma Madona Negra, Notre Dame de Souterrain (Nossa Senhora do Subterrâneo). Em Chartres também há um vitral que descreve a chegada de barco de Madalena à França, combinando assim uma referência à lenda desta com a de Ísis, para quem os barcos tam­bém eram um meio de transporte predileto. (Talvez o Nautonnier, o timonei­ro, título do Grão-Mestre do Monastério, decorra de seu papel assumido no Navio de Ísis). Esse vitral é a mais antiga representação da lenda de Madale­na na França, e, em uma catedral há muitos quilômetros da Provença, foi considerado pelos arquitetos como sendo de grande significado.

Ao mesmo tempo em que as catedrais estavam sendo construídas, a heresia encontrava outra porta, desta feita assegurando-se de que sua men­sagem seria lembrada pela história, embora, como na Última Ceia, de Leo­nardo, as decodificações através das quais essas mensagens encontram ex­pressão sejam, com freqüência, marcadas pela pouca compreensão em relação ao que está realmente sendo dito. Essa outra tradição herética era a das len­das do Graal.
Hoje o termo 'Santo Graal' é freqüentemente utilizado com o significa­do de uma meta fugidia, o prêmio resplandecente que irá coroar o trabalho de toda uma vida. A maioria das pessoas percebe que isso está relacionado com algo mais antigo e religioso em sua natureza, e no geral com a taça em que Jesus bebeu na Última Ceia. Uma lenda conta que José de Arimatéia, o rico amigo de Jesus, nela coletou o sangue derramado na Crucificação, sangue em que foram encontradas propriedades curativas. A procura do Santo Graal é vista como uma busca repleta de perigos físicos e espirituais, em que aquele que procura tem que bater-se com as mais diversas espécies de inimigo, incluindo os do reino sobrenatural. Em todas as versões da história a taça é um objeto, literal e simbolicamente, da perfeição. Ela representa algo que per­tence a duas dimensões, a real e a mítica, e é capaz de cativar a imaginação como nenhuma outra coisa.
O Graal pode ser visto como um objeto misterioso, um tesouro verda­deiro que está em algum lugar de alguma caverna, mas que, entretanto, sem­pre carrega a idéia implícita de que simboliza algo inefável, muito além do mundo cotidiano. Essa aura de busca espiritual surgiu não só das lendas orig­inais do Graal, como também da cultura onde ela pela primeira vez apareceu.
Em nossa opinião, dentre as milhões de palavras que foram dedicadas a esse assunto no decorrer dos séculos, algumas das mais sábias podem ser encontradas no livro The Holy Grail de Malcolm Godwin, publicado em 1994. Esse livro é um sumário notável de todas as lendas e interpretações dispara­tadas, com a percepção de chegar diretamente ao cerne da matéria através da verbosidade dos estilos. Colocando de lado as habituais visões cristãs e celtas dos romances sobre o Graal dos séculos XII e XIII, Godwin também identifica uma outra visão igualmente importante, a alquímica. Ele revela que as versões mais antigas da história do Graal sem dúvida beberam nas fontes dos mitos celtas que permeiam os contos do grande herói Rei Artur e sua corte, e muitos dos elementos desses contos focalizavam os aspectos da veneração das divindades pelos celtas.As histórias do Graal redefinem as antigas lendas celtas e as estendem a fim de abarcar as idéias heréticas que estavam em voga no século XIII.
O primeiro dos romances sobre o Graal foi o inacabado Le Conte dei Graal (c.1190), de Chrétien de Troyes.A cidade de Troyes, de onde Chrétien tirou seu sobrenome, era um centro cabalístico e o local da preceptoria orig­inal dos templários, além de ser a cidade onde o Conde de Champagne esta­beleceu sua corte. (Na verdade, a maioria dos nove primeiros cavaleiros tem­plários eram vassalos deste.) A igreja mais famosa de Troyes é dedicada a Maria Madalena.
Na versão de Chrétien não há nenhuma menção de o Graal ser uma taça, nem há qualquer conexão explícita com a Última Ceia ou com Jesus Cristo. Na realidade, não há qualquer conotação religiosa, e já foi dito que sua ambientação original é claramente pagã. Aqui, no entanto, o Graal era uma bandeja ou prato, o que, como veremos, é algo bastante significativo. Na ver­dade, Chrétien se inspirou em um antigo conto celta no qual o herói Peredur, deveria, em sua busca, se deparar com uma procissão horripilante e aparentemente extremamente ritualística, em um castelo remoto. Sendo levada nessa procissão havia, entre outras coisas, uma lança que gotejava sangue e uma cabeça decapitada em uma bandeja. Uma característica co­mum nas histórias do Graal é aquele momento crítico em que o herói falha ao tentar formular uma pergunta importante, e é esse pecado de omissão que o coloca em grande perigo. Como diz Malcolm Godwin: 'Aqui, a pergunta que não é feita está relacionada com a natureza da cabeça. Se Peredur tivesse perguntado de quem era a cabeça, e que relação tinha com ele, ficaria saben­do como quebrar os encantamentos da Terra Devastada'. (A terra havia sido amaldiçoada e tornara-se infértil.)
Mesmo não tendo um fim, a história de Chrétien era de uma fuga bem­ sucedida que deu origem a uma série enorme de imitações, a maioria de caráter explicitamente cristão. Mas, como diz Malcolm Godwin, falando dos monges que lhe escreveram:

Eles manobraram a fim de esconder uma obra de profunda heresia dentro desse mistério piedoso, de modo que tanto a lenda quanto o autor sobreviveram ao zelo ígneo dos padres da Igreja. As mentes ortodoxas da Roma papal, embora nunca tivessem reconhecido, de fato, a existência do Graal, surpreendentemente se acovardavam em denunciar tal heresia... E é mais curioso ainda que a lenda sobrevivesse intacta ante a queda dos cátaros heréticos... e até mesmo a dos Cavaleiros Templários,que estavam claramente caracterizados em vários textos.

Uma dessas versões cristianizadas era Perlesvaus, que foi, segundo alguns, escrito por um monge na Abadia de Glastonbury, em 1205, enquanto que para outros essa é uma obra de um templário anônimo.Esse conto, na verdade, fala sobre duas buscas que estão entrelaçadas. O Cavaleiro Gawain procura a espada que decapitou João Batista, a qual magicamente sangra diariamente ao meio-dia. Em um episódio o herói encontra uma car­roça que continha 150 cabeças decapitadas de cavaleiros: algumas estavam marcadas com ouro, algumas com prata e outras com chumbo. E há tam­bém uma estranha donzela que carrega em uma das mãos a cabeça de um rei, marcada com prata, e na outra a de uma rainha, selada com chumbo.
Em Perlesvaus os servos de elite do Graal usavam artigos de vestuário brancos com seu brasão gravado, uma cruz vermelha, exatamente como os templários.Também há uma cruz vermelha que estava em uma floresta, e que se tornou um grande tormento para um dos padres, pois esse bateu nela 'em todas as partes' com uma vara, um episódio que tem uma clara con­exão com a acusação de que os templários haviam batido e pisoteado na cruz. E, mais uma vez, há uma cena curiosa que envolve cabeças decapitadas. Um dos guardiães do Graal diz ao herói, Percival, 'Existem as cabeças marca­das em prata, cabeças marcadas em chumbo, e os corpos a quem essas ca­beças pertencem: eu digo o que você tem que fazer, vá lá e pegue as cabeças do Rei e da Rainha'.
O simbolismo alquímico é pródigo: metais preciosos e comuns, reis e rainhas.Tal imaginário também é encontrado em abundância em outra grande obra reescrita sobre a lenda do Graal, como ainda veremos.
Apesar da tácita aversão da Igreja para com o Graal, a versão mais cristianizada foi escrita por uma equipe de monges cistercienses. Denominada Queste del san Graal, é notável pelo fato de utilizar-se do Cântico dos Cânti­cos para compor seu poderoso simbolismo místico.
De todas as bastante estranhas histórias do Graal a mais estranha e mais provocante de todas foi Parzival, do poeta bávaro Wolfram van Eschen­bach (1220). Nela o autor declara estar deliberadamente corrigindo a versão de Chrétien de Troyes, que não contém toda a informação disponível. Ele afirma que sua história é a mais precisa porque ele conseguiu a verdadeira história com um Kyot, da Provença, que foi identificado como Guiot de Provins, um monge que tanto falava pelos templários como cantava como um trova­dor. Como Wolfram escreve em Parzival: 'O conto autêntico com a con­clusão para o romance foi enviado da Provença para as terras alemãs.
Mas qual era essa conclusão? Em Parzival o Castelo do Graal é um lugar secreto, vigiado pelos templários - que Wolfram chama de os 'homens batizados', o que é bastante significativo -, que são enviados para espalhar sua fé em segredo. O sigilo absoluto e a aversão da Companhia do Graal em ser interrogada são pontos bastante realçados.
No final da história Repanse de Schoye (a portadora do Graal) e o meio-irmão de Parzival, Fierefiz, partem para a Índia e têm um filho chama­do João, o famoso Prester João, que é o primeiro de uma linhagem que sempre recebe o nome de João... Seria essa uma referência codificada ao Monastério de Sion, cujos Grão-Mestres, supostamente, recebem esse mesmo nome?
O conceito de linhagem é fundamental para as teorias relativas ao Graal de Baigent, Leigh e Lincoln. Como o título do primeiro livro deixa claro, para eles o 'Santo Graal' era de fato o 'Santo Sangue'. Isso se baseia na idéia de que o original francês sangraal, que é comumente entendido como san graal (Santo Graal), deveria ter sua leitura corrigida para sang real, o sangue real, que para eles significa uma linhagem sangüínea hereditária. Baigent, Leigh e Lincoln conectam a ênfase dada à linhagem nas lendas do Graal com o que eles acreditam ser o grande segredo relacionado a Jesus e a Madalena, que teriam sido marido e mulher, e propõe sua própria teoria: o Graal das lendas era uma referência simbólica aos descendentes de Jesus e Maria Madalena. De acordo com essa teoria, os guardiães do Graal eram aqueles que conhe­ciam essa linhagem sagrada secreta, como, por exemplo, os templários e o Monastério de Sion.
Entretanto, existe um problema com essa idéia: nas histórias do Graal a ênfase está na linhagem dos guardiães do Graal e na dos descobridores do Graal: o próprio Graal é o que os está separando. Embora fosse bem possível que as lendas se referissem à guarda de um segredo mantido por certas famílias, e que foi passado de geração para geração, parece improvável que eles real­mente estivessem aludindo a uma linhagem sangüínea. Afinal, quando a idéia passou a ser cogitada, ela veio à tona na forma de uma única palavra francesa sangraal, e, como já vimos, existem sérias dificuldades em uma hipótese que se alicerça na idéia de continuidade de uma 'linhagem sangüínea pura' at­ravés dos tempos.
A ligação entre as histórias do Graal e o legado dos templários parece ser verdadeira o suficiente. Wolfram von Eschenbach é crível por ter viajado bastante e por conhecer os centros templários do Oriente Médio, e por seu conto ser, de longe, o mais explicitamente templário de todos os romances sobre o Graal. Como diz Malcohn Godwin: 'Ao longo de Parzival Wolfram entremeia seu relato com discussões sobre a astrologia, a alquimia, a cabala e as novas idéias espirituais do Oriente. Ele inclui também um óbvio simbolis­mo que nos remete diretamente ao Tarô.
É nessa versão que os Guardiães do Graal no Castelo Montsalvasch são explicitamente chamados de templários. O castelo original foi identificado como sendo o de Montségur, a última das grandes fortalezas dos cátaros. A narrativa, em um outro poema de Wolfram, invoca o Senhor do Graal do Cas­telo de Perilla. O verdadeiro Senhor de Montségur à época do poeta era Ram­on de Perella. Mais uma vez encontramos uma ligação entre templários e cátaros, entre si e com um indefinido, porém extremamente valioso tesouro.
Não há qualquer taça dotada de poderes sobrenaturais na versão de Wolfram; aqui o Graal é uma pedra, lapsit exillis, que provavelmente significa a Pedra da Morte, embora isso seja mera especulação. Ninguém sabe real­mente. Outras explicações afirmam que a pedra era uma jóia que se soltou da coroa de Lúcifer quando este decaiu do céu para a terra, ou que é a famosa Pedra Filosofal (lapis elixir) dos alquimistas. Dentro do contexto, essa última interpretação é a mais provável: o texto todo é farto em simbolismo alquími­co.
Alguns escritores viram a personagem Cundrie, a 'mensageira do Graal' em Parzival, como sendo a representação de Maria Madalena. (Certamente Wagner assim o fez: em sua ópera Parsifal (1882), sua Kundry possui um frasco de 'bálsamo' e lava os pés do herói, e então, como se fosse Madalena, seca-os com os próprios cabelos.) Talvez haja alguma ressonância da taça do Graal na jarra de alabastro que Madalena carrega na tradicional iconografia cristã.
Em todas as histórias, porém, a busca do Graal é uma alegoria para uma viagem espiritual do herói em direção - e para além - da transformação pes­soal. E como já vimos, um dos principais motivos de toda alquimia séria era exatamente esse. Mas foi apenas esse subtexto alquímico que fez com que todas as lendas de Graal fossem 'heréticas'?
A Igreja, sem dúvida, sentia-se mortalmente ofendida pelo fato de as histórias do Graal ignorarem ou absterem-se de afirmar sua autoridade e a sucessão apostólica. O herói age por si só, embora ocasionalmente receba ajuda, em busca de esclarecimento espiritual e transformação. Assim, em essência, as lendas do Graal são textos gnósticos que enfatizam a responsabi­lidade do indivíduo para com o estágio de evolução de sua própria alma.
Porém, existem muito mais coisas capazes de ofender a sensibilidade da Igreja que estão implícitas em todas as histórias do Graal. Pois a busca do Graal é, inevitavelmente, apresentada como sendo reservada apenas para os iniciados do mais alto grau, a nata da elite, algo que está muito além até mes­mo da transcendência da missa. Além disso, em todas as histórias do Graal, o próprio objeto, qualquer que seja ele, é guardado por mulheres. Até mesmo na história celta de Peredur os jovens até podem portar uma lança, mas são as damas que levam o que podemos chamar de protótipo do Graal, a bandeja com a cabeça. Mas como poderiam as mulheres realizar um papel de autori­dade em algo que era efetivamente uma forma mais sublime de Missa? (Lem­bremos que os cátaros, cuja fortaleza de Montségur era quase com certeza o original para o Castelo do Graal de Wolfram, mantinham um sistema de igual­dade sexual, de forma que homens e mulheres poderiam ser chamados de 'padres' .)
No entanto, é a conexão com os templários que é mais difundida nas histórias do Graal. Como vários comentadores apontaram, a acusação de que os cavaleiros adoravam uma cabeça decapitada, que se acreditava ser a de Baphomet, tem ressonâncias com os romances de Graal nos quais, como já vimos, as cabeças decapitadas aparecem em toda parte. Os templários fo­ram acusados de atribuir a esse Baphomet poderes semelhantes aos do Graal: ele poderia fazer com que as árvores florescessem e a terra se tornasse fértil. Na verdade, os templários não só foram acusados de idolatrar essa cabeça, como também mantinham em seu poder um relicário de prata, na forma de um crânio feminino, no qual estava gravado simplesmente caput (cabeça).
Hugh Schonfield, ao considerar as implicações relacionadas a essa ca­beça feminina, juntamente com sua 'interpretação' da palavra Baphomet como significando Sopbia, escreve:

Parece haver pouca dúvida de que a bela cabeça feminina dos templários representasse Sophia em seu aspecto feminino, assim como também Ísis, e ela estava conectada com Maria Madalena na interpretação cristã.

As relíquias dos templários também têm a reputação de incluírem o (suposto) dedo indicador de João Batista. Isso pode ser bem mais significa­tivo do que parece à primeira vista. Como nós vimos no Capítulo I, Leonardo com freqüência retratou alguns personagens em cenas religiosas que delib­erada e ritualisticamente colocavam em riste seu dedo indicador, e esse ges­to parece estar conectado com João Batista. Por exemplo, vimos como um indivíduo que parecia estar venerando uma alfarrobeira em A Adoração dos Reis Magos estava fazendo esse gesto: tanto a árvore quanto o gesto estão relacionados a João. A relíquia que afirmam ter pertencido aos templários pode ter sido a razão material que fez com que Leonardo adotasse tal ima­gem.
(Jacobus de Voragine em seu livro Golden Legend narra uma tradição que diz que o dedo de João Batista, a única parte do cadáver sem cabeça que escapou da destruição ordenada pelo Imperador Juliano, foi trazido para a França por Santa Thecla, e então, talvez possa haver alguma razão para se acreditar que a relíquia dos templários e aquela da lenda sejam a mesma. E de Voragine também registra a lenda que conta que a cabeça do Batista foi enter­rada debaixo do Templo de Herodes, em Jerusalém, onde os templários escavaram.)
Os templários são constantemente vinculados ao Graal. A escritora via­jante britânica Nina Epton descreve, em seu livro The Valley of Pyrene (1955), como ela escalou até as ruínas do castelo de Montréal-de-Sos, dos templários, no Ariège, para ver os murais que retratam uma lança com três gotas de sangue e um cálice, uma imagem que foi, claramente, tomada diretamente das lendas do Graal.
Outra pintura estranha foi encontrada no castelo em Domme, onde muitos templários foram presos. Ean e Deike Begg descrevem uma estranha cena da Crucificação na qual José de Arimatéia (segurando uma cruz de Lorraine) é mostrado, à direita, colhendo gotas do sangue de Jesus. À esquer­da está uma mulher grávida e nua que segura uma vara ou um bastão.
Existem outras ligações ainda mais curiosas. Em St-Martin-du-Vésuvie, na Provença, que, como vimos, é um centro renomado de Madonas Negras e de locais associados aos templários, há uma lenda que incorpora elementos interessantes das histórias do Graal. Afirma-se que os templários foram todos decapitados durante sua supressão - algo que, dada a falta completa de verificação oficial, parece ser extremamente improvável - e que eles amal­diçoaram a terra com mangra. Os homens ficariam impotentes ou estéreis e a terra infértil. Qualquer que seja a verdade sobre esse assunto, é um fato históri­co que em 1560 o Duque Emmanuel Filibert de Savoy mandou exorcizar a terra, pois essa se encontrava em um estado lastimável. Na verdade, um dos cumes das redondezas ainda é conhecido como Maledia (que pode ser traduz­ido como 'doença'). Mas a parte mais significativa desse conto pesaroso é a que vincula a decapitação dos templários com a mangra espalhada na terra, dois dos principais elementos do cânone do Graal. Para os escritores de históri­as do Graal havia algo sobre as cabeças decapitadas, ou talvez a cabeça de­capitada, que havia trazido a destruição da terra, embora também pudesse representar uma dádiva àqueles a quem ela favorecesse.
As diferentes histórias do Graal e as várias correntes existentes podem parecer algo confusas, mas em seu monumental estudo sobre as lendas do Santo Graal, Tbe Hidden Church of the Holy Grail (1902), o grande erudito do ocultismo, A.E.Waite, destacou a presença de uma tradição secreta dentro do cristianismo, que estava por trás de todo o conceito das lendas. Waite foi um dos primeiros a reconhecer os elementos alquímicos, herméticos e gnós­ticos dessas histórias. Embora estivesse certo de que existem fortes indícios sobre a existência dessa 'igreja oculta' das lendas do Graal, ele não chega a qualquer conclusão realmente firme sobre sua natureza, mas dá uma posição proeminente àquilo que chamou de 'Tradição Joanina' . Ele se refere a uma idéia há muito defendida em círculos esotéricos de uma escola mística de cristianismo que fora fundada por João, o Evangelista, baseado nos ensina­mentos secretos que recebera de Jesus. Esse conhecimento enigmático não aparece no cristianismo externo, ou esotérico, que se desenvolveu através dos ensinamentos de Pedro. É bastante significativo que Waite achasse que essa tradição chegara à Europa através de Gaul, no sul de França, antes de ter sido filtrada pela recente Igreja Celta da Bretanha.
Apesar dos elementos celtas nas histórias do Graal, Waite entende que a influência joanina nelas presente origina-se no Oriente Médio, via templários. Astutamente, ele não afirma que essa é a única conexão possível, pois não há evidência conclusiva para isso, mas acredita que essa é a mais plausível. Porém, ele tem certeza de que os romances do Graal baseavam-se em algum tipo de 'igreja oculta' que estava ligada aos templários.
A ênfase de Waite em uma 'tradição joanina' era um tanto tantalizante; ele não elaborou o suficiente tal assunto, e suas fontes permanecem miste­riosas. Mas parece que isso poderia propiciar uma potencialmente explosiva ligação entre as histórias do Graal e um determinado São João que, como veremos no próximo capítulo, daria sentido a grande parte da aparente confusão que envolve esse assunto.
As histórias do Graal também são uma outra manifestação das idéias nascidas no submundo, que estavam circulando na França medieval sob os auspícios dos templários, como o culto das Madonas Negras.A conexão entre os dois é impressionante. Ambos baseiam-se em antigos temas pagãos: as histórias do Graal em mitos celtas e o culto das Madonas Negras em santuá­rios dedicados a deusas pagãs.Ambos floresceram nos séculos XII e XIII devido ao contato, através dos templários, com a Terra Santa.
Os templários eram um repositório do conhecimento de diversas fon­tes esotéricas, incluindo a alquimia e a sexualidade sagrada. A conexão entre as Madonas Negras, templários e alquimia é assunto de um estudo do histori­ador francês Jacques Huynen, chamado L'enigme des Vierges Noires (O Enig­ma das Virgens Negras, 1972.) E a 'ponte' entre suas idéias exóticas e esotéri­cas e o mundo cristão de sua época estava personificado na imagem de uma mulher: Maria Madalena.
Tudo isso aconteceu há muito tempo atrás. Os cátaros já há muito se foram, e a Ordem dos Templários se foi logo depois. Mas estará esse conhecimento secreto, essa consciência mística e alquímica do Feminino, tam­bém enterrada debaixo do pó de todos esses séculos?
Talvez não. Talvez isso tenha se tornado o mais excitante, e o mais per­igoso, segredo mantido vivo no submundo da Europa atual.