Krak dos Cavaleiros

terça-feira, 31 de maio de 2011

O Código Secreto de Leonardo da Vinci




Durante séculos ela tem sido uma das obras de arte mais famosas do mundo. A Última Ceia de Leonardo da Vinci é o único fragmento restante da igreja de Santa Maria delle Gra­zie, nos arredores de Milão. A parede em que está pintada foi a única que permaneceu de pé após o bombardeio aliado na II Guerra Mundial ter transformado em ruínas a antiga construção. Embora outros artistas admiráveis como Ghirlandaio e Nicolas Poussin e até mesmo o idiossincrático pintor Salvador Dali tenham apresentado ao mundo suas visões dessa cena bíblica repleta de significados, é a obra de Leonardo que, por alguma razão, parece ter sido capaz de capturar a imaginação da maioria de nós. É possível encontrar, em qualquer lugar do planeta, as mais diferentes versões da Última Ceia de Leonardo, com todos os matizes possíveis de gosto, do sublime ao ridículo.
Algumas imagens são tão familiares para nós que nunca as examinamos com uma atenção verdadeira, e embora estejam ali, à nossa frente, totalmente expostas ao olhar do observador, convidando-nos para um exame mais cuidadoso até que finalmente as capturemos em um nível mais profundo e significado, continuam, na verdade, a ser como as páginas de um livro fechado. Assim é com a Última Ceia de Leonardo e, inacreditavelmente, com quase todas as suas obras.
Foi a obra de Leonardo (1452-1519), o atormentado gênio italiano do período renascentista, que nos colocou na trilha que nos levaria a revelações tão inacreditáveis em relação às suas conclusões que, à primeira vista, nos pareciam ser total e completamente improváveis: não parecia ser plausível que várias gerações de pesquisadores simplesmente não tivessem observado aquilo que havia tomado de assalto nossa espantada atenção, e nos parecia implausível que tal informação explosiva esperasse, calmamente, todo esse tempo para ser descoberta por escritores que, como nós, não fazem parte dos grupos oficiais de pesquisa histórica e religiosa.
Assim, para dar um início mais apropriado à nossa história, temos que retomar à Última Ceia de Leonardo e olhá-la com outros olhos. Porém, não iremos observá-la com olhos pertencentes a um contexto de pressupostos histórico-artísticos familiares. Dessa vez o nosso olhar sobre a obra de arte mais conhecida do mundo será a de um recém-iniciado, um olhar de quem a vê pela primeira vez. E como recém-iniciados na obra, esperamos que toda a gama de conceitos pré-concebidos sejam varridos de nossos olhos e então, pela primeira vez talvez, consigamos realmente enxergá-la.
A figura central, é claro, é a de Jesus, a quem Leonardo, nas suas anotações relativas à obra, se referiu como 'o Redentor'. (Ainda assim, o leitor é avisado a não se deixar levar por nenhum pressuposto óbvio.) Jesus olha contemplativamente para baixo, levemente para sua esquerda, as mãos abertas, estendidas sobre a mesa, como que oferecendo um presente ao observador. Essa é a Última Ceia, na qual, segundo nos diz o Novo Testamento, Jesus deu início ao sacramento do pão e do vinho, incitando seus apóstolos a compartilhá-los como sendo sua própria "carne" e "sangue". Poder-se-ia, com razão, esperar que um cálice de vinho fosse colocado diante dele, complementando tal ritual. Afinal, para os cristãos, essa ceia se passou no jardim de Gethsemane, imediatamente antes da Paixão - quando Cristo, pediu com fervor: "Pai, se é de teu agrado, afasta de mim este cálice", (uma outra alusão ao simbolismo do vinho/sangue) - e da morte pela crucificação, quando seu sangue sagrado foi derramado em nome de toda a humanidade. Não há, porém, vinho algum diante de Jesus (e em toda a mesa há apenas alguns copos com uma quantidade mínima). Será possível que essas mãos estendidas estejam realizando, essencialmente, como observaria um artista, um gesto sem qualquer significado?
Em face da ausência de vinho, talvez não seja também um mero acaso que de todos os pães presentes na mesa apenas alguns estejam partidos. Será essa uma mensagem sutil relacionada à verdadeira natureza do sofrimento de Jesus, já que este, ao identificar o pão com seu próprio corpo, partiu-o, dan­do-o como representação de seu supremo sacrifício?
Isso, contudo, é apenas a ponta do iceberg de toda a heterodoxia que está presente nessa obra. Na Bíblia, o jovem São João, conhecido como "o Amado", é quem estava, nessa ocasião, tão próximo fisicamente a Jesus a ponto de parecerem estar "colados um ao outro". Todavia a figura desse jovem, na obra de Leonardo, não está assim tão inclinada em direção a Jesus, como teria exig­ido, digamos, uma "direção de palco" bíblica. Muito ao contrário, João é retrata­do afastando-se exageradamente do Redentor, com a cabeça, de um modo um tanto afetado, pendendo para a direita. E isso não é tudo o que pode ser dito a respeito desse personagem e, portanto, devemos perdoar os recém-iniciados na obra ao vermos que podem ser tomados por pensamentos cheios de dúvida em relação ao assim chamado São João. Seria razoável, durante um certo tem­po, pensar que as predileções particulares do artista tenderiam a fazê-lo repre­sentar o supra-sumo da beleza masculina de um modo um tanto efeminado, porém, com certeza, o que nós vemos é uma mulher. Tudo o que se relaciona a "ele" é chocantemente feminino. Ainda que o afresco seja muito antigo e bastante castigado pelo tempo, qualquer pessoa é capaz de notar as mãos finas e graciosas, a figura bela e élfica, o colo distintamente feminino e a gargantilha dourada colocada em seu pescoço. Essa mulher, porque é disso que se trata, além de tudo veste-se com trajes que a diferenciam, tornando-a alguém espe­cial. Seu traje é a imagem espelhada do traje do Redentor: enquanto um veste uma túnica azul e uma capa vermelha, o outro veste uma túnica vermelha e uma capa azul do mesmo estilo. Nenhum outro, na mesa, veste roupas que sejam como a imagem espelhada das roupas de Jesus. Nenhum outro na mesa é, porém, uma mulher.
No centro de toda a composição está uma forma construída em conjunto pelas figuras de Jesus e dessa mulher, um grande e exagerado "M", quase como se eles estivessem literalmente grudados pelos quadris, mas, de repente, saíssem de alinhamento ou então fossem apartados. Não é de nosso conhecimento que qualquer pesquisador tenha se referido a essa figura feminina de outra forma que não fosse como São João. O "M" formado pelas duas figuras também passou desapercebido pelos pesquisadores. Leonardo era, conforme descobrimos em nossas pesquisas, um excelente psicólogo que se divertia presenteando, aos que lhe haviam feito uma encomenda de obras religiosas comuns, com imagens extremamente heterodoxas, consciente de que as pes­soas olhariam com serenidade para a óbvia heresia porque, como de cos­tume, elas só vêem aquilo que querem. Se lhe pedissem para fazer um quadro de uma cena cristã conhecida e você apresentasse algo que tivesse uma seme­lhança apenas superficial com a cena pedida, ninguém jamais questionaria seu simbolismo. Leonardo, contudo, deve ter tido esperanças de que talvez outras pessoas que também compartilhassem sua interpretação incomum da mensagem do Novo Testamento perceberiam o que ele fizera em sua versão, ou que alguém, em algum lugar, um observador que fosse objetivo, um dia repararia na imagem dessa mulher misteriosa ligada à letra "M" e começasse a fazer perguntas óbvias. Quem era "M", e por que era tão importante? Por que Leonardo arriscaria sua reputação, para não dizer sua própria vida, naqueles dias de fogueiras flamejantes, para incluí-la nessa cena tão crucial ao cristianismo?
Quem quer que seja ela, seu próprio destino também não parece estar muito a salvo, pois uma mão se atravessa, de um modo que parece ameaçador, à frente de seu gracioso pescoço inclinado. O Redentor também é amea­çado por um dedo em riste que aponta, com clara veemência, diretamente para seu rosto. Tanto Jesus quanto "M" parecem estar completamente alheios a essas ameaças, perdidos no redemoinho de seus próprios pensamentos, serenos e tranqüilos. Entretanto, é como se fossem utilizados símbolos secre­tos, não apenas para avisar Jesus e sua companheira de que seus destinos se separaram, como também para dar (ou talvez lembrar) ao observador alguma informação que, se fosse de outro modo, haveria perigo em expor. Estaria Leonardo utilizando sua obra para encobrir alguma crença particular, a qual seria uma insensatez compartilhar com uma audiência maior e de um modo mais óbvio? E poderia ser que essa crença fosse uma mensagem a ser comuni­cada aos que não pertencessem a seu círculo social imediato, talvez mesmo uma mensagem para os de nossa época?
Olhemos com mais profundidade para essa obra surpreendente. No afresco, um homem de barba postado à direita do observador se inclina, quase até se dobrar, para falar ao último discípulo na mesa. Ao fazer isso ele dá totalmente as costas ao Redentor. Esse discípulo é São Judas Tadeu, cuja figu­ra é tida como sendo a do próprio Leonardo. Nada do que retratavam os pintores renascentistas era desprovido de significado ou simplesmente incluído por uma questão de beleza, e essa obra em particular, um modelo da época e da profissão, era reconhecida pelo rigor na apresentação de um visível duplo sentido (a preocupação de Leonardo em utilizar o modelo certo para cada discípulo pode ser percebida em sua maldosa insinuação de que o irri­tado Bispo do Monastério de Santa Maria pousou para a caracterização de Judas!). Então, por que Leonardo pintou a si mesmo olhando tão claramente para o lado contrário àquele em que estava Jesus?
Ainda há mais. Uma mão estranha aponta um punhal para o ventre de um discípulo que está ao lado de "M". Por mais imaginação que tenhamos, essa mão não pode pertencer a qualquer pessoa que esteja sentada à mesa, simplesmente porque é fisicamente impossível que estes conseguissem contorcer a própria mão de modo a poder segurar o punhal naquela posição. Entretanto, o que é realmente espantoso sobre a mão desacompanhada de um corpo, não é tanto a sua existência, mas o fato de que, em tudo o que lemos sobre Leonardo, tenhamos descoberto apenas algumas poucas referências a ela, o que demonstra uma curiosa relutância em perceber qualquer coisa que possa haver de anormal. Tanto quanto o fato de São João ser na verdade uma mulher, uma vez que esta mão seja devidamente mostrada nenhum fato poderia tornar-se mais óbvio, nem mais bizarro, embora possa perfeitamente passar despercebida aos olhos e à compreensão do observa­dor, simplesmente por ser algo tão absurdo e ultrajante.
Muitas vezes ouvimos dizer que Leonardo era conhecido como um cristão piedoso cujas obras sobre motivos religiosos refletiam a profundi­dade de sua fé. Até onde pudemos perceber, pelo menos uma de suas obras carrega em si um imaginário extremamente dúbio em relação à ortodoxia cristã, e nossas pesquisas posteriores, como veremos, revelam que nada po­deria estar mais longe da verdade do que a idéia de que Leonardo era real­mente um crente, isto é, de um modo que fosse aceitável para o pensamen­to cristão. Os aspectos anormais e curiosos presentes em apenas uma de suas obras já parecem indicar que ele estava tentando nos falar sobre um outro nível de significado relacionado àquela cena bíblica familiar, de um outro mundo de crenças que estava além dos contornos aceitáveis para uma imagem congelada em um mural dos arredores da cidade de Milão do século XV.
O que quer que signifiquem essas inclusões heterodoxas, elas estavam, nunca é demais reafirmar, em total desacordo com a ortodoxia cristã. Para os racionalistas/materialistas de hoje em dia nada disso tem qualquer significa­do, pois, para estes, Leonardo foi o primeiro cientista verdadeiro e, portanto, era um homem que não tinha tempo para superstições ou religião de qualquer espécie, sendo a verdadeira antítese de um místico ou ocultista. Eles também não são capazes de enxergar o que é, de um modo tão claro, oferecido a seus olhos. Pintar a Última Ceia sem numerosas evidências de vinho é como pin­tar o exato momento de uma coroação sem mostrar a coroa: ou se deixa totalmente de retratar o tema em questão ou se retrata um outro comple­tamente diferente, a ponto de marcar o pintor como um herege consumado, alguém que possui crenças religiosas mas que está em rixa ou mesmo em guerra contra a ortodoxia cristã. Descobrimos que as outras obras de Leonar­do também trazem suas obsessões heréticas específicas, por meio de um imaginário consistente e cuidadosamente aplicado, algo que não acontece­ria se o artista fosse apenas um ateu preocupado em ganhar a vida. Esses símbolos e inclusões impertinentes são também bem mais, muito mais do que uma resposta céptica e satírica ao que lhe fora encomendado. Não é, por exemplo, a mesma coisa que colocar um nariz de palhaço em São Pedro. O que estamos olhando na Última Ceia e em outras obras é o código secreto de Leonardo da Vinci, que acreditamos ser algo de fundamental importância para nosso mundo atual.
Pode-se argumentar que o que quer que Leonardo acreditasse ou não, sua simbologia herética era apenas um sinal de fraqueza de um homem notoriamente excêntrico, cuja história é um paradoxo interminável. Ele pode ter sido um solitário, mas era também a alma e a vida de seu grupo; desprezava os cartomantes e adivinhos, mas sua contabilidade registra pagamentos realizados a astrólogos; era vegetariano e protetor dos animais, mas sua ter­nura raramente se estendia à raça humana; dissecou corpos obsessivamente, e acompanhava execuções com os olhos de um anatomista; era tanto um pensador profundo quanto um mestre em enigmas; arquitetava truques, ar­timanhas e trapaças. De uma figura assim tão complexa, talvez fosse de se esperar que tivesse uma visão pessoal religiosa e filosófica um tanto inco­mum, quem sabe mesmo peculiar. Essa seria uma razão, quando isolada do quadro geral, para se desconsiderar as crenças heréticas de Leonardo como sendo algo sem relevância para os dias de hoje. Embora Leonardo seja mun­dialmente reconhecido como alguém de imenso talento, nossa tendência, repleta de um 'modernismo' irritante e arrogante, é a de subestimar suas descobertas. Afinal, na época em que ele estava no auge de suas atividades, até mesmo o processo de impressão era uma novidade. O que um inventor solitário, de um período tão remoto e primitivo, seria capaz de oferecer a um mundo inundado de informações via Internet e que pode, em questão de segundos, comunicar-se através de telefone ou fax com pessoas em con­tinentes que nem sequer haviam sido descobertos no século XV?
Há duas respostas para essa questão. A primeira é a de que Leonardo não era, fazendo uso de um paradoxo, um gênio de segunda categoria. Embo­ra as pessoas saibam que ele projetou máquinas voadoras e primitivos tanques de guerra, algumas de suas invenções eram tão incomuns para sua época que alguns tipos mais extravagantes chegaram realmente a sugerir a possibilidade de Leonardo ter tido visões do futuro. Seus projetos de bicicleta, por exemplo, tornaram-se conhecidos apenas na década de 60. Ao contrário do árduo e moroso processo de desenvolvimento, baseado em tentativa-e-erro, das primeiras bicicletas construídas na época vitoriana, a bicicleta de da Vinci já nasceu moderna, com duas rodas de mesmo tamanho e um meca­nismo de engrenagens e corrente. Ainda mais fascinante do que o próprio projeto seria descobrir a razão que o teria levado a inventar a bicicleta. O homem sempre quis voar como os pássaros, mas um desejo incontrolável de pedalar sobre vias muito pouco adequadas, equilibrando-se precariamente sobre duas rodas, é algo inimaginável (e, ao contrário do ato de voar, este é um desejo que não faz parte de nenhum conto clássico). Leonardo também previu o telefone, entre muitas outras coisas merecedoras de fama. Se Leo­nardo era muito mais do que o gênio que nos é revelado pelos livros, fica pendente a questão de se saber qual seria o conhecimento que ele poderia ter em mãos capaz de ser impingido, de forma significativa e difundida, ao mundo atual, cinco séculos depois de sua morte. Embora se possa argumen­tar que os ensinamentos de um rabino do primeiro século sejam ainda mais irrelevantes para nossa época, também é verdade que algumas idéias são uni­versais e eternas e que a verdade, se puder ser encontrada ou definida, nunca será corroída em sua essência pela passagem dos séculos.
Não foi, entretanto, a filosofia de Leonardo (seja pública ou oculta) ou suas invenções que nos atraíram em sua direção. Foi sua obra mais paradoxal, pois é, ao mesmo tempo, a mais famosa e a menos conhecida, que nos levou a uma intensa pesquisa sobre ele. Como já discorremos em detalhes em nossa obra anterior, encontramos provas de que foi o Mestre quem falsificou o Sudário de Turim, que há muito acreditava-se ter sido miraculosamente im­presso com a imagem de Jesus Cristo na ocasião de sua morte. Em 1988, um teste de carbono-14 provou a todos, menos para um punhado de crentes desesperados, que o Sudário na realidade é um artefato do final da época medieval ou início do Renascimento. Para nós, entretanto, ele continua a ser uma peça verdadeiramente admirável, para dizer o mínimo. Nosso maior in­teresse, o que nos enchia de curiosidade, era descobrir a identidade do embusteiro, pois quem quer que fosse capaz de criar tal "relíquia" deveria ser um gênio.
O Sudário de Turim comporta-se como uma fotografia, como é reco­nhecido em todas as referências, tanto nas que são favoráveis como nas que são contrárias à sua autenticidade. Ele apresenta um curioso "efeito de negativo", o que significa que se parece a olhos nus com uma tênue mancha chamuscada, mas que pode ser vista em detalhes em um negativo fotográfico.
Já que nenhuma tinta conhecida ou processo de xilogravura se comporta dessa maneira, o efeito de negativo foi tomado pelos "sudaristas" (aqueles que acreditam na autenticidade do Sudário de Jesus) como sendo a prova das qualidades miraculosas da imagem. Entretanto, nós percebemos que a ima­gem gravada no Sudário de Turim se comporta como uma fotografia porque ela é precisamente isso.
O Sudário de Turim é uma fotografia. Isso dito assim de chofre é um pensamento um tanto perturbador. Com a ajuda de Keith Prince, reconstruímos o que acreditamos ser a técnica que foi originalmente utilizada e, ao fazermos isso, nos tornamos as primeiras pessoas a reproduzir todas as características até então inexplicáveis do Sudário de Turim. E, apesar dos sudaristas recla­marem que isso era impossível, nós o fizemos utilizando equipamentos bastante simples, como uma câmara escura, um pedaço de tecido recoberto quimica­mente, tratado com materiais facilmente disponíveis no século XV, e muita luz. Usamos, entretanto, como objeto de nossa experiência fotográfica, um busto de gesso de uma garota comum, o que está, infelizmente, a anos-luz, em im­portância, do objeto utilizado originalmente. Pois o rosto do Sudário não é, como sempre se pensou, o de Jesus. Na verdade é o rosto do próprio mistificador. Em suma, estamos convencidos de que o Sudário de Turim é, entre ou­tras coisas, uma fotografia com quinhentos anos de idade de ninguém mais, ninguém menos do que o próprio Leonardo da Vinci.
Apesar de algumas curiosas afirmações dizerem o contrário, essa obra não pode ter sido realizada por um cristão piedoso. O Sudário de Turim, visto como o negativo de uma fotografia, aparentemente mostra o corpo de Jesus, sangrando e repleto de fraturas. Deve ser lembrado que esse não é um sangue comum, pois para os cristãos ele não é apenas literalmente divino: é também o veículo através do qual o mundo pode ser redimido. A nosso ver, ninguém poderia simplesmente falsificar aquele sangue e ser considerado um crente, nem poderia ser alguém que tivesse um pingo de respeito pela pessoa de Jesus ao substituir a imagem de Cristo pela sua própria. Leonardo fez as duas coisas, com um cuidado meticuloso e até mesmo, suspeitamos, com um certo prazer. Pois com certeza ele sabia que o Sudário, ao carregar em si mesmo a suposta imagem de Jesus, já que ninguém sequer suspeitaria que essa era na verdade a do próprio artista de Florença, seria venerado por um número infindável de peregrinos, já mesmo no período em que o artista ainda estava vivo. Daquilo que descobrimos sobre ele e sobre seu caráter, podemos imaginar, com alguma certeza, que ele se esgueirava dentre as sombras e observava as pessoas venerando o Sudário. Mas teria ele previsto a massa de peregrinos que passaria em frente de sua imagem ao longo dos séculos? Teria ele imagi­nado que algum dia muitas pessoas inteligentes se converteriam ao catolicis­mo simplesmente ao olhar para aquela face bela e torturada? E teria ele previsto que o mundo ocidental construiria a figura de Jesus baseando-se quase que totalmente na imagem gravada no Sudário de Turim? Teria ele percebido que um dia milhões de pessoas de todo o mundo estariam venerando a ima­gem de um homossexual herético do século XV no lugar do seu Santo adora­do, que Leonardo da Vinci se tornaria literalmente a imagem de Jesus Cristo?
O Sudário é provavelmente a mais bem-sucedida e audaciosa trapaça jamais realizada. E embora tenha enganado milhões de pessoas, ela é muito mais do que uma celebração à habilidade de concretizar uma mistificação de mau gosto. Acreditamos que Leonardo se utilizou da oportunidade para criar a relíquia cristã definitiva como um veículo para duas coisas: uma técnica inovadora e uma crença herética oculta. A técnica fotográfica primitiva era, como nos contam os acontecimentos históricos, perigosa demais para ser demonstrada publicamente naquela época cheia de superstição e paranóia. Não há dúvida de que, para seu próprio deleite, Leonardo arranjaria um meio de fazer com que seu protótipo ficasse aos cuidados dos mesmos bispos que ele tanto desprezava. É claro que a ironia implícita nessa proteção por parte do bispado talvez seja apenas pura coincidência, apenas mais uma brincadei­ra do destino introduzida nesta história, já por si só inacreditável. Para nós, porém, isso demonstra a obsessão de Leonardo em ter total controle sobre tudo, controle que, como se vê, ultrapassou em muito sua própria morte.
O Sudário de Turim, falsificação e obra de um gênio, também traz em si certos símbolos que salientam as obsessões particulares de Leonardo que, no geral, também podem ser vistas e melhor compreendidas em outras obras suas. Por exemplo, podemos ver na base do pescoço da figura do Sudário uma linha demarcada bastante nítida. Quando a imagem como um todo é transformada em um "mapa de contorno", utilizando-se as técnicas computa­dorizadas mais sofisticadas, podemos ver que essa linha marca a parte final da imagem da cabeça; a partir daí existe como que um oceano de inima­ginável escuridão até a imagem começar novamente no início do tórax. Acred­itamos que existam duas razões para isso. Uma delas é de ordem puramente prática, pois a imagem frontal é um composto, o corpo sendo de alguém realmente crucificado e o rosto sendo do próprio Leonardo e, portanto, a linha é um indicativo da necessária "junção" entre as partes. Entretanto, esse mistificador não era de modo algum um artesão de segunda classe, e poderia com relativa facilidade obscurecer ou remendar aquele sinal revelador. Mas e se Leonardo não quisesse realmente se livrar dessa linha reveladora? E se ele a tivesse deixado de propósito como uma pista para aqueles que "tem olhos que vêem"?
Qual é o volume possível de material herético, mesmo em código, que o Sudário de Turim pode transportar em si mesmo? Há com certeza um limite para os símbolos que alguém pode esconder em uma imagem simples e estática de um homem crucificado e nu, uma imagem que, além disso, foi analisada por muitos cientistas eminentes dotados de equipamentos de última geração. Voltaremos a esses assuntos mais tarde, mas façamos por agora uma mera indicação de que essas questões podem ser respondidas ao olharmos novamente para os dois aspectos principais da imagem. O primeiro se relaciona com a abundância de sangue que parece estar ainda escorrendo dos braços de Jesus e que, à primeira vista, contradiz a simbólica falta de vinho na mesa da Última Ceia, mas que de fato reforça esse ponto em particular. O segundo aspecto se refere à óbvia linha demarcatória entre o corpo e a cabeça, como se Leonardo estivesse chamando nossa atenção para a deca­pitação...Até onde sabemos, Jesus não foi decapitado, e se a imagem é uma composição, estamos então sendo levados a fazer suposições sobre uma ima­gem composta de duas pessoas que, contudo, nunca estiveram tão juntas antes. Mas, mesmo assim, por que alguém que foi decapitado teria sido 'co­lado' à imagem de alguém que foi crucificado?              .
Como ainda veremos, essa pista da cabeça decapitada do Sudário de Turim é apenas um reforço no simbolismo presente em muitas outras obras de Leonardo. Percebemos o quanto a estranha mulher, "M", da Última Ceia, está aparentemente sendo ameaçada por uma mão que atravessa seu pes­coço delicado, assim como Jesus também está sendo ameaçado por um dedo em riste que aponta diretamente para seu rosto, como se estivessem dando um aviso ou talvez uma advertência ou, quem sabe, ambos. Nas obras de Leonardo esse dedo em riste sempre aparece, em todos os casos, como uma referência direta à figura de João Batista.
Esse santo, dito predecessor de Jesus, que proclamou ao mundo "con­templai o Cordeiro de Deus", cujas sandálias ele não era merecedor sequer de tocar, foi de suprema importância para Leonardo, se julgarmos apenas pela onipresença deste em suas obras. Essa obsessão é bastante estranha para quem é considerado por racionalistas contemporâneos como alguém sem tempo para perder com religião. Um homem para quem todas as características e tradições do cristianismo nada significassem, dificilmente devotaria tanta energia e tanto tempo a um santo em particular, como ele fez com João Batista. De tempos em tempos é esse João quem domina a vida de Leonardo, tanto no nível consciente, que está representado em suas obras, como em termos de sincronicidade relacionada com as coincidências que o envolvi­am. É quase como se João Batista o perseguisse. Por exemplo, a sua amada cidade de Florença é dedicada ao santo, bem como a catedral de Turim, onde o falso Sudário de Leonardo está exposto. Sua última obra, que, junto com Mona Lisa, ficou exposta, sem ser reivindicada por quem quer que fosse, no aposento onde passou suas últimas horas de vida, era um quadro de João Batista; e o único fragmento de uma escultura sua (realizada em conjunto com Giovan Francesco Rustici, um conhecido ocultista) também retratava João Batista. Ela agora está colocada no alto da entrada do batistério de Florença, bem em cima da cabeça dos turistas e, infelizmente, servindo de alvo para um bando de pombos irreverentes.
Aquele dedo em riste, que chamamos de o 'sinal de João', foi retra­tado em Escola de Atenas, de Rafael (1509). Nele vemos o venerável Platão fazendo esse sinal, mas nessas circunstâncias não chega a ser propriamente uma insinuação misteriosa, como alguém poderia suspeitar. De fato, o mo­delo para Platão foi ninguém mais, ninguém menos que o próprio Leonardo, obviamente fazendo um gestual que não era apenas uma característica sua em particular, mas que também tinha um significado profundo para ele (bem como, provavelmente, para Rafael e outros do mesmo círculo).
No caso de pensarem que talvez estejamos dando excessiva importância a isso que denominamos o 'sinal de João', vamos verificar outros exemplos em que ele aparece em outras obras de Leonardo.
Aparece em muitas de suas pinturas, como já dissemos, sempre com o mesmo significado. No seu inacabado Adoração dos Reis Magos (que fora ini­ciado em 1481) um espectador anônimo faz o mesmo gesto bem próximo de um monte de terra ao lado do qual cresce uma alfarrobeira. Muitos observa­dores provavelmente nem notariam tal coisa, pois seus olhos seriam inevi­tavelmente atraídos para o que pensariam ser o ponto central da pintura, conforme sugere o título da obra, a adoração da Sagrada Família pelos "homens sábios" ou Reis Magos. A bela e sonhadora Virgem, com o menino Jesus em seu colo, é retratada como uma personagem insípida e pálida. Ajoelhados, os Reis Magos mostram-lhe os presentes que trouxeram para a criança, enquanto ao fundo uma multidão os cerca, aparentemente também em atitude de devoção para com a mãe e a criança. Como na Última Ceia, porém, esta é uma pintura cristã apenas na superfície e merece um olhar mais atento.
Os devotos no primeiro plano dificilmente poderiam ser chamados de exemplos de saúde e beleza. Esqueléticos, quase a ponto de parecerem defuntos, suas mãos estendidas, menos em atitude de admiração e mais como se eles es­tivessem querendo se agarrar à Virgem e ao menino, evocam um clima de pe­sadelo. Os Reis Magos mostram seus presentes, mas apenas dois dos três da lenda estão retratados. Incenso e mirra estão sendo oferecidos, mas não ouro. Para os da época de Leonardo, o ouro significava não somente imediata riqueza mas também um símbolo de realeza - e isso está sendo negado a Jesus.
Atrás da Virgem e dos Reis Magos parece haver um segundo grupo de devotos. Esses são muito mais saudáveis e têm um aparência normal, mas se alguém seguir a linha de direção de seus olhares verá que não estão olhando nem para a Virgem e nem para a criança; ao invés disso, parecem estar reverenciando as raízes da alfarrobeira, na qual uma pessoa está fazendo o "sinal de João". A alfarrobeira, aliás, é tradicionalmente associada à figura de João Batista...
Embaixo e ao fundo, do lado direito da pintura, um jovem se volta deliberadamente para o lado oposto ao da Sagrada Família. De modo geral aceita-se que esse seja o próprio Leonardo, mas o argumento utilizado para explicar sua repulsa, a de que o artista não se sente no direito de encará-la, é um tanto frágil e, como já veremos, dificilmente se mantém. Pois Leonardo é bem conhecido por não ter nenhum amor pela igreja. Além disso, na caracterização de São Judas Tadeu na Última Ceia, ele também está voltado em direção oposta ao Redentor, deixando assim subentendida alguma emoção extrema em relação à figura central da história cristã. E como Leonardo não era exatamente um ex­emplo nem de piedade nem de humildade, essa reação não parece ter sido resultado de um sentimento de inferioridade ou subserviência.
Voltando para os belos e obsessivos esboços de Leonardo para a Virgem Maria e o Menino Jesus com Sant'Ana (1501), que embeleza as paredes da National Gallery de Londres, encontramos novamente elementos que deveriam, embora raramente o façam, perturbar o observador, em razão de suas implicações subversivas. Os desenhos mostram a Virgem e o menino Jesus junta­mente com Sant'Ana (mãe de Maria) e um João Batista criança. O menino Jesus aparentemente abençoa seu primo João, que reflexivamente olha para cima, enquanto Sant'Ana, fazendo o "sinal de João" com uma enorme e estranha mão masculina, perscruta atentamente o rosto distraído de sua filha. Entretanto, esse dedo em riste levanta-se exatamente sobre a delicada mão de Jesus que está dando bênçãos, como se estivesse metafórica e literalmente ofuscando-a. E embora a Virgem pareça estar sentada em uma posição bastante descon­fortável, quase como se estivesse montada de lado em uma sela feminina, é a posição do menino Jesus que é realmente peculiar. A Virgem o segura quase como se o impelisse a abençoar, como se ela o colocasse em cena apenas para isso e apenas com dificuldade pudesse mantê-lo ali. Enquanto isso, João recos­ta-se casualmente no joelho de Sant'Ana como se não se apercebesse da hon­ra que lhe estava sendo dada. Poderia ser que a própria mãe da Virgem a es­tivesse lembrando de alguma coisa secreta relacionada com João?
Segundo a nota que acompanha a obra na National Gallery, alguns especialistas em arte, confusos com a juventude de Sant'Ana e a estranha presença de João Batista, têm especulado que a obra na verdade retrata Maria e sua pri­ma Isabel, mãe de João. Isso é algo plausível, e se estiver correto reforça as nossas teses.
Essa aparente confusão entre Jesus e João também pode ser vista em uma das duas versões da A Virgem dos Rochedos de Leonardo. Os historia­dores da arte nunca explicaram satisfatoriamente o porquê de serem duas. Uma delas é exposta com freqüência na National Gallery em Londres e a outra, que para nós é muito mais interessante, está no Museu do Louvre em Paris.
A encomenda foi feita por uma organização conhecida como Irmandade da Imaculada Conceição, para uma única pintura a ser colocada como peça central de um tríptico para o altar da capela da igreja de São Francesco Grand em Milão. (As outras duas pinturas do tríptico foram feitas por outros artistas). O contrato, de 25 de abril de 1483, ainda existe e mostra um interessante con­traste entre a obra encomendada e o que os membros da irmandade realmente receberam. Eles especificaram cuidadosamente no contrato o formato e as dimensões do quadro que queriam, o que era uma necessidade, pois a moldu­ra para a tela já existia. Estranhamente, ambas as versões acabadas de Leonardo estavam dentro dessas especificações, embora não se saiba por que fez duas versões. Podemos, entretanto, arriscar um palpite sobre essas duas interpre­tações divergentes que, provavelmente, não foram feitas por uma questão de perfeccionismo e sim devido à consciência do potencial explosivo implícito.
O contrato também especificava o que deveria ser pintado. O tema se referia a um acontecimento que não é mencionado nos Evangelhos, embora seja uma lenda cristã bastante conhecida. Era sobre a história de como, du­rante a fuga para o Egito, José, Maria e Jesus, ainda um bebê, se abrigaram em uma caverna no deserto onde se encontraram com o menino João Batista, que era protegido pelo arcanjo Ariel. O ponto central dessa lenda é a de que ela permite evitar uma das questões mais óbvias e embaraçosas decorrentes do batismo de Jesus, conforme relatado nos Evangelhos. Por que alguém suposta­mente sem pecados como o filho de Deus deveria ser submetido ao que, cla­ramente, era um ato de autoridade por parte de João Batista?
Essa lenda nos diz como, durante esse incrível encontro entre as duas crianças santas, Jesus conferiu a seu primo João a autoridade de ba­tizá-lo quando ambos se tornassem adultos. Por diversas razões essa enco­menda da Irmandade é para nós uma das mais irônicas já pedidas a Leo­nardo, porém, também podemos suspeitar que ele teria ficado deliciado em recebê-la e em fazer a interpretação que bem quisesse, pelo menos em uma das duas versões.
De acordo com o estilo então vigente, os membros da Irmandade soli­citaram especificamente uma obra suntuosa, bastante ornamentada, arremata­da com abundantes folhas douradas e uma profusão de querubins e espíritos dos profetas do Antigo Testamento para preencher os vazios. O que receberam, porém, foi algo bastante diferente, a tal ponto que as relações entre eles e o artista se tornaram bastante estremecidas, culminando em um processo jurídi­co que se arrastou por mais de 20 anos.
Leonardo decidiu representar as cenas de forma tão realista quanto pos­sível, sem personagens extras. Não haveria gorduchos querubins ou fantasmagóricos profetas do apocalipse. De fato, a dramatis personae talvez tenha sido reduzida de um modo um tanto excessivo, pois, embora tal cena supostamente retrate a fuga para o Egito da Sagrada Família, José não aparece na pintu­ra de forma alguma.
A versão que está no Louvre, a primeira das duas, mostra a Virgem ves­tida com um manto azul protegendo uma criança e a outra criança sendo re­tratada em conjunto com Ariel. O curioso é que as duas crianças são idênticas, mas, mais estranho ainda, é a criança que está junto ao anjo estar abençoando a outra e a criança junto a Maria estar ajoelhada em subserviência. Isso fez com que os historiadores da arte presumissem que Leonardo escolheu, por qualquer razão que seja, colocar o menino João junto a Maria. Afinal, não há legendas identificando as pessoas e certamente a criança que tem a autoridade para abençoar deve ser Jesus.
Existem, porém, outras maneiras de se interpretar essa obra, maneiras que não apenas sugerem uma forte mensagem subconsciente e de cunho não ortodoxo, mas que também reforçam os códigos utilizados por Leonardo em outros trabalhos. Talvez a semelhança entre as duas crianças sugira que Leonardo, deliberadamente e com propósitos particulares, camuflou suas identidades. E enquanto Maria está abraçando protetoramente a criança geralmente identificada como sendo João, ela estende sua mão esquerda acima da cabeça de 'Jesus' , no que parece ser um gesto de clara hostilidade. Serge Bramly, em sua recente biografia de Leonardo, descreveu esse gesto como 'reminiscências das garras de uma ave de rapina'. Ariel está apontando em direção à criança que está com Maria, mas está também, significativamente, olhando de forma enigmática para o observador, ou seja, olhando de forma resoluta para longe da Virgem e o menino. Embora possa ser mais fácil e aceitável interpretar tal ges­to como sendo uma indicação de qual dos dois é o Messias, existem outras possibilidades de resposta.
E se admitirmos, como seria lógico esperar, que a criança que está com Maria, na versão do Louvre de A Virgem dos Rochedos, é Jesus e a mais jovem com Ariel é João? Nesse caso é João quem está abençoando Jesus, e este estaria se submetendo à autoridade daquele. Ariel, como protetor especial de João, está até mesmo evitando olhar para Jesus. E Maria, protegendo seu filho, está mostrando uma mão ameaçadora bem acima da cabeça de João. Alguns centíme­tros diretamente abaixo da mão espalmada de Maria, a mão de Ariel se atraves­sa de um modo que faz com que esses dois gestos pareçam conter alguma pista enigmática. É como se Leonardo estivesse indicando que algum objeto, algum traço significativo, embora invisível, deveria preencher o vazio deixado. Dentro desse contexto não seria nada fantasioso imaginar que os dedos esten­didos de Maria estariam ali posicionados em substituição a uma coroa coloca­da sobre uma cabeça invisível, enquanto os dedos de Ariel cortam o espaço justamente onde deveria estar o pescoço de tal cabeça. Essa cabeça fantasma flutua precisamente acima da criança que está com Ariel...Assim, poderá haver dúvida sobre a identidade daquela das duas crianças que será morta por de­capitação? E se essa criança que está abençoando for realmente João Batista, não será ela, portanto, superior à outra?
Contudo, quando nos voltamos para a versão que está na National Gal­lery, que é de um período posterior, percebemos que todos os elementos necessários para produzir essas deduções heréticas se perdem, mas apenas esses elementos. As duas crianças são bastante diferentes em sua aparência, e a que está com Maria traz em si a cruz de João Batista (embora talvez seja ver­dade que ela tenha sido acrescida, tempos depois, por um outro artista).Aqui, a mão de Maria ainda está estendida sobre a outra criança. Dessa vez, porém, não há nada que sugira uma ameaça. Ariel não aponta e nem olha para longe da cena. É como se Leonardo estivesse nos convidando a 'localizar a diferença', deixando que nós mesmos tirássemos as conclusões necessárias sobre essas anomalias. .
Esses estudos da obra de Leonardo revelam uma diversidade de signi­ficados ocultos ao mesmo tempo provocantes e perturbadores. Parece haver uma repetição, utilizando vários símbolos e sinais simples e subconscientes, ao redor do tema de João Batista. Ele é continuamente colocado, e as imagens denotam isso, acima da figura de Jesus, inclusive, se estivermos certos, nos símbolos que estão dissimuladamente gravados no próprio Sudário de Turim.
Há algo de compulsivo nessa insistência, não apenas em relação à complexidade das imagens que Leonardo utilizou como, também, no risco que cor­reu em mostrar ao mundo essas heresias, mesmo construídas de modo tão inteligentemente subliminar. Talvez, como já colocamos, a razão de ele ter final­izado tão poucas obras não deva ser debitada na conta de um perfeccionismo exagerado, mas ao fato de ter consciência do que poderia lhe acontecer se alguém importante conseguisse enxergar para além da linha que separa a orto­doxia e a completa 'blasfêmia' oculta sob a superfície. Talvez até mesmo um gênio como Leonardo se acautelasse, a fim de não cair nas garras das autori­dades. Uma vez já foi o suficiente para ele.
Contudo, com certeza ele não teria nenhuma necessidade de pôr sua cabeça a prêmio retratando tais heresias em suas obras, a menos que acre­ditasse nelas de forma verdadeiramente apaixonada. Como já vimos, longe de ser o materialista ateu amado por muitos de nossos contemporâneos, Leonar­do estava seriamente comprometido com um sistema de crenças que navega­va em direção totalmente contrária ao que era, e ainda é, o discurso central do cristianismo. Esse sistema de crenças era o que muitos chamariam de 'ocultismo'.
Atualmente, para muitas pessoas esse é um mundo que tem conotações pré-concebidas e bem pouco positivas. O ocultismo é diretamente relacionado com magia negra ou truques de charlatães depravados ou ambos. No entanto, a palavra 'ocultismo' significa simplesmente 'escondido' e é comumente utili­zada na astronomia para, por exemplo, descrever algum corpo espacial que esteja 'ocultando' ou eclipsando um outro. No que se refere a Leonardo, pod­eríamos concordar que enquanto houvesse realmente elementos em sua vida e em sua crença que resvalavam para rituais sinistros e práticas mágicas, é verdade também que ele buscava conhecimento, acima e além de qualquer coisa. Do que ele procurava, entretanto, a maior parte era mantida realmente 'oculta', pela sociedade de um modo geral e por uma organização, onipresente e poderosa, em particular. A Igreja desaprovava, na maior parte da Europa, qualquer experiência científica e tomava medidas drásticas a fim de silenciar quem tornasse públicas suas visões heterodoxas ou extremamente pessoais.
Florença, entretanto, onde Leonardo nasceu, se educou e em cuja corte sua carreira realmente se iniciou, era um centro florescente de uma nova onda tecnológica. Isso, extraordinário por si só, estava em total consonância com o fato de a cidade ser um refúgio para um grande número de mágicos e ocultistas influentes. Os primeiros patronos de Leonardo, a família dos Medici, que governava a cidade, encorajaram ativamente o estudo do ocultismo e até patrocinavam pesquisadores a procurar e traduzir certos manuscritos perdidos.
Essa fascinação pelo misterioso não era o equivalente renascentista do interesse por horóscopos, avidamente procurados nos jornais de hoje em dia. Embora houvesse inevitavelmente áreas de investigação que pareceriam a nós ingênuas e tolamente supersticiosas, havia também muitas outras que representavam uma séria tentativa para entender o universo e o lugar do homem nele. Os mágicos, entretanto, procuraram ir um pouco mais longe ao tentar descobrir como controlar as forças da natureza. Olhando sob essa ótica, talvez não seja tão inacreditável que Leonardo fosse, entre tantos outros, um ativo participante do movimen­to ocultista de sua época e de sua cidade. E a distinta historiadora Dame Frances Yates chegou mesmo a sugerir que a chave que permitia o vôo de longo alcance da genialidade de Leonardo se ancorava nos conceitos sobre magia desenvolvidos em sua época.
Os detalhes das filosofias predominantes na época, inseridas no movi­mento ocultista de Florença, podem ser encontrados em nosso livro anterior, mas, em linhas gerais, a pedra de toque de todos os grupos da época era o hermetismo, denominação que vinha de Hermes Trismegistos, o grande, se não legendário, mago egípcio cujos livros apresentam um coerente sistema de ma­gia. A parte mais importante do pensamento hermético era a idéia de o homem ser literalmente divino, um conceito por si só tão ameaçador que a Igreja, a fim de não deixar que ele entrasse nos corações e espíritos de seu rebanho, o classificou como motivo para a excomunhão de quem o professasse.
Os princípios herméticos estavam, certamente, presentes na vida e na obra de Leonardo, mas à primeira vista parecia haver uma óbvia discrepância entre essas sofisticadas idéias filosóficas e cosmológicas e os aspectos heréti­cos que, apesar de tudo, preservavam a importância das figuras bíblicas. (Deve­mos destacar que as crenças heterodoxas de Leonardo e seu círculo não eram apenas conseqüência de uma reação contra uma igreja corrupta e dogmática. Como está escrito na história, havia realmente uma forte e explícita reação contra a Igreja de Roma: o movimento Protestante. Mas estivesse Leonardo vivo hoje e nós, com certeza, tão pouco o encontraríamos rezando nesse tipo de igreja).
Entretanto, há uma evidência suficientemente forte para fazer com que os herméticos possam também ser considerados totalmente heréticos. Giordano Bruno (1548-1600), pregador fanático do hermetismo, proclamou que suas crenças vieram de uma antiga religião egípcia que, além de ser anterior ao cristianismo, era muito mais importante do que este.
Uma parte desse próspero mundo ocultista, embora ainda um tanto frágil para merecer a desaprovação da Igreja, era formada pelo grupo dos alquimis­tas. Eles também são um grupo atingido pelo preconceito atual. Hoje em dia recebem a pecha de tolos que desperdiçavam suas vidas tentando em vão trans­formar metal comum em ouro. Na verdade, porém, essa imagem foi uma útil cortina de fumaça para os alquimistas sérios que estavam mais preocupados com experiências científicas e também com transformações pessoais e o con­trole implícito de seus próprios destinos. Mais uma vez, não é difícil concluir que alguém tão faminto por conhecimento quanto era Leonardo faria parte de tal movimento, talvez fosse até mesmo um de seus pioneiros. Embora não haja uma evidência direta de seu envolvimento, ele era conhecido por manter re­lações com ocultistas dos mais diversos matizes, e nossa pesquisa sobre sua falsificação do Sudário de Turim nos dá segura indicação de que essa imagem foi um resultado direto de suas próprias experiências 'alquímicas' (na verdade, chegamos à conclusão de que a fotografia era apenas um entre outros grandes segredos da alquimia).
Simplificando: é muito improvável que Leonardo não tenha tido um con­tato íntimo com algum dos sistemas de conhecimento que estavam disponíveis em sua época, mas ao mesmo tempo, dados os riscos envolvidos em fazer parte deles abertamente, é igualmente improvável que deixasse registrado por escrito qualquer traço de evidência que o ligasse a tais sistemas. Contudo, como já vimos, os símbolos e imagens que ele utilizou repetidamente nas suas assim chamadas obras cristãs com certeza não seriam apreciadas pelas autoridades da Igreja, tivessem elas percebido sua verdadeira natureza.
De qualquer modo, essa fascinação com o hermetismo parece ser, ao menos na superfície, quase que o extremo oposto de uma escala de preo­cupações que colocasse João Batista e o suposto significado da mulher "M" no ponto máximo. Na verdade, foi essa discrepância que nos confundiu a tal pon­to que tivemos que nos aprofundar ainda mais. É claro que se poderia argumentar que o significado dessa coleção de dedos em riste apenas nos diz que um gênio da Renascença era obcecado por João Batista. Seria possível, porém, que houvesse um significado mais profundo por trás da crença pessoal de Leonardo? A mensagem que podemos ler em suas pinturas tinha algum fundo de verdade?
Com certeza o Mestre já era bastante conhecido nos círculos do ocul­tismo como sendo alguém possuidor de um conhecimento secreto. Quando começamos a pesquisar sua participação no Sudário de Turim nos deparamos com muitos rumores antigos que diziam que não só havia um dedo dele nessa criação, como também era conhecido por ser um mago de algum renome. Há até mesmo um cartaz parisiense do século XIX fazendo propaganda do Salão da Rosa + Cruz, um lugar de encontros para ocultistas de espírito artístico, que retratava Leonardo como o Guardião do Santo Graal (que em determinados círculos pode ser tomado como alcunha do Guardião dos Mistérios). Mais uma vez, rumores e licença poética não acrescentam muita coisa por si mesmos, mas, colocados em conjunto com todas as indicações listadas acima, certa­mente abriram nosso apetite para conhecermos mais sobre esse Leonardo desconhecido.
Até aqui conseguimos isolar o que parece ser o foco principal das obses­sões de Leonardo:João Batista. Embora fosse natural que, vivendo em Florença, recebesse encomendas para pintar ou esculpir esse santo, já que essa cidade era dedicada a João Batista, a verdade é que, ao ser deixado livre para fazer o que bem quisesse, Leonardo escolhia exatamente o mesmo. Afinal, a última pintura de Leonardo, em 1519, foi um quadro relativo à morte de João Batista, que não fora encomendado por ninguém e sim feito por vontade própria.Talvez quisesse a imagem para observá-la enquanto estivesse morrendo. E mesmo quan­do era pago para pintar uma cena cristã ortodoxa, e sempre que possível, ele enfatizava o papel de João Batista.
Conforme vimos, suas imagens de João foram elaboradamente prepara­das para veicular uma mensagem específica, mesmo que fosse divulgada de forma imprecisa e subliminar. João, com certeza, devia ser retratado como sen­do alguém importante. Afinal, ele era o predecessor, o parente heráldico e sangüí­neo de Jesus, e, portanto, era natural que seu papel fosse reconhecido dessa forma. Mas Leonardo não dizia que o Batista era inferior a Jesus, como faziam todos os outros. No seu quadro Virgem dos Rochedos o anjo está, afirmamos, apontando para João, que está abençoando Jesus, e não o contrário. Na Adoração dos Reis Magos as pessoas saudáveis e de aparência normal estão venerando as nobres raízes de uma alfarrobeira, árvore de João, em vez da pálida Virgem com o menino. E o "sinal de João", aquele dedo da mão direita em riste, está apontado para a face de Jesus na Última Ceia no que, com certeza, não é uma maneira de se demonstrar amor ou apoio; na verdade, a imagem parece dizer de um modo rude e ameaçador, "Lembre-se de João". E o menos conhecido dos trabalhos de Leonardo, o Sudário de Turim, se apóia no mesmo tipo de simbo­lismo, com sua imagem de uma aparente cabeça decapitada colocada 'sobre' um corpo crucificado. A evidência irresistível é que, para Leonardo ao menos, João Batista foi realmente superior a Jesus.
Tudo isso pode fazer com que Leonardo pareça ser uma voz solitária pregando no deserto. Afinal, muitos dos grandes gênios têm sido pessoas ex­cêntricas, para dizer o mínimo. Talvez essa fosse uma área de sua vida onde ele podia se colocar ao largo das convenções de sua época. Estamos, porém, conscientes, desde o início de nossa pesquisa no final dos anos 80, do apareci­mento recente de evidências, embora de uma natureza altamente controversa, que o ligam a uma sociedade secreta poderosa e sinistra. Esse grupo, que, alega-­se, já existia muitos séculos antes do aparecimento de Leonardo, incluía alguns dos indivíduos mais influentes da história européia e, de acordo com nossas fontes, continua a existir atualmente. Os primeiros líderes dessa organização, conforme indícios que levantamos, pertenciam à aristocracia, e atualmente são algumas das figuras mais influentes na área política e econômica, que a mantêm viva por propósitos particulares.
Embora acreditássemos piamente, no início de nossas pesquisas, que iríamos gastar nosso tempo em galerias de arte, decodificando obras do renascimento, logo percebemos que não podíamos estar mais equivocados.

* Aos vinte e quatro anos, Leonardo foi preso sob acusação de sodomia, crime cuja pena era a morte. A acusação foi retirada, pois um dos jovens que fora preso junto com ele pertencia à família que dominava Florença.A experiência, porém, parece ter causado um efeito profundo em sua vida, e a partir de então ele nutriu suas obsessões no silêncio de sua privacidade.

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