Krak dos Cavaleiros

sábado, 4 de setembro de 2010

Abraão Abulafia e a Doutrina da Kabalah Profética

Abraão Abulafia e a Doutrina da Kabalah Profética










Que significa este símbolo na terminologia de Abuláfia?

O objetivo de Abuláfia, como ele próprio o exprime, é "libertar a alma, desatar ao laços que a prendem", (Ele fala no Auswahl kabbalistischer Mystik, p. 18, e, mais vezes, nos seus escritos inéditos, do "desatamento dos nós junto aos selos"). "Todas as forças interiores e as almas ocultas no homem estão distribuídas e diferenciadas nos corpos. Toda força, quando seus laços são desatados, retornam à sua origem, que é uma, sem qualquer dualidade, e que compreende a infinita multiplicidade". O "desatamento" é pois retorno da multiplicidade e separação em direção à unidade original. Como um símbolo da grande libertação mística da alma das cadeias da sensualidade, o "desatar laços" ocorre também na teosofia do budismo. Recentemente um sábio francês publicou uma obra didática tibetana, cujo título pode ser
traduzido como "Livro sobre o Desatamento dos Nós", ("Samdhi- Nirmocana Sutra ou Sutra détachant les noeuds", ed. Lamotte, Paris 1935) Significa que há certas barreiras que separam a existência pessoal da alma humana do fluxo da vida cósmica, personificada para ele no Intellectus Agens dos filósofos, que permeia a
totalidade da Criação. Há um dique que conserva a alma confinada nos limites da existência normal e natural e a protege contra o dilúvio da corrente divina, que flui debaixo ou ao redor dela; mas o mesmo dique também impede a alma de tomar conhecimento do divino. Os "selos" impressos na alma impedem uma tal inundação e garantem sua função normal. Por que a alma é como que selada? Simplesmente porque, responde Abuláfia, a vida diária dos seres humanos, suas percepções do mundo sensível, invadem e impregnam a mente com uma multidão de formas ou imagens sensíveis (chamadas, na linguagem dos filósofos medievais, "formas naturais"). A mente, ao perceber todos os tipos de objetos naturais e ao admitir suas imagens à consciência, cria para si mesma, por esta função natural, um certo modo de existência que traz o selo da finitude. A vida normal da alma, em outras palavras, é mantida dentro dos limites determinados por nossas percepções sensórias e por nossas emoções, e enquanto ela estiver cheia destas, ser-lhe-á extremamente difícil perceber a existência de formas puramente espirituais e coisas divinas. Se quisermos deixar que a vida divina irrompa na alma através das fronteiras da vida natural e no entanto não a destrua, é preciso procurar um caminho onde uma tal passagem possa efetuar-se com segurança. Este caminho situa-se na direção sugerida pelo velho adágio: "Quem está todo cheio de si mesmo, não tem lugar para Deus". Tudo aquilo que ocupa o eu natural dos homens, deve ou desaparecer ou ser transformado, de modo a permitir que transpareçam os delicados contornos da espiritualidade interior através do invólucro das coisas naturais. Abuláfia, lança os olhos em torno, buscando formas mais altas de percepção, que, ao invés de bloquear o caminho para as regiões mais profundas da alma, facilitem o acesso a elas e as libertem. Ele quer que a alma se concentre na contemplação de algo altamente espiritual, que no entanto não estorve no processo da purificação da alma. Se, por exemplo, se observar uma flor, um passarinho, ou qualquer outra coisa, e puser a pensar a seu respeito, o objeto da minha reflexão tem por si próprio um significado, em suma: um sentido. Estou pensando nesta flor, neste pássaro determinado. Mas, como pode a alma aprender a ver o divino com o auxílio de objetos cuja natureza é tal que captam a atenção do espectador e a desviam do seu objetivo? O místico judeu não sabe de um objeto de contemplação em que a alma imerge até o êxtase, como o da meditação sobre a Paixão no misticismo cristão. Abraão Abuláfia, portanto, procura antes um objeto absoluto para uma tal meditação; isto é, um objeto capaz de estimular o surgimento de uma vida profunda da alma e esvaziá-la das formas naturais, que possa pois assumir a máxima importância, sem possuir, todavia, por si mesmo, nenhuma importância. Ele pensa haver encontrado semelhante objeto no alfabeto hebraico, nas letras. Trata-se de um objeto não intuitivo, abstrato, com que a alma deve ocupar-se, pois tudo o que é perceptível tem um sentido e um significado próprio. Não basta, que a alma se ocupe com a meditação de verdades abstratas, pois mesmo aqui ela permanece atada a seus significados específicos. O objetivo de Abuláfia é antes apresentar-lhe algo não apenas abstrato, mas também indeterminado, pois todas as coisas assim
determinadas têm uma importância e uma individualidade próprias. Assim, baseando-se na natureza abstrata e incorpórea da escrita, ele desenvolveu uma teoria da contemplação mística de letras e suas combinações, enquanto constituídas do nome de Deus. Pois este é o
objeto real e, o sentido judaico, de uma tal contemplação mística. O nome de Deus, que é algo absoluto, reflete o sentido oculto e a totalidade da existência; o nome através do qual todo o resto adquire significado, e que no entanto não possui, para a mente humana, qualquer significado próprio. E assim argumenta Abuláfia, quem conseguir fazer este grande Nome de Deus, a coisa menos concreta e perceptível do mundo, objeto de meditação, está no verdadeiro caminho em que se abre a vida oculta da alma. A partir deste conceito, Abuláfia expõe uma disciplina, que ele denomina Hochmat Há-Tzeruf, "a ciência de combinar as letras". Esta é descrita como um guia metódico para a meditação, com o auxílio de letras e suas combinações. As letras individuais ou suas composições não precisam como tais ter um "significado" no sentido ordinário; é uma vantagem, que muitas vezes pareçam vazias de sentido, pois neste caso há menos probabilidades de que nos distraiam. É verdade que, elas não são realmente desprovidas de nexo, pois ele aceita a doutrina cabalística da linguagem divina como a substância da realidade. Segundo esta doutrina, todas as coisas existem somente em virtude do seu grau de participação no grande nome de Deus, que se manifesta através de toda a Criação. Há uma linguagem que exprime o puro pensamento de Deus, e as letras desta linguagem espiritual são ao mesmo tempo elementos da mais profunda realidade espiritual e do conhecimento mais profundo. O misticismo de Abuláfia representa um curso sobre a
linguagem divina. O objetivo desta disciplina, é gerar, com o auxílio da meditação, um estado especial de vida nova na alma humana, algo como um movimento harmónico do puro pensamento, que se
desprendeu de todo objeto sensível. O próprio Abuláfia comparou corretamente esta disciplina com a música. Realmente, a prática sistemática da meditação tal como ele a recomenda, produz uma sensação bastante parecida com a que experimentamos ao ouvir
harmonias musicais. A ciência da combinação é uma música do pensamento puro, em que o alfabeto toma o lugar da escala musical. Todo o sistema apresenta uma semelhança bastante estreita com os princípios musicais, aplicados não ao som, mas ao pensamento que medita. Encontram-se aqui composições e modificações de motivos, e sua combinação em todas as variações possíveis. Isto é o que o próprio Abuláfia diz em um de seus livros: "Sabe que o método do Tzeruf é comparável à música; pois o ouvido escuta sons e os sons combinam se, segundo a natureza da melodia e dos instrumentos.
Assim, dois instrumentos diferentes podem formar uma combinação e se os sons se casam, o ouvido do que escuta registra uma sensação agradável ao reconhecer sua diferença. As cordas tocadas vibram, e o som é doce ao ouvido. E do ouvido a sensação vai ao coração, e
do coração ao braço, centro da emoção, e a apreciação da diversidade de novas melodias produz sempre mais prazer. É impossível produzir este sem a combinação dos sons, e o mesmo se aplica à combinação das letras. Ela toca a primeira corda, que é comparável à primeira letra, e caminha para a segunda, terceira, quarta e quinta, enquanto os vários sons se combinam. E os segredos que se produzem nestas combinações deleitam o coração, que reconhece seu Deus e é tomado sempre por uma nova alegria", (Gan Naul, ms. Munique 58, f. 323b. O texto da passagem está impresso no Sefer Peliá 1784, pp. 52d-53ª) A atividade dirigida do adepto empenhado em combinar e separar as letras em sua
meditação, compondo motivos inteiros em grupos separados, combinando diversos grupos entre si, e apreciando suas combinações em todos os sentidos, não é para Abuláfia,
portanto, mais absurda ou incompreensível que a do compositor. Assim, o músico expressa "mais uma vez" o mundo em sons sem palavras, e sobe a alturas infinitas e desce a infinitos abismos, também o místico faz o mesmo: para ele, as portas fechadas da alma abrem-se na música do pensamento puro, que não está mais limitado ao "sentido", e no êxtase das profundas harmonias que se originam no movimento das letras do grande Nome, abrem o
caminho que conduz a Deus. Esta ciência da multivariedade da composição de letras e a prática da meditação controlada é para Abuláfia nada menos que a "lógica mística", que corresponde à harmonia interna do pensamento em seu caminho para Deus, (No trecho impresso em Pholosophie und Kabbala, p. 15, Abuláfia fala de sua arte combinatória como Hochmat há -higaion há-
penimi há- elion.). O mundo das letras, que se revela nesta disciplina, é o verdadeiro mundo da felicidade, (Em seu Imrei Schefer, ms. Munique 285, p. 75b). Cada letra representa um
universo inteiro para o místico que se abandona à sua contemplação, (No seu Sefer Melitz, no mesmo manuscrito, diz ele "Cada consoante representa na Kabalah um mundo"). Todas
as línguas faladas, não só o hebraico, são passíveis de transformarem-se por meio desta combinatória mística em língua sagrada e em nomes sagrados. E como todas as línguas provêm de uma corrupção da língua original, o hebraico, todas permanecem aparentadas a ela. Em todos os seus livros, Abuláfia gosta de jogar com palavras gregas, latinas e italianas para apoiar suas idéias. Pois, em última análise, toda palavra pronunciada consiste de letras
sagradas, e sua combinação, separação e reunião revelam profundos mistérios ao cabalista, e desentranham para ele o segredo da relação de todas as línguas com a língua sagrada, (Cf. Sefer Há-O, p 71, Philosophie und Kabbala, p. 20, onde ele diz: "E preciso fundir todas as línguas na língua sagrada, até que pareça como se toda palavra pronunciada fosse composta pelas sagradas letras, que são as vinte e duas letras hebraicas". Em seus escritos, menciona
que o termo hebraico para as "setenta línguas" (que significa em hebraico a totalidade das línguas) tem o mesmo valor numérico que o termo hebraico "combinação das letras"). O Sefer Há-Tzeruf encontra-se em Paris, Bibl. Nat., 774). são guias sistemáticos para a
prática deste contraponto místico. Através de exercícios metódicos, a alma se acostuma à percepção das formas superiores, em que ela vai aos poucos se embebendo. Abuláfia expõe um processo que vai da pronuncia à sua anotação e contemplação dos sinais escritos, e
finalmente da escrita ao pensamento e meditação puros de todos estes objetos da "lógica mística". Pronunciação, mivtá; anotação, michtav, e pensamento, machschav, formam assim três camadas superpostas de meditação. As letras são o elemento comum a todas, elementos que se manifestam em formas sempre mais espirituais. Dos movimentos das letras resultam as verdades da razão. Mas o místico não pára aqui. Ele distingue ainda entre matéria e forma das letras, para aproximar-se mais do seu núcleo espiritual; ele mergulha na combinação das formas puras das letras, que agora, sendo formas puramente espirituais, se imprimem na alma. Ele procura compreender as relações entre as letras e os nomes formados pelos métodos cabalísticos de exegese, (Cf. Philosophie und Kabbala, pp. 18-20). O valor numérico das palavras, a Guematria, é aqui de importância especial. A isto cumpre acrescentar um outro ponto: o leitor moderno destes textos ficará bastante surpreendido ao deparar com a descrição detalhada de um método que Abuláfia e seus discípulos denominam Dilug e Kefitzá, "salto" ou "pulo" de uma concepção a outra. Na verdade, isto não é mais que um método bastante notável de usar associações como um
método de meditação. Não se trata do "jogo livre das associações" utilizando pela Psicanálise, mas antes de um método de passar de uma associação a outra, conforme regras determinadas que são todavia bastante flexíveis. Cada "salto" abre nova esfera, definida por certas características formais, não materiais. Dentro desta esfera o espírito pode associar livremente. O "saltar", portanto, une elementos de associação livre mas dirigida, e diz-se que assegura resultados extraordinários no tocante à "ampliação da consciência" do iniciado O "salto" traz à luz processos ocultos do pensamento, "liberta-nos da prisão da esfera natural e nos conduz às fronteiras de esfera divina". Todos os outros métodos, mais simples, de meditação, servem apenas de preparo para este grau supremo, que contém e supera todos os outros, (Uma elaboração completa da técnica de associação foi publicada por mim com base no Sulam Há-Aliá de Iehudá Albottini ou antes Al-Buttaini, em Kiriat Sefer, vol. XXII 1945, pp. 161-171.). Abuláfia descreve em vários lugares os preparativos para a meditação e para o êxtase, bem como o que acontece ao adepto no ápice do arrebatamento. O relato de um discípulo seu, confirma suas afirmações. O próprio Abuláfia afirma, numa passagem: (Jellinek, em Philosophie und Kabbala, a partir do Haie Olam Há-Bá: "Prepara-te para teu Deus, ó Israelita! Prepara-te para dirigir teu coração a Deus somente. Limpa teu corpo e escolhe uma vivenda isolada onde ser algum escute a tua voz. Ssenta em teu cubículo e não reveles a homem nenhum o teu segredo. Se puderes, fá-lo de dia na casa, mas é preferível que o
completes durante a noite. No momento em que te preparares para falar com teu Criador, desejando que Ele te revele o Seu poder, tem cuidado para abstrair teu pensamento das vaidades deste mundo. Cobre-te com teu xale de orações e põe telifim em tua cabeça e tuas mãos, para que possas imbuir-te de temor pela Schehiná que está próxima a ti, limpa tuas roupas, e, se possível, que todos os teus trajes sejam brancos, pois estas coisas são úteis para dirigir o coração ao amor e ao temor de Deus. Se for noite, acende muitas velas, para que tudo esteja claro. Põe então pena, tinta e uma mesa junto a ti e lembra-te de que vais servir a Deus com alegria no coração. Começa a combinar muitas ou algumas letras, a permutá-las e combiná-las até que se aqueça teu coração. Presta atenção aos seus movimentos e ao que podes produzir ao movê-las. E quando sentires que teu coração já se aqueceu, e vires que, pela combinação das letras, podes perceber coisas novas, que não
poderias conhecer pela tradição humana nem por ti mesmo, e quando estiveres assim preparado para receber o influxo de força divina, volta então todas as tuas representações verdadeiras para representar o Nome de Deus e seus gloriosos anjos em teu coração, como se fossem seres humanos sentados ou em pé ao teu redor. E senta-te como um embaixador a quem o rei e seus ministros vão enviar em missão, e que espera para ouvir de seus lábios algo sobre a missão, seja do próprio rei, seja de seus servos". "Tendo imaginado isto, volta todo o teu espírito para compreender com teus pensamentos as inúmeras coisas que hão de penetrar em teu coração através das letras imaginadas. Pesa-as como um todo e a cada qual individualmente, como alguém que escuta uma parábola ou um sonho, ou que medita num problema de um livro científico, e tenta assim interpretar aquilo que ouvires da maneira que mais razoável te parecer. E isto tudo irá suceder depois que afastares pena e pergaminho, ou depois que eles se tiverem afastado de ti pela força do teu pensamento. E sabe que quanto mais forte for o influxo intelectual dentro de ti, tanto mais fracas se tornarão tuas partes internas e externas. Todo o teu corpo será possuído de
um tremor muito intenso, de tal maneira que pensarás estares à morte, pois tua alma, demasiado contente pelo seu conhecimento, deixará o corpo. E prepara-te para escolher conscientemente a morte neste momento, e então saberás que avançaste o suficiente para receber o influxo. E então, desejando honrar o Nome glorioso, servindo-o com a vida de teu corpo e tua alma, cobre tua face e tem medo de olhar para Deus. Regressa então às coisas corporais, levanta-te e come e bebe um pouco, ou refresca-te com um perfume agradável, e devolve teu espírito ao seu invólucro até a próxima vez, e alegra-te por teu quinhão, e sabe que Deus te ama".
Se a alma viver inteiramente neste mundo, no qual se afasta de todas as imagens externas e estiver empenhada apenas na contemplação do nome de Deus, ela adquire com isto o devido preparo para a derradeira ruptura. Os selos que a encarceram em seu estado normal e lhe vedam a luz divina são afrouxados, e podem ser ao fim totalmente dissolvidos. A fonte oculta da vida divina irrompe na obra ou desaba sobre ela. Mas agora que ela foi
assim preparada metodicamente para isto, esta irrupção não mais sufoca toda consciência pessoal nem a esmaga, ou a tira a um estado de confusão e auto-abandono. Pelo contrário,
tendo galgado o sétimo e último degrau da escala mística, (Estes sete estágios são descritos pormenorizadamente por Abuláfia em sua missiva, que Jellinek publicou em Philosophie und Kabbala, pp. 1-4). e alcançado o seu topo, o homem vê-se plenamente cônscio no mundo da luz divina, cujo esplendor ilumina seus pensamentos e cura seu coração. Este é o estágio da visão profética, em que os mistérios inefáveis do Nome divino e toda a glória do seu reino se revelam ao iluminado. O profeta fala deles em palavras que exaltam a grandeza de Deus e trazem em si o seu reflexo. O êxtase, que Abuláfia considera o prêmio mais alto de contemplação mística, não deve ser confundido, com delírio inconsciente ou aniquilação completa do eu. Ele trata com certo desdém estas formas incontroladas do êxtase, que o homem procura sem preparo suficiente e chega a considerá-las muito perigosas. Sem dúvida, o êxtase racionalmente preparado sobrevém subitamente, (Cf. o livro citado p. 25, na nota 54) e não pode ser forçado; mas quando os ferrolhos são removidos e os selos retirados, a alma já está preparada para a "luz do intelecto" que a penetra. Abuláfia adverte, mais de uma vez, contra os perigos mentais e mesmo físicos da meditação não-sistemática e práticas similares. Ao combinar as letras, cada uma das quais, segundo o Livro Ietzirá, está coordenada com um membro especial do corpo, "deve-se tomar muito cuidado para não modificar a posição de uma vogal ou consoante, pois se ele (o adepto) errar ao ler a letra que comanda um certo membro, este membro pode ser arrancado, ou trocar de lugar, ou alterar sua natureza, sendo transformado imediatamente em outra forma, de modo que a pessoa pode ficar aleijada", (Em seu Imrei Schefer, diz Abuláfia: "Uma torrente de fogo sai de Deus e quem se exercita na arte da combinação deve precaver-se e atender à honra de seu Nome, para que não lhe fuja todo o sangue e ele próprio não destrua a sua própria vida. Deve antes, quando seu coração se
exaltar, regressar imediatamente a seu lugar, pois a chave para o Nome divino está em suas mãos".) O discípulo de Abuláfia menciona também contrações espasmódicas da face. Abuláfia coloca grande ênfase na novidade e singularidade de sua profecia. "Sabei que muito da visão que Raziel viu é baseado no Nome de Deus e em sua Gnose, e também na sua nova revelação, que teve lugar na Terra em seus dias, e que nada houve de semelhante a ela desde os dias de Adão", (No seu Sefer Edut ms. Munique 285, f. 37b.) Os profetas que bebem da fonte do conhecimento do verdadeiro Nome são ao mesmo tempo, segundo ele, os verdadeiros amantes. A identidade da profecia com o amor a Deus encontra sua prova também na mística dos números, e aquele que serve a Deus por puro amor está no caminho certo que leva à profecia, (Numa passagem oriunda do Haie Há-Nefesch, que Jellinek imprimiu no fim de sua edição do Sefer HaOt, p,85.) É por isto que os cabalistas, com quem o puro temor a Deus se converte em amor, são para ele os verdadeiros discípulos dos profetas, (Haie Há-Nefesch, ms. Munique 408. fa .). Na opinião de Abuláfia, a doutrina do êxtase profético não é em última análise mais do que a doutrina da profecia proposta pelos filósofos judeus, especialmente por Maimônides, que também vê na profecia, uma união temporária do intelecto divino com o humano, provocada através da preparação sistemática. A faculdade profética, segundo sua doutrina, representa a união do intelecto humano, na fase mais elevada do seu desenvolvimento com uma influência cósmica, normalmente situada no mundo inteligível, o assim chamado intellectus agens. O influxo deste intelecto ativo sobre a alma manifesta-se como visão profética. Abuláfia procura provar a identidade substancial de sua teoria da via da meditação com a doutrina da profecia amplamente reconhecida na Idade Média e outorgar-lhe, um estrito caráter racionalista, (Especialmente em seus comentários ao Moré Nevuhim, de Maimônides.). Seu comentário ao "Guia dos Perplexos" de Maimônides, vai longe neste sentido.
Estas racionalizações, não podem esconder o fato de que seus ensinamentos representam uma versão judaizada de uma antiga técnica espiritual, que encontrou sua expressão clássica nas práticas dos místicos hindus que seguem o sistema conhecido como Ioga. Para citar apenas um exemplo entre muitos, uma parte importante do sistema de Abuláfia consiste na técnica respiratória; (Exemplos disto encontram-se no Catálogo dos Manuscritos de Jerusalém, pp. 27-29; em Jellinek, Philosophie und Kabbala, pp. 40-41, bem como no Pardess Rimonim, de Moisés Cordovero, cap. XXI, sec. 1, que cita a partir de um escrito de Abuláfia), esta técnica encontrou seu desenvolvimento máximo na Ioga Hindu, onde é considerada o instrumento mais importante da disciplina mental. Além disso, Abuláfia prescreve com precisão certas regras de postura, certas combinações correspondentes de vogais e consoantes, certas formas de recitação, e em particular algumas passagens de seu livro "A Luz do Intelecto" dão a impressão de um tratado judaico sobre Ioga. A semelhança chega a alguns aspectos da doutrina da visão extática, enquanto precedida e provocada por estas práticas.





O Templo de Salomão

O Templo de Salomão





         O rei de Jerusalém, Balduíno, atribuiu-lhes como alojamento uns edifícios situados no local do Templo de Salomão. Chamaram ao local caserna de São João. Fora necessário mandar sair de lá os cónegos do Santo Sepulcro que Godofredo de Bouillon lá instalara primitivamente.
Por que razão não se procurara antes outra habitação para os
Templários? Que necessidade imperiosa havia de lhes oferecer para toca aquele local em particular? De qualquer modo, a razão não tem nada que ver com o policiamento das estradas.

      As caves eram formadas por aquilo a que se chamavam as estrebarias de Salomão. O cruzado alemão João de Wurtzburg dizia que eram tão grandes e tão maravilhosas que podiam alojar-se lá mais de mil camelos e quinze centenas de cavalos. No entanto, foram afetadas na sua totalidade aos nove cavaleiros do Templo que, antes de mais, se recusavam a fazer recrutamento. Desentulharam-nas e utilizaram-nas a partir de 1124, quatro anos antes de receberem a sua regra e estimularem o seu desenvolvimento. Mas utilizaram-nas apenas como estrebarias ou realizaram nelas buscas discretas? E que procuraram?

           Um dos manuscritos do mar Morto, encontrado em Qumran e decifrado em Manchester em 1955-1956, referia quantidades de ouro e de vasos sagrados que constituíam vinte e quatro conjuntos enterrados sob oTemplo de Salomão. Mas, nessa época, esses manuscritos dormiam no fundo de uma gruta e, mesmo que possamos imaginar a existência de uma tradição oral a esse respeito, poderemos pensar que as pesquisas foram
orientadas antes para textos sagrados ou objectos rituais e não para vulgares tesouros materiais.
Que poderão ter encontrado no local e, antes de mais, que sabemos sobre esse Templo de Salomão de que tanto se fala? Para além das lendas, muito pouco: nenhum vestígio identificável por arqueólogos;essencialmente, tradições veiculadas ao longo do tempo e algumas passagens na Bíblia (no Livro dos Reis e nas Crónicas). Sem dúvida que foi construído cerca de 960 a. C. - pelo menos na sua forma primitiva.

            Salomão, que desejaria construir um templo à glória de Deus, fizera acordos com o rei fenício Hiram que se comprometera a fornecer-lhe madeira (de cedro e de cipreste). Enviar lhe-ia também operários especializados: canteiros e carpinteiros recrutados em Guebal, onde os próprios egípcios costumavam contratar a sua mão-de-obra qualificada.
As obras duraram sete anos, abrangendo também um palácio
suficientemente grande para albergar as setecentas princesas e
trezentas concubinas do rei Salomão.
O Templo era rectangular. Entrava-se no vestíbulo transpondo uma porta dupla de bronze e, então, encontravam-se duas colunas: Jachin e Boaz,também de bronze. Seguia-se uma porta dupla, em madeira de cipreste, que permitia o acesso ao hékal, ou local santo, uma sala com lambris de madeira de cedro e cheia de objectos preciosos e sagrados: o altar dos -perfumes, em ouro maciço, a tábua dos pães de oração, em madeira de cedro forrada a ouro, dez candelabros e lâmpadas de prata, copos para libações finamente cinzelados, bacias sagradas e braseiros que serviam para a celebração de sacrificios’.

        Em seguida, entrava-se no debir, uma sala cúbica onde se encontrava a Arca da Aliança.
O conjunto era feito de pedras talhadas, madeira e metais. Em frente ao Templo, o «mar de bronze», grande reservatório que podia conter cinquenta mil litros de água, suportado por doze estátuas de touros,dominava a esplanada. Os elementos de decoração eram cobertos de folhas de ouro. Todo o empedrado tinha placas de ouro. A prata e o cobre também se encontravam em profusão. Os metais preciosos estavam verdadeiramente em todo o lado, incluindo o telhado, onde agulhas de ouro impediam que os pássaros poisassem.

            O Templo existiu sob esta forma até 586 a. C. Nessa data,Nabucodonosor cercou Jerusalém e apoderou-se dela. A cidade foi incendiada e o Templo de Salomão destruído.
Cerca de 572 a. C., Ezequiel teve a visão do Templo reconstruído das suas ruínas. No entanto, houve que esperar até 538 a. C. para se ver Zorobadel iniciar a sua reconstrução. O novo santuário, muito mais modesto do que o precedente, foi arrasado pelo Selêucida Antíoco Epifânio. Herodes decidiu reconstruí-lo. Durante dez anos, mil operários trabalharam no estaleiro. O resultado foi grandioso, mas durou pouco, dado que o edifício foi destruído no tempo de Nero, menos de sete anos depois de ter sido terminado. Em 70 d. C., uma vez mais, Jerusalém foi tomada e o Templo pilhado, por Tito. Os objetos sagrados, como o candelabro dos sete braços e muitas outras riquezas, foram levados para Roma e apresentados ao povo, quando do «triunfo» de Tito’.

            Quando os Templários se instalaram no local onde se erguera, apenas restava do Templo um pedaço do muro das lamentações e um magnífico empedrado quase intacto. Em sua substituição, erguiam-se duas mesquitas: Al-Aqsa e Omar. Na primeira, a grande sala de oração foi dividida em quartos para servir de alojamento aos Templários.
Juntaram-lhe novas construções: refeitórios, adegas, silos.

O CONCEITO DE DEUS

O CONCEITO DE DEUS







A doutrina básica de toda teologia é a uniformidade do conceito da natureza Divina de todos os homens. Se todos os homens pudessem perceber, estar igualmente cônscios dessa essência e, de igual modo, definir racionalmente, sua natureza e função, haveria uma unificação de todas as religiões. Infelizmente não é assim! Portanto, temos religiões, e cada religião tem seu Deus. Cada uma tem seus profetas que declaram estar divinamente inspirados e que legam aos seus seguidores um ideal de Deus obtido através de comunhão direta. Os ideais se chocam. Fanáticos combatem e denunciam os ideais uns dos outros.


É Deus um fator imperfeito? Está Ele avançando na direção de uma realização inevitável e perfeição final? Tal hipótese não seria aprovada pela teologia moderna, nem mesmo seria coerente com a concepção religiosa de um povo bárbaro. Ela depreciaria o reconhecimento da Sua supremacia e da Sua onipotência. Contudo, uma recapitulação da história da religião e um exame das doutrinas das seitas de hoje revelam uma semelhança espantosa com tal hipótese, devido à discrepância nas definições da natureza de Deus.


Verificamos que o esplendor atribuído a Deus pela teologia dos tempos atuais ultrapassa, em muitos aspectos, o de épocas passadas. Além disso, verificamos que Suas realizações de hoje são múltiplas em comparação com as que Lhe eram atribuídas em outras eras. Outrora, Ele possuía uma multiplicidade de formas, porém o homem agora o considera como uma única entidade e, mesmo, como uma inteligência impessoal que penetra tudo. Todavia, os credos e seitas modernas declaram ardorosamente que o Deus de ontem, de hoje e de amanhã é o mesmo. Asseguram, sim, que Ele é o único fator imutável num universo de mudança. Se Ele é imutável, perfeito e a excelência suprema, como podem os devotos reconciliar isto com a óbvia diferença de natureza atribuída a Ele por todos os que O reconhecem? Evidentemente, nem todas as concepções podem estar certas. Algumas têm de estar erradas.


Se um grupo de mentes humanas não pode interpretar corretamente o impulso Divino em sua própria natureza, então é possível que todos os homens possam, da mesma forma, errar. Em defesa dos devotos pode-se dizer que alguns percebem mais intimamente que outros o Divino em sua natureza, e sua percepção participa mais estreitamente da realidade Divina. Mas quem são eles? Que critério existe para garantir a precisão da percepção de Deus pelo homem? Sinceridade de propósito não é o suficiente para julgar a precisão da concepção que alguém tem de Deus. O homem, em seus esforços sinceros para convencer seu semelhante de que só ele ou sua seita contemplou a Deus e é o veículo para a Sua palavra, recorre às mais estranhas práticas fanáticas — práticas que em si depreciam a sublimidade de Deus, a sublimidade que a pessoa sente mais do que sabe. O que é de maior valor para o homem, o ideal de Deus, do qual ele tem de se esforçar por aproximar-se, ou a expressão daquele ideal numa forma composta de palavras?


Com muita freqüência, o ideal espiritual do homem, como o código moral que ele indulgentemente aceita, é uma herança. O Deus de seu pai e o Deus do pai de seu pai torna-se o bendito guardião das virtudes de uma vida superior. Ele aceita igualmente grande parte da intolerância e fanatismo que podem cercar a fé de seus genitores. Ele se ofende quando põem em dúvida qualquer uma das doutrinas da sua fé, ou de sua interpretação do Deus que aceitou. Não porque veio a conhecer aquele Deus e, através desse contato inefável, percebeu aquilo em que anteriormente apenas acreditava, mas simplesmente porque abala seu orgulho, seu ego humano, ter seu discernimento ou o discernimento dos seus correligionários desafiado.


O homem parece então tornar-se um membro presunçoso da religiosidade. Incontestavelmente, pode-se dizer que aceitou uma fé prescrita, que foi preparada para ele. Aceita um Deus, não como veio a conhecê-Lo, e sim como Ele foi preparado por outra pessoa para sua aceitação. Contenta-se em sentir-se satisfeito e garantido pela escolha justa da fé, mesmo quando seu vizinho possa dele divergir em toda doutrina de crença religiosa. Seu vizinho pode ser adepto de uma fé tão reconhecida e tradicional quanto a sua, mas tão diferente quanto o dia da noite. A incongruência não o aflige nem um pouco. Os reivindicantes insistentes das diferentes fés não o perturbam nem o fazem perceber que só pode haver UM DEUS e não os vários Deuses das múltiplas religiões.


Para tal indivíduo, Deus não é uma experiência pessoal, e sim um quadro ou ideal magnífico que foi transplantado para sua consciência. Ele não nasceu de um germe pessoal de pensamento, de uma percepção espiritual, ou da aspiração. Deus, para tal indivíduo, não é um guia ou Senhor Infinito, a quem se pode chamar de companheiro, mas apenas uma força estabilizadora. O conceito de Deus é apenas um meio de mantê-lo no caminho reto da sociedade. Ele pode mudá-lo quantas vezes queira. Enquanto este servir ao seu propósito, mostrar-se-á satisfeito em ir para a sepultura sem nenhum contato mais íntimo com esse Deus, que para si tomou.


Digo tomou para si porque certamente não desenvolveu esse Deus de dentro. Nenhum elogio cabe a esses homens ou mulheres, pois o tributo que eles prestam periodicamente ao participarem em numerosos ritos e ao apoiarem o ritual exotérico, não é fomentado primordialmente pela espiritualidade. A falta absoluta, na maioria dos casos, de um conhecimento do seu Deus e a maneira metódica da sua devoção são indicadoras de um temor inerente mais do que de algo nascido da inspiração. Deus tornou-se, para eles, um defensor de um grande código ético e moral. Eles O aceitam porque Ele é parte integrante da sua fé. O único impulso que os associa ao seu Deus é um temor da Sua Onipotência, que não conseguem compreender. Infelizmente, eles não vêem necessidade nem mesmo de uma compreensão. Simplesmente seguem os ditames teológicos da sua fé com seus dogmas e credos. É difícil, para os que meramente assim adquiriram Deus, ver a necessidade Dele. Vivem sua vida cotidiana tão completamente carentes de qualquer compreensão real das Suas múltiplas obras e da Sua inteligência que a tudo permeia, que nada sabem da sua verdadeira relação com Ele; mas O temem.


O homem jamais pode conhecer a Deus de fora para dentro, por mais cativante e magnificente que possa ser a descrição que lhe fazem, se carece, no íntimo, de sensibilidade a um impulso espiritual. O homem não pode aceitar o Deus definido por outro se a descrição não evoca, dentro dele, uma apreciação compreensiva. Os olhos de um artista e os de um físico podem ver o mesmo amanhecer, mas a idéia criada na consciência de cada um é diferente. O físico compreende a mecânica do que vê, a lei física que explica os fenômenos; o artista sente a harmonia da cor, seu equilíbrio, sua proporção e a alegria da verdadeira beleza que estimula a sensibilidade da sua alma. Cada um poderia compreender a idéia do que o outro percebe, mas nenhum dos dois teria a mesma sensação emocional para com aquela idéia como teria pela sua própria.


Para todo homem que é um teísta, Deus é o Summum Bonum, e ele esforça-se instintivamente por moldar sua vida de acordo com este bem Divino que vê na vida e na conduta humana. Este é o maior dever da religião — a definição do que constitui o bem na ação humana e em todas as coisas percebidas pelo homem. Devido a isto, a religião poderia ser facilmente unificada; mas quando ela tenta limitar Deus à forma, descrever Sua natureza, surge a confusão e, desse modo, também surgem os que se diz serem ateus.


A religião chamou a primeira causa de Deus, ou o equivalente em todas as línguas. Entretanto, como já dissemos, foram as diferentes características que a religião tem atribuído a Deus, em diferentes épocas, que causaram a confusão quanto à Sua natureza.


Vamos supor que a religião esteja certa, e que Deus é a primeira causa; neste caso, as coisas que procedem da primeira causa foram criadas intencionalmente ou por necessidade? Se a causa é intencional ou propositada, ela tem de ser da mente. A única comparação que temos para causas conscientes somos nós mesmos. Se Deus é uma causa intencional ou mente, Ele teria necessariamente certas características semelhantes às da mente humana. Ele teria a faculdade de percepção e, desse modo, perceberia a existência presente. Além disso, Ele teria de imaginar uma insuficiência que deveria ser superada, ou a necessidade de uma perfeição. Assim, esta primeira causa, se intencional, determinaria para si mesma certas finalidades a atingir, tal como o faz a mente humana.


Os devotos que assim raciocinam criaram para si próprios certos problemas ontológicos. Na verdade, estão dizendo, "Deus é a substância primária, na qual se diz que todas as coisas têm sua existência e, entretanto, também se diz que essas coisas são o cumprimento do Seu propósito". Logo, parece que, em determinado momento, as coisas que foi Sua intenção criar não eram da Sua substância. Evidentemente, algo que já é não teria necessidade de vir a ser. Será que Deus percebeu que Seu ser era incompleto ou imperfeito, e de que Ele precisaria tornar-se um ser com um objetivo e conceber um plano para superar tais condições? Aceitar tal raciocínio significaria que os propósitos ou finalidades Divinos, que Deus procurou, eram mais perfeitos em determinado momento do que Seu próprio Ser. Além disso, se Deus concebeu a falta de algo, de onde este viria se já não estava na substância do próprio Deus? Responder dizendo que Deus desenvolveu as finalidades que Ele percebeu da Sua própria natureza equivale a dizer que Deus era imperfeito e vinha evoluindo para a perfeição. Quando a religião oferece tal raciocínio, que garantias têm os mortais de que Deus não está ainda simplesmente evoluindo para a perfeição, e que portanto o Divino é agora imperfeito?


Para fazer face a esses problemas ontológicos, a religião criou um dualismo. Deus é um aspecto deste dualismo. Ele é absoluto, perfeito e completo em Si mesmo. Como Ele é concedido como uma mente, Ele também é onisciente. O outro aspecto é o mundo, isto é, todos os outros seres exceto Deus. Deus, como mente, atua sobre esta massa. Desenvolve e cria nela aquilo que serve à Sua própria vontade. Por meio deste raciocínio, a religião não resolveu os problemas que confrontava; em vez disso, criou outra tremenda brecha em seus argumentos. "Deus criou o ser", diz a religião. Assim, Deus criou algo menos perfeito que Ele próprio; pois embora este ser seja oriundo de Deus, a religião não admitirá que a matéria e as coisas de que nossa existência consiste sejam substância Divina.


O místico não pode aceitar um Deus pessoal. Ele não pode conceder a Divindade como de um ou outro sexo, nem possuidora de uma forma que seja compreensível para o homem, nem igual a qualquer coisa de que o homem tenha conhecimento. Para o místico, para Deus ser antropomorfo — isto e, ser feito a imagem do homem — equivale a dizer que a mente humana e finita é igual a uma realização que tudo abrange da natureza de Deus. Como é tão evidente que o homem ignora tantos dos aspectos do seu próprio ser, ele supor que tem o conhecimento completo da amplitude de Deus é, para o místico, um pensamento ímpio.


Além disso, raciocina o místico, pode Deus ser confinado pelos limites, pelas formas que a mente do homem é capaz de conceber? Para o místico, o universo e tudo o que existe tem de ser explicado ou como um fenômeno caprichoso e mecanicista, com uma ordem concebida pela mente do homem, ou como uma Inteligência Infinita, como causa originadora, com suas causas dependentes menores, que explica todas as coisas. Como o místico não é um agnóstico, aceita o princípio de uma causa inteligente, de uma Mente Divina, como força primária universal. Como supera ele as dificuldades que o devoto tem para explicar a relação entre uma mente-causa e o mundo físico?


Se Deus é mente, e portanto causativo, como se explica a matéria? Se a Mente Divina criou as substâncias grosseiras que os homens percebem e deram o nome de matéria, a partir de que esta mente as criou? Como, para o místico, a Mente Divina é um Ser Universal, ilimitado, que tudo abrange, não poderia haver nenhuma outra substância de onde ele pudesse criar propriedades físicas, matéria — e mesmo almas. Para o místico, uma crença de que o mundo físico, a substância material, foi gerada do nada, é incompatível com a natureza de Deus. Como Deus é tudo para o místico, não poderia haver qualquer condição ou estado negativo de nada em existência concomitantemente com Ele, ou além Dele. Se algo pode ser criado do nada, então o nada é alguma coisa. Se qualquer outra coisa existisse, então isso limitaria a natureza de Deus, pois pelo menos Deus não seria aquela coisa. Os fenômenos que os homens reconhecem como matéria, e que a ciência demonstra como tendo existência, devem, portanto, ter advindo de Deus, da Mente Divina. Se ela adveio de Deus, nunca foi realmente criada, pois teria sempre existido. Se esta Mente Divina constitui todas as realidades do universo, inclui tudo, ela deve ter existido sempre. Não poderia ter havido qualquer começo para a Mente Divina, pois de onde teria ela vindo? Como a Mente Divina é eterna, então o que é da sua natureza, ou as substâncias que fluem dela — realidades físicas, por exemplo — são igualmente eternas.


Logo, para o místico, a Mente Divina não criou a Terra, os mundos além, e todos os particulares materiais de que temos conhecimento. Sua essência, as radiações e energias de que são compostos são da natureza desta Inteligência Divina e sempre foram. Eles mudam, sim, tal como a própria mente está sempre ativa na mudança da consciência. Portanto, o verdadeiro místico é, decididamente, um panteísta; quer dizer, para ele Deus está em tudo, e em toda parte. Para o místico, a pedra, a árvore, o relâmpago, bem como o próprio homem, são parte de Deus. Estas coisas não são criações de Deus, são da natureza de Deus — a Mente Divina. Para o místico, isto simplifica um dos maiores problemas teológicos e filosóficos dos séculos — reconciliar o espiritual com o temporal. Como todas as coisas são partes da Mente Divina, não existe dificuldade em demonstrar uma relação entre duas condições que de ordinário são concebidas como diametralmente opostas. Por analogia, as trevas não são um estado positivo, como a luz o é; são apenas uma manifestação menor da luz.


Quer isto dizer que o místico tem a mesma adoração por uma árvore e uma montanha, por exemplo, que o devoto ortodoxo teria pelo seu Deus? O místico responde a esta pergunta indagando: "E onde está Deus?" Como Deus ou a Mente Divina, para o místico, é onipresente, a tudo permeia e está por toda parte, Deus, portanto, existe para ele em todas as coisas das quais ele tem consciência. Cada coisa que se manifesta o faz em virtude da inteligência de Deus, inteligência que constitui as propriedades da coisa que o homem percebe. O místico não vê um Deus remoto, numa região lendária, ou dentro dos limites de um templo ou de uma catedral ou num extremo do universo, mas, sim, em cada alento que aspira em seus pulmões, em cada pôr-do-sol e em cada ramo de flores.


Existe essa distinção — cada coisa que o místico percebe não é toda a Mente Divina, mas apenas uma das infinitas variedades de suas expressões. Por conseguinte, o místico não é aquele tipo de panteísta adorador da natureza. Como para o místico a Mente Divina tudo permeia, não há coisa única que represente toda a natureza Divina. Assim como a personalidade e as habilidades de um grande homem não podem ser conhecidas por qualquer uma das suas realizações isoladas, tampouco a Mente Divina pode ser concebida por um estudo de qualquer um dos seus múltiplos fenômenos. Como a Mente Divina tudo abrange, o místico compreende que sua devoção também tem de abranger tudo. Cada coisa da Natureza que o homem descobre é venerada pelo místico, como um membro, uma parte finita do infinito Ser Divino. Ele, portanto, não dedica seu amor espiritual a uma única coisa ou substância. Inversamente, nada, por piores que sejam seus efeitos sobre seu bem-estar, deve ser considerado inteiramente fora dos limites do Ser Divino.


Para os místicos de outrora, por duas razões Deus era considerado desconhecido. Primeira, a inteligência do homem era tão inferior que não lhe era possível compreender Deus em Sua inteireza ou realmente conhecer a Deus em qualquer sentido da palavra. Assim, o místico afirmava que o homem não deveria tentar usar o cérebro que era do corpo mortal para ponderar quanto à natureza de Deus ou tentar defini-Lo e dizer o que Ele é ou o que Ele não é, porque isto presumiria que a consciência do homem é capaz de abranger a idéia de Deus. Segunda, afirmava-se que o homem deve transcender e, mesmo, erguer-se acima do intelecto, porque o intelecto é do corpo; que se o homem ousa mesmo dizer que existe um Deus, está a sugerir que, intelectualmente, tem algum conhecimento da Sua existência.


O místico afirmava que o homem deve abandonar inteiramente qualquer tentativa de conhecer a Deus através da razão ou do intelecto; que ele deve, isto sim, entrar num estado de contemplação e meditação no qual liberte sua mente de qualquer concepção quanto ao que Deus é ou não é, e se permita ser absorvido no absoluto; isto é, na própria natureza de Deus. Quando for absorvido na natureza de Deus, ele terá uma sensação de serenidade e paz, e somente esta é a única realidade divina pela qual virá a sentir Deus e aproximar-se Dele. Quando dizemos que o homem tem de entrar num estado de contemplação e permitir que o eu seja absorvido, somos confrontados com o problema deste eu. O que é o eu? Qual é a sua conexão com a alma? Temos agora de examinar estas proposições.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

O monge e o guerreiro ou a teologia da guerra

O monge e o guerreiro ou a teologia da guerra









O Templo não tinha nada que ver com uma ordem religiosa normal. Os seus privilégios eram exorbitantes, quer se tratasse do poder de decisão, de organização, ou da criação de um potentado financeiro e económico, em sentido amplo. Os cavaleiros cultivavam a pobreza pessoal, mas a Ordem via serem-lhe conferidas todas as possibilidades para se tornar extremamente rica e, de certa forma, rica a expensas do resto da Igreja, dado que estava isenta de dízimo. Isto era justificado pela necessidade, para a Ordem, de manter um verdadeiro exército na Terra Santa, mas, ao mesmo tempo, o facto de ser uma ordem militar, com o que isso representa em termos de poderio, poderia


tornar esse um privilégio suplementar.






Aliás, isso levantava um problema terrível: não deveria considerar-se que existia incompatibilidade entre as funções de monge e as de soldado? Não deveria ver-se nas noções de procura da santidade e procura cavaleiresca duas éticas radicalmente opostas? Demurger escreve, a este propósito:


Para as conciliar, era necessária uma evolução espiritual considerável, a mesma, aliás, que permitiu a cruzada. A Igreja teve de modificar a sua concepção da teologia da guerra. Teve de aceitar a cavalaria e arranjar-lhe um lugar na sociedade cristã, na ordem do


mundo desejada por Deus.






O cristianismo primitivo é representado amiúde como condenando toda a guerra e toda a violência. Preconizava, como única resposta, o amor e apenas o amor, mesmo em caso de agressão. Segundo Mateus, quando Pedro puxou da espada para cortar a orelha do criado do Grão-Sacerdote, não lhe disse Cristo: «Embainha a tua espada, porque aqueles que matam com a espada morrerão pela espada»?










Numa abordagem destas, não há lugar para a batalha, mesmo de modo defensivo. Mas as coisas não são assim tão simples. Em primeiro lugar, a censura feita a Pedro é relatada de uma forma muito diferente pelos


outros evangelistas. Marcos não relata esta frase e Lucas contenta-se com pôr Jesus a dizer: «Basta» e com fazê-lo curar a orelha ferida.


Quanto a São João, atribui a Jesus esta reflexão: «Embainha a tua espada. Não beberei eu o cálice que o meu Pai me deu?», o que é o sinal da aceitação do seu destino, por Cristo, da sua submissão ao necessário sacrifício, e não de uma censura a São Pedro. Por outro


lado, noutra ocasião, o próprio Mateus refere uma outra palavra de Cristo: Não julgueis que vim trazer a paz à Terra; não vim trazer a paz, mas sim a espada.


Do mesmo modo, encontramos no evangelho apócrifo de São Tomás:Por certo que os homens pensam que vim para lançar a paz sobre o Universo. Mas eles não sabem que vim para lançar, sobre a Terra, as discórdias, o fogo, a espada, a guerra.










Paul du Breuil vê aí uma alusão de Cristo à extrema subversão de toda a verdade.


Os teólogos não estavam, pois, desprovidos de recursos para justificar actos guerreiros. No entanto, era necessário escorar, mediante uma verdadeira teologia da guerra, escolhas que teriam podido lançar a


perturbação nos espíritos. Evitou-se, portanto, considerar o fenômeno em si mesmo, para, atribuindo apenas interesse às suas razões, se chegar a uma noção de guerra justa. Bater-se para se apoderar das


riquezas de outrem ou por simples bravata não podia ser admitido, mas bater-se para se defender ou salvar os seus, para manter o direito e a ordem, tornou-se legítimo, desde que todos os outros métodos estivessem esgotados.










Santo Agostinho foi, sem dúvida, o primeiro a elaborar uma teologia da guerra justa:


São chamadas justas todas as guerras que vingam as injustiças, quando um povo e um Estado, a quem a guerra deve ser feita, descurou de punir os delitos dos seus ou de restituir o que foi roubado por meio dessas


injustiças.


Escrevia também: O soldado que mata o inimigo, tal como o juiz ou o carrasco que executam o criminoso, em meu entender, não pecam, porque, ao agirem


assim, obedecem à lei. Santo Agostinho dizia também: «Devemos querer a paz e fazer apenas a guerra por necessidade, porque não procuramos a paz para preparar a guerra, mas fazemos a guerra para obter a paz. Sede, pois, pacíficos, mesmo ao combaterdes, a fim de trazerdes, pela vitória, aqueles que combateis à felicidade da paz.»






Demurger assinala que, no século VIII, Santo Isidoro de Sevilha acrescentou, a esta definição, uma precisão capital:É justa a guerra que é feita após advertência para recuperar bens ou para repelir inimigos.


Isto irá permitir justificar as cruzadas, enquanto recuperação dos lugares santos. Era preciso, a todo o preço, mesmo que fosse o de uma guerra, manter na terra a ordem desejada por Deus. Recusar a violência


teria tido como consequência um recuo do cristianismo e teria feito o jogo do demónio, entregando-lhe populações cujas almas se teriam perdido. A partir de então, passou-se rapidamente da noção de guerra


justa à de guerra santa. Tratava-se de defender o único Deus verdadeiro e a fé do seu povo.






O guerreiro batia-se por Cristo, defendendo o cristão contra o infiel. Devia até permitir que os povos pudessem receber o ensinamento da «verdadeira fé» e converter-se, uma vez destruído o poder dos seus antigos amos.
A HISTÓRIA DOS TEMPLÁRIOS




Quem eram os Templários?



Quem, ou o que, estava por trás de seu poder e êxito? O que causou sua ruína?






AS CRUZADAS



Para entrar na história dos Templários devemos começar com uma análise das Cruzadas, excursões militares que foram apresentadas na época com objetivos essencialmente religiosos, mas na verdade procuravam estabelecer uma rota comercial segura para o Oriente Médio com bases ocidentais, garantindo o fornecimento dos produtos orientais para um mercado europeu crescente. Os mercadores de Veneza tinham criado um centro comercial que durante séculos liderou os demais centros europeus. No início eram pescadores, mas logo começaram a comercializar seu sal, indo com o produto até o Islã e Bizâncio, onde intercambiavam madeira, armas e escravos pelos produtos orientais que revendiam na Europa com excelentes lucros. Mas as dificuldades destes audaciosos mercadores enfrentavam eram muitas, incluindo os piratas que infestavam o Mediterrâneo e o fato de não contarem com depósitos e postos de abastecimento no Oriente.



Foi fácil para os mercadores incentivarem expedições militares, explorando as desventuras dos fiéis que desde o século IV peregrinavam a Jerusalém. No século VII, Roma tinha estabelecido as peregrinações entre as penitências canônicas, aumentando o fluxo de peregrinos. Surge mais um problema com o aumento dos turcos seldjúquidas que chegam em 1095 até as portas de Constantinopla, com grande ameaça para Europa.



A Europa começou a levar muito a sério a criação de uma expedição punitiva para recuperar os Santos Lugares, que receberia o nome de I Cruzada. Nos fins do século XI o Papa Urbano II dirigiu-se ao sul da França onde estava reunido o Concílio de Clermont, lançando um veemente apelo aos cristãos presentes, (ano 1095) aos que juraram colocar suas armas e suas vidas à serviço da Igreja na luta contra os infiéis, com o grito de “Deus o quer”. Entre os anos 1096 e 1270 houve 8 Cruzadas oficiais, e no decorrer delas o mundo ocidental percebeu que era necessário criar grupos paramilitares para exercer funções de apoio, tais como policiamento, preservação da fé cristã,

atendimento médico, organização jurídica das terras conquistadas, etc.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

A VIDA MÍSTICA

A VIDA MÍSTICA




No mundo das máquinas, diz-se que a eficiência implica na coordenação de todas as partes de uma máquina para alguma finalidade válida. Uma máquina complexa e eficiente, consistindo de engrenagens, eixos, êmbolos e rodas motrizes, tem de ter cada uma destas peças não só para funcionar ou estar em movimento, como também elas têm de concorrer para a finalidade para a qual a máquina foi criada. A eficiência desta consiste em cada parte contribuir para o todo, fazer algo para que a máquina cumpra sua finalidade; do contrário, se a máquina simplesmente funciona, se, apenas, opera e nada realiza, torna-se fruto do desperdício da energia da mente do projetista e de todas as mentes que contribuíram para a sua construção. E, também, desperdício de material valioso do qual se compõe.

Pois bem, se isto é válido no mundo das máquinas, o é muito mais em nossa vida individual. Portanto, na vida, a eficiência consiste da aplicação de nossa existência a algum propósito Cósmico que a justifique. Presumindo que cada um de nós é uma máquina, não basta que sejamos máquinas saudáveis ou que organicamente nossa função seja correta, ou que tenhamos e mantenhamos bastante energia e vitalidade (ou vigor, como se diz normalmente), mas que todas estas coisas sejam usadas para uma missão, para a finalidade para a qual fomos individualmente criados.

Por conseguinte, um aspecto da vida, e que é ignorado pela maioria das pessoas, é a vida mística. A vida mística proporciona a razão por que vivemos. A vida mística determina a causa da nossa existência individual e o uso que deveríamos dar ao nosso corpo e à nossa vitalidade e magnetismo animais. A vida mística, como a vida física, requer certo preparo. Se temos de estudar as regras da alimentação, se temos de estudar higiene, se temos de saber os rudimentos da boa saúde para sermos saudáveis e fisicamente normais, por certo, também, deveríamos dar alguma atenção e consideração ao lado místico de nossa existência. Também temos de nos preparar para ele de um modo inteligente.

Talvez o primeiro requisito no preparo para a vida mística seja abandonar todas as concepções populares sobre o que um místico deveria ser. O místico não é uma pessoa que se enquadre num padrão objetivo. Ele não tem um tipo determinado; isto é, não tem uma figura característica, como Papai Noel. O místico é aquele que adota determinada atitude mental. Como todo aquele que tem um ideal nobre, ele nem sempre o indica em si.

O místico é um homem — isto é, pertence à espécie Homo sapiens — como todos nós. Por conseguinte, é muitíssimo mortal, sujeito, às vezes, a todas as fraquezas e tentações de um ser humano. Tem, naturalmente, todas as variações físicas encontradas em qualquer ser, em meio à multidão que passa. Além disso, a vida mística não tem raízes raciais. O sangue asiático não pode produzir místicos maiores do que o pode o sangue que corre nas veias de um ocidental. É igualmente uma ilusão imaginar que a localização geográfica estimula a atitude mística da mente. Não existe atmosfera especial no Tibete, no Egito, na China ou na índia, capaz de impregnar de atributos místicos todos os que simplesmente lá residem.

Como o ouro, os elementos do misticismo estão onde quer que os encontremos — isto é, onde quer que os sintamos.

É bom acrescentar que os atributos do misticismo não são necessariamente herdados. As qualidades fundamentais estão latentes em todo indivíduo — em algumas pessoas elas podem produzir um fanático ortodoxo, insensível, na realidade, às doutrinas do misticismo. A compreensão um tanto singular da vida, que se diz que um místico tem, não é um dom Cósmico.

Em linguagem simples, a atitude mística da mente (que é mostrada) não é uma concepção Divina. O místico é uma pessoa que evoluiu; ele deve usar as faculdades que possui, despertando suas qualidades latentes, e dirigi-las para o canal que constitui a atitude mística da mente. Ã interpretação mística da vida não é um manto misterioso que baixa sobre um indivíduo e o distingue, propositadamente, dos outros homens.

Portanto, ao abraçarmos voluntariamente a vida mística, primeiro é necessário livrar nossa mente de todos os preconceitos e predisposições, das opiniões que formamos, das conclusões a que chegamos arbitrariamente, e especialmente do que ouvimos dizer. Temos de nos despir mentalmente, livrarmo-nos com firmeza do manto no qual nos envolvemos inconscientemente, por força do hábito, a cada ano que passa. Temos de libertar nossa mente de todos esses empecilhos e estar preparados para aceitar somente aquelas coisas que, como disse o famoso filósofo Descartes, despertam dentro de nós a sua aceitação intuitiva, uma sensação de que são verdades e que constituem conhecimento real.

Francis Bacon, eminente filósofo e, poderíamos dizer, o pai do nosso atual método científico, adotava esse método para chegar a fatos científicos. Declarou, certa vez, que o homem deveria despojar sua mente de todos os ídolos; das coisas que construímos erroneamente em nossa mente pela imaginação, pela suposição; libertar-se dos ídolos da tradição, das coisas que aceitamos porque nos foram transmitidas, ou porque têm simplesmente a autoridade da idade para apoiá-las. Temos de abordar a vida como se saíssemos pela primeira vez de uma sala escura para outra, iluminada, sem qualquer antecipação ou expectativa sobre o que iremos ver ou ouvir e, então, submeter cada experiência à nossa própria análise, sem colori-las com a análise alheia. Aquele que realmente deseja abordar a vida mística de um modo franco, na esperança de então ser capaz de governar-se adequadamente, não pode ser um covarde. Não deve temer a opinião pública; nem, tampouco, hesitar em combater ou desafiar a tradição.

Você já parou para pensar sobre o verdadeiro valor ou mérito da tradição? Quando se constitui um benefício para o homem e quando é para ele um estorvo? As tradições são como os degraus de uma escada. Representam a elevação do homem. Destinam-se a impedir que ele entre em decadência, mas não se destinam a detê-lo. Sempre que a tradição o mantém preso, de modo que o impeça de guindar-se ao degrau seguinte, transforma-se, então, num estorvo. Deveríamos encarar as tradições como sinais de encorajamento; deveríamos encontrar nelas uma satisfação devido ao progresso que o homem tem feito. Deveríamos tirar da tradição o melhor que ela tem a oferecer, e construir sobre ela. Por conseguinte, é necessário que cada um de nós tome as tradições da época e as submeta a um exame pessoal para verificar, no que nos diz respeito, por que é necessário que elas sejam mantidas. Se pudermos aperfeiçoar as tradições, deveremos fazê-lo. Se não pudermos, não devemos abandoná-las, a menos que se demonstre que elas não têm mais valor algum.

O ser humano é dotado de raciocínio, uma faculdade também encontrada em animais inferiores, e temos de empregar este poder. Não devemos ser como crianças e aceitar condições e circunstâncias, apenas, com base na fé; temos de ponderá-las. O homem ou a mulher que não emprega este poder da razão não progrediu além do nível da criança que foi. Na verdade, é seguro dizer que tais pessoas não evoluíram mais que um chimpanzé, que reage instintivamente ao seu ambiente tal como uma criança o faz, sem saber por que o faz, ou sem sequer estar preocupado com a razão pela qual o faz.

Em nossas considerações da vida mística, temos de começar com o homem, simplesmente porque não existe nada mais familiar, nada com o qual estejamos mais estreitamente relacionados, nada que possamos sentir ou analisar tão intensamente, tão atentamente, quanto nós próprios. Por que começar com uma análise ou um exame do universo que o cerca? Com os planetas no alto, ou outros corpos cósmicos, com as leis universais, ou com a realidade em geral? Afinal de contas, todas as coisas fora de nós mesmos são medidas em termos do seu valor ou relação conosco. As coisas que você vê, ouve, sente, saboreia e cheira podem ter existência fora de você mesmo, mas a forma como elas são percebidas e a maneira como você reage a elas dependem da sua interpretação das mesmas e das suas qualidades sensoriais. Portanto, já que você mede essas coisas que estão fora de si, em termos pessoais, é melhor começar por você mesmo.

Ao começar com o homem, você deve compreender que não só o homem é Divino. De uma certa forma, é lamentável que quase todas as religiões e filosofias tenham criado, com tanto vigor, a impressão da natureza Divina do homem que, na mente de muita gente hoje em dia, se robusteceu a idéia de que todas as coisas que não sejam o que elas chamam de a alma do homem são declaradas vulgares, praticamente indignas da consideração, exceto na medida em que precisamos delas para nossa existência. Mas tal conceito é uma injustiça para com a Inteligência Infinita que a tudo concebeu. Em primeiro lugar, deve-se concluir e compreender que, a profusão de coisas que existem à parte do que é declarado como sendo a alma do homem, não é criação do homem, e não é o resultado do esforço da sua mente. Por conseguinte, elas devem necessariamente ser originárias da mesma Fonte, aquela mesma Fonte Infinita de onde advêm todas as coisas. Portanto, tudo o que conhecemos vem, de acordo com este raciocínio, de uma Fonte Divina.

Também é lamentável que algumas pessoas se refiram aos atos dos animais e de alguns tipos de seres humanos, como sendo ímpios. Em cada coisa que existe foi instalada uma função, e, enquanto tenha esse tipo específico de existência em seu processo de desenvolvimento, aquela função lhe é natural e não é ímpia. Podemos censurar ou condenar um povo bárbaro ao esquecimento porque ele se comporta de acordo com a inteligência que lhe é própria? Deve ele ser considerado de natureza Divina porque não tem a capacidade de distinguir entre o certo e o errado que concebemos em virtude de uma inteligência maior e de um estado mais adiantado? Gostaríamos de ser considerados vulgares e ímpios por uma civilização daqui a mil anos, porque nossos atos de hoje estarão aquém das suas realizações? Não nos justificaríamos dizendo que agimos de acordo com o melhor do que se compunha a nossa natureza e do que constituía nossa inteligência anterior? Ser algum é ímpio, a menos que se possa mostrar que ele age erroneamente, tendo a capacidade de determinar a diferença entre o certo e o errado, portanto, cada classe de gente, hoje em dia, cada raça de pessoas, tem de ser medida pelo seu estado de adiantamento e ser considerada culpada somente com base nessa medição.

Um dos filósofos neoplatônicos (filósofos místicos medievais), anteriores ao Renascimento, declarou que o homem foi dotado de vontade somente para que pudesse escolher o curso certo de ação, para que pudesse seguir o que compreende ser certo e bom. O homem só é considerado culpado quando dirige aquela vontade em oposição à sua compreensão do que é bom e do que é errado.

Assim, quando abordamos a vida mística e começamos com o homem, encaramos todas as coisas como Divinas, porque elas emanam da mesma fonte, e nenhum ser é ímpio, a menos que estejamos numa posição de mostrar que ele dirigiu sua vontade em oposição àquilo que sabe ser melhor e correto.

De acordo com o misticismo islamítico, ou o misticismo dos maometanos — que, coincidentemente, é um sistema de instrução altamente organizado e inspirador — há três estágios de vida mística. Certos aspectos são velados no começo e no meio. No período inicial, as coisas externas, as coisas do mundo e os interesses temporais de tal forma ocupam a consciência, de acordo com o misticismo islâmico, que o sentido interior, ou Deus, é velado à consciência. O homem tem então pouco interesse pelos valores espirituais dos impulsos Divinos. Mais tarde, no período intermediário da existência, ocorre uma transição. O mundo torna-se velado porque o homem tem um despertar repentino. Passa a ter percepção da sua natureza espiritual, e tem tal prazer nisso que adapta todo o seu pensamento e sua vida de acordo com esse sentimento. Ele tende a descuidar-se da vida prática, da realidade do mundo cotidiano e, assim, o véu cai novamente diante de sua consciência. Este período intermediário da vida mística é chamado, pelos místicos islamitas, de período de arrebatamento ou de embriaguez. É um período de êxtases espirituais, de inspiração Divina, quando a consciência ganha asas e transcende todos os interesses mundanos, às vezes em detrimento do seu bem-estar.

Contudo, no estágio final da vida mística, as coisas criadas, as coisas do mundo, não mais ocultam Deus da consciência do místico. Ele está bastante cônscio da natureza de Deus, mas também sua percepção de Deus não mais oculta sua consciência das coisas terrenas. Deus é visto como o criador, e o universo, como coisa criada. Em outras palavras, no estágio final da vida do místico dá-se um equilíbrio e o homem tem igual apreciação da lei e da manifestação da lei. Este estado final da vida mística é adequadamente chamado de sobriedade pelos místicos islâmicos. É a sobriedade da compreensão, a temperança da compreensão. Não é nem a consciência objetiva extrema nem a Consciência Divina extrema.

O misticismo tradicional pode ser reduzido a estes princípios fundamentais: a alma é o eu espiritual do homem; a alma é parte de uma alma universal, uma alma que penetra todo o universo. Essa alma é Deus. O mundo material e o corpo físico são o lado negativo desta alma absoluta e positiva, ou Deus, que permeia o universo — uma espécie de imperfeição, um afastamento da bondade; e quando a alma está contida numa forma física ou corpo, o homem como uma unidade de alma e corpo não é perfeito. O corpo, o material, tem de ser harmonizado com a alma, o imaterial. O homem será confinado num corpo, em várias vidas, enquanto permitir que as tentações, os desejos e apetites dominem sua natureza. Deve, ao contrário, esforçar-se por superá-las, suprimi-las, dar-se inteiramente àqueles impulsos espirituais que existem em sua própria natureza; esses impulsos são os ditames da consciência que encontra sua expressão na conduta ética, moral e religiosa.

O misticismo moderno, que é baseado nestes velhos princípios fundamentais, não declara que o corpo material e o mundo físico e terreno não tenham* base ou existência, que sejam produtos da imaginação, não-seres, ou malignos. Declara, sim, que não são dignos de confiança e que não podemos perceber sua verdadeira natureza. Por mudarem constantemente, assim como os sentidos do homem, amanhã podem não ser como os percebemos hoje. Portanto, não se deve dar crédito às suas manifestações. Entretanto, o misticismo moderno os reconhece como parte do plano universal, mas imperfeitos - isto é, menos amplos em contraste com a mente ou a inteligência de Deus, o Absoluto.

Recomenda-se um estudo e um exame deste mundo material e terreno, de modo que o homem possa tentar, dentro do seu poder limitado, regulá-lo, impedir que ele o controle ou domine. O misticismo recomenda estudo e aprendizado intensivos, de modo que o homem possa conhecer a relação desta fase terrena, material e imperfeita com o absoluto perfeito, ou Deus. Assim, o misticismo moderno declara que, na realidade, existe uma dualidade no universo, mas que, em essência, ele é UM. Todas as coisas são desse UM, embora existam diferentes estágios de perfeição. O mundo material e suas manifestações não são considerados tão perfeitos quanto o mundo espiritual, mas dele fazem parte. A dualidade entra na concepção, declarando, por um lado, que a alma, uma parte do todo absoluto, é boa, e que tudo o mais, em contraste, muito embora dele faça parte, é por graus escalonados, menos perfeito.

Portanto, cabe ao indivíduo, que se declara um estudioso do misticismo moderno e aspirante à vida mística, fazer análise muito meticulosa de termos e assuntos como: o absoluto, o espiritual, o ser, o reino material, o livre arbítrio, e a atitude científica do espírito. Estes fundamentos, e alguns mais como eles, são as pedras fundamentais da sua filosofia se pretender tornar-se filósofo místico. Aquele que tem um conhecimento profundo destes fundamentos não terá dificuldade em, de modo racional, agrupá-los e reagrupá-los num sistema que o ajudará a atingir seu objetivo. Supomos que esse objetivo seja aquela satisfação íntima e harmonização que os verdadeiros místicos declaram constituir "um sentido de Deus".