MEDITAÇÃO
John Locke, filósofo inglês do século XVII, em sua Teoria do Conhecimento, disse que a compreensão, como o olho, vê e percebe todas as coisas, mas não se dá conta da sua própria existência. Queria com isto dizer que nossa consciência objetiva, nossa mente objetiva, está sempre mais interessada em discernir coisas em torno de nós, em examinar o mundo em que vivemos e ponderar sobre nossa relação com ele, do que em analisar o ego, o eu, por si mesmo. Se temos de olhar no espelho para nos vermos objetivamente, fisicamente, é também importante voltar esta consciência para si mesma, introvertê-la, de modo que possamos conhecer os sentimentos, as sensações ou impulsos do eu interior ou psíquico. A essa auto-analise, essa compreensão da compreensão, pode dar-se o nome de arte da meditação, uma arte antiga e verdadeiramente mística.
Em suma, para definir a arte da meditação, podemos dizer que ela é um estado de harmonização; um estado de comunicação entre duas consciências — a consciência objetiva ou o eu exterior, e a consciência subjetiva, ou, digamos, o eu psíquico.
É importante que se faça uma distinção entre concentração e meditação. Muitos estudantes superficiais confundem as duas e as alternam e, desse modo, não são bem sucedidos nem em uma nem na outra, pois não se pode pensar que direita e esquerda sejam a mesma direção e que uma ou outra está indo no caminho certo. Psicologicamente, a concentração é a focalização dos poderes da nossa mente e da sensibilidade da nossa consciência sobre impressões que nos chegam de um modo distinto. Objetivamente, a cada minuto do dia permitimos que nossa consciência se desloque das impressões e experiências de um sentido para as de outro. Em outras palavras, estamos continuamente vendo, ou ouvindo, ou cheirando etc. Às vezes, acreditamos estar fazendo várias destas coisas ou todas ao mesmo tempo. Isto se deve apenas à nossa capacidade de passar rapidamente de uma série de impressões para outra.
Na concentração objetiva sobre alguma coisa concedemos as impressões de apenas metade de nós mesmos — metade da consciência de que somos capazes. Permitimos que atue sobre nós apenas uma porção daquilo que pode mover nosso ser. Na meditação, começamos com uma idéia definida, algo sobre o qual desejamos mais iluminação, que se destaque mais claramente na luz. Mas, na meditação, a consciência não é dirigida por apenas um canal, para alcançar aquela iluminação. Meditar não é apenas olhar e ouvir. Na verdade, na meditação permanecemos passivos e permitimos que todas as impressões interiores e externas se reúnam na nossa consciência e ampliem a idéia que temos. Meditar é como entrar num grande salão de assembléias. Entramos com a finalidade de presenciar alguma função que deve realizar-se ali. Há muitas portas que conduzem ao palco ou à platéia daquele salão. Os atores podem entrar por uma ou por várias das portas do salão. Ignoramos por qual delas entrarão; portanto, não nos concentramos em nenhuma porta isoladamente. Permanecemos relaxados e aguardamos que eles apareçam, para que possamos testemunhar com compreensão o que ocorre. Às portas que conduzem ao salão podemos chamar de portas da memória, das experiências objetivas, da intuição, e porta da consciência Cósmica. A meditação, repetimos, é um estado receptivo passivo, em oposição ao estado dinâmico da concentração, no qual nos estendemos através de um canal na tentativa de trazer algo para nós.
A pessoa se prepara para as experiências da meditação por meio de ritos simples, mas importantes. O primeiro é o antigo rito da lustração — ou purificação. Nossa consciência não deve ser dominada, nesse momento, pelas lembranças da memória. Ademais, não devemos permitir que suas emoções e apetites gerem formas mentais, idéias irrelevantes, que coibirão nossa consciência e interferirão na ascensão desta para o âmbito do eu. Como símbolo desta pureza mental, é melhor primeiro lavar as mãos e o rosto em água pura e fria, e então começar a purificação mental verdadeira. Ponhamos deliberadamente em evidência na mente personalidades, incidentes e acontecimentos que nos possam ter levado a ter sentimentos passíveis de serem interpretados como inveja, ciúme, e emoções como raiva e ódio. Logo devemos aliviá-los deliberadamente, substituindo-os por uma sensação de compreensão, isto é, procuremos entender as fraquezas da natureza humana que as possam ter causado — as nossas bem como as de outros. Permitamos que a compaixão e o perdão substituam a animosidade.
Não concordo com os textos líricos e clássicos, que dizem que devemos amar aqueles que nos magoaram profundamente. Isso é quase impossível para o místico neófito. Qualquer insistência para que a pessoa tenha tal pensamento seria tentar o psicologicamente impossível e poderia, até mesmo, criar uma atitude de auto-engano, ou melhor, uma hipocrisia desprezível. É mais fácil, quando queremos livrar-nos de experiências passadas, substituí-las por um sentimento de tolerância — tolerância para com aqueles que imaginamos nos terem magoado, ou que realmente nos possam ter feito isto. Uma vez gerado este sentimento — isto é, a tolerância —, eliminemos da mente todos os outros pensamentos, e ter-nos-emos purificado mental e espiritualmente. Em outras palavras, teremos realizado interiormente o rito da lustração.
A meditação requer que se elimine a distração. Temos de estar o mais livre possível de interferência, se quisermos alcançar essa harmonização. Se vamos realizar essa comunicação entre os dois eus, a mente objetiva não deve ser distraída de modo algum por sons ou visões ou coisas que a ocupem ou coíbam. Se desejamos fazer uma importante conversação telefônica na qual todas as palavras que dizemos são importantes, ou acreditamos que o sejam, e todas as palavras da pessoa no outro lado da linha lhe serão importantes, devemos estar certos de que não haverá interrupção alguma. Possivelmente, em condições extremas, poderíamos realizar a conversa no meio de grande atividade e barulho, mas procuraríamos evitar tais circunstâncias. Tentaríamos encontrar um lugar tranqüilo, pelo menos uma cabina telefônica, para estabelecermos a condição necessária, onde tudo o mais seria excluído, exceto o que estaríamos dizendo e o que a outra pessoa teria a dizer. Assim, a exclusão é necessária na arte da meditação. É uma condição de recolhimento.
Além disso, um ambiente harmonioso também é necessário. Não basta, apenas, estar sozinho num quarto. Esse aposento tem de produzir uma atmosfera acolhedora. Não deve haver perturbações físicas de qualquer espécie; por exemplo, a temperatura ambiente não deve ser extrema em qualquer sentido, nem quente nem fria demais. Os objetos da sala ou as coisas nas paredes, caso as vejamos, devem sugerir lembranças ou sentimentos agradáveis — coisas que nos ponham à vontade e nos dêem certa dose de tranqüilidade. Não deve haver ruídos externos que cheguem a nós, nem mudanças de luz. Por exemplo, não é aconselhável que exista um grande letreiro luminoso piscando do lado da fora da janela ou do outro lado da rua, porque, muito embora nossos olhos estejam fechados, essas mudanças nos valores da luz podem ser perceptíveis e farão com que nossa consciência se divida, o que afetará nossa comunhão com o seu eu interior.
A etapa seguinte, na arte da meditação, é entrar nesse estado com algum problema ou algum desejo definido em mente, uma idéia correta do que esperamos realizar através da comunhão, ou um pedido que desejemos fazer. Devemos ser sinceros em nosso desejo, nosso pedido, ou em nosso problema. Ele deve ser algo que acreditamos não poder realizar ou encontrar a resposta objetivamente. A solicitação não deve ser feita em forma de desafio, porque o eu psíquico, a inteligência do espírito Divino residente no nosso íntimo, não precisa demonstrar sua capacidade, seu poder de realização, ao frívolo eu objetivo. Ele pode fazer e fará coisas miraculosas, mas não tem de prová-lo ao outro eu, e se adotarmos essa atitude, só obteremos fracasso. Quando entramos numa cabina telefônica, ou quando pegamos o fone em nossa casa ou num escritório para fazer um chamado, não discamos apenas para ver se o telefone funciona ou se a pessoa está em casa, e sim porque desejamos estabelecer contato com aquela pessoa, transmitir-lhe nossa idéia, ou pedir certa informação. Por conseguinte, quando entramos no estado de meditação, devemcs fazê-lo com idêntico propósito — com a finalidade de estabelecer o contato, para a aquisição de informação valiosa.
Não é necessário falar em voz alta, fazer um pedido vocativo. Podemos expressar nosso desejo silenciosamente para nós mesmos, mas com igual vigor. Devemos visualizar as palavras; mantê-las diante da nossa mente, de modo que cada palavra pareça composta de letras luminosas, e que não vejamos nem estejamos conscientes de nenhuma outra coisa no quarto, exceto da nossas palavras. Então, mergulhemos no que se conhece como estado de abstração; esqueçamos nosso ambiente; apenas atenhamo-nos ao significado da pergunta, à natureza do nosso pedido. É necessário que se compreenda plenamente e sinta emocionalmente o que estamos pedindo ou o que constitui o problema. Se não sabemos o que estamos pedindo, ou não temos certeza a respeito dele, não podemos esperar nenhuma resposta ou consideração do eu psíquico.
Quando nos absorvemos nesse estado e não resta mais nada exceto nós mesmos, nosso problema ou nosso pedido, e nossa consciência do eu interior, estamos aptos a obter uma avaliação intuitiva do que estamos buscando. É possível que de repente, nos sintamos mortificados ou envergonhados por termos feito o pedido e, concomitantemente com a sensação de mortificação, compreendamos que o pedido ou o problema é egoísta, ou que ele é cobiçoso, ou que é algo pelo qual só nós nos beneficiamos e, talvez, à custa de outros, e que jamais deveríamos ter consultado o eu interior. Sentir-nos-emos contritos e arrependidos. Talvez até reconheçamos que há uma atitude de maldade ou vingança bem no fundo do pedido ou do problema. Quando tal avaliação intuitiva do nosso motivo ocorrer, abandonemos imediatamente, por algum tempo, qualquer outra comunhão com o eu psíquico. Ademais — e isto é muito importante — abandonemos aquele problema ou questão, desejo ou pedido que levamos à atenção do eu psíquico, pois fomos advertidos de que tínhamos uma atitude imprópria.
Por outro lado, se nosso motivo estava certo, assim como nosso procedimento no desenvolvimento da arte da meditação, podemos ter um lampejo intuitivo — numa questão de minutos — de uma palavra ou idéia, que nos virá, como uma solução completa ou como uma resposta completa. Ela será convincente. Não precisaremos raciocinar a respeito; nem analisá-la. Saberemos intimamente que ela é a resposta certa: aquela que necessitávamos ou que procurávamos. Não virá acompanhada de nenhum comando. Nada nos dirá para fazer isto ou para ir ali ou acolá. Todo o problema — se se tratar de um problema — será resolvido, ou a resposta será tão clara que saberemos ser a certa. Por exemplo, vamos supor que nosso problema era: "Qual é a resposta para dois mais dois?" Se formos bem sucedidos na arte de meditar, de repente lampejará na nossa consciência ou o número quatro, que visualizaremos como uma imagem, ou a palavra interior quatro. Não teremos de recorrer a qualquer cálculo matemático para prová-lo ou justificá-lo. Saberemos que está certo devido a determinada resposta emocional que acompanhará a experiência. Sentir-nos-emos satisfeitos; haverá uma sensação de felicidade, uma titilação no plexo solar — isto é, uma espécie de calor, uma excitação, uma emoção viva. Haverá uma tranqüilidade na mente, uma sensação de alívio, a confiança que resulta do conhecimento e da convicção.
Talvez realizemos essas etapas na arte da meditação com precisão, ou com o que nos parece ser o melhor da nossa capacidade e, entretanto, não obtenhamos resultados. O fracasso pede ser conseqüência de várias causas, pois na arte da meditação o insucesso se deve particularmente a três coisas: a dúvida, em primeiro lugar. Se duvidamos que nosso problema profundo, a situação séria que estamos levando ao eu psíquico, possa ser repentina ou facilmente resolvida pela Mente Divina em nosso interior, se nos mostramos céticos quanto às respostas sobre algo a que dedicamos anteriormente longas horas de estudo e investigação, sem quaisquer resultados através desse método, então fracassaremos. Segundo, se nos mostramos excessivamente ansiosos, se tentamos apressar a comunhão, dirigir o eu interior no sentido do que desejamos dizer-lhe, o que deve fazer e como conseguir os resultados que desejamos, também fracassaremos. Terceira, se nosso problema é por demais complexo, se não separamos as partes integrantes do que se compõe e apresentamos uma parte de cada vez ao eu psíquico, fracassaremos. Estaremos pedindo demais de uma só vez.
Vamos supor que tenhamos obtido êxito, que obtivemos da fonte do conhecimento interior a resposta, a idéia ou a solução essencial. Agora temos de aplicar os atributos físicos do nosso ser. Temos de usar a energia do nosso corpo sadio e da mente objetiva para pôr a idéia que nos foi inspirada em ação — temos que começar a fazer algo a respeito. Podemos ter apresentado um problema de negócios ao Ser Divino. Este pode nos ter esboçado um curso de ação, mas temos de pô-lo em prática. Portanto , os dois — o lado físico, a manutenção adequada do corpo e da mente objetiva, e a vida e prática místicas — são necessários para a ciência completa do viver místico.
A meditação Cósmica não é uma fuga e sim um recurso a uma fonte de sabedoria. Ela resulta num influxo espiritual cujos resultados a mente objetiva pode transformar em procedimentos, em modos úteis de vida. O que o místico recebe através de tal meditação, tem de transmitir à Humanidade; isso se faz transmutando-se essas experiências em realidades materiais, conhecimento objetivo, de que os outros possam desfrutar. Tais revelações não são de posse exclusiva do místico, para serem arquivadas como simples parte de uma coleção das suas experiências meditativas. Ele tem de usá-las para ajudar outros em seu mundo de negócios, profissionais ou sociais. Deste modo, transmite-se à Humanidade o que se recebeu. A inspiração assim recebida pode manifestar-se, por exemplo, na concepção e na execução perfeita de magníficas obras de arte, em brilhantes feitos científicos através dos quais se utilizem mais amplamente as leis da natureza objetivando a evolução mental, cultural e espiritual do homem.
Resta o fato de muitas pessoas serem realmente místicas e alcançarem tal poder de introvisão mística por processo semelhante ao aqui exposto, sem se aperceberem, no entanto, de que o são. Em outras palavras, não se concebem místicas e não percebem que praticam a introvisão mística. Com muita freqüência, tais pessoas entram em isolamento, isto é, talvez se recolham a um canto calmo do seu aposento ou estúdio, relaxando-se na sua poltrona favorita. Em silêncio e sem a formalidade de uma forma fixa, agradecem os muitos benefícios recebidos, embora estes possam ter sido de pouca importância. Similarmente, esperam que, por estarem vivas de alguma maneira, venham a ser instrumento pelo qual o mundo possa tornar-se melhor. E, deste modo, se põem a serviço da Humanidade. Com essa atitude mental relaxada, realizam, inconscientemente, o rito da lustração e se harmonizam com o eu e o Cósmico. Têm, então, o que lhes parece ser uma grande inspiração, uma intuição, uma idéia notável que não parece vir de parte alguma. Como resultado, seu coração se rejubila. Mostram-se entusiásticas e satisfeitas. Sua mente objetiva, mais tarde, torna-se extremamente alerta e facilmente materializa a idéia. Viveram a verdadeira meditação mística.
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