Krak dos Cavaleiros

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

A NATUREZA DA ORAÇÃO

A NATUREZA DA ORAÇÃO



Do ponto de vista racional, a oração é uma petição. Ela é feita em silêncio ou verbalmente. Quando estamos emocionalmente motivados, é instintivo expressar nossos desejos em voz alta. A voz tem poder em suas elocuções. O som da voz alivia as emoções e sugere a invocação da força do desejo — física e mentalmente. Na verdade, é quase impossível impedir que expressões evocativas acompanhem uma agitação emocional intensa. Em tais circunstâncias, sentimo-nos propensos a bradar ou a expressar verbalmente nosso sentimento.
Se a oração é uma petição, deve haver alguma coisa ou alguém a quem é dirigida. Evidentemente, não oramos para nós mesmos, isto é, para o nosso próprio ser mental ou físico. Se nos acreditamos intelectual e fisicamente capazes de executar um plano ou obter algo, então, agimos inteiramente de acordo com nossa própria iniciativa.
A oração, portanto, é um reconhecimento de uma auto-insuficiência, real ou imaginária. Essa auto-insuficiência provoca, nos indivíduos, uma tendência de exteriorizar-se, de pôr-se na dependência de uma força, influência ou fonte que lhe é alheia. Evidentemente, a nossa concepção dessa fonte externa determina, em grande parte, a natureza da nossa oração. Um ser primitivo, com uma concepção politeísta, imagina uma pluralidade de deuses; para ele, esses deuses podem residir em coisas inanimadas, como pedras, o mar ou nuvens de tempestade. Na sua concepção, cada um desses deuses ocupa-se de certas necessidades do homem. Assim, o indivíduo tem de avaliar seus deuses — para um deles se volta, em busca de saúde, para outro, de força, e ainda para outro, de apoio contra seus inimigos.
Quando procura comunicar-se com um poder maior que ele, o homem imagina vários meios para atrair a atenção dessa Divindade. Por exemplo, quando os homens recorrem a um potentado humano ou chefe tribal, é necessário tornar o potentado favorável às suas finalidades. Por conseguinte, procuram propiciar-lhe presentes, sendo estes qualquer coisa que os homens considerem de valor. Às vezes, a aproximação da Divindade é uma tentativa no sentido de criar um ambiente favorável no qual ela possa receber o suplicante. Com esta finalidade se empregam os ritos teúrgicos da música, do canto e da dança. Ao examinarmos este método de oração, observamos duas coisas: existe a crença de que a Divindade possa satisfazer o pedido, caso esteja suficientemente satisfeita com os atos do suplicante; segunda, verificamos que não há questionamento a respeito do motivo do suplicante. Inexistem preocupações se os resultados da oração são ou não contrários à lei natural ou se podem causar injustiça a outrem. Nesse caso, a psicologia é muito tosca. Na realidade, ela está conferindo uma natureza antropomórfica à Divindade. Deus é concebido como sendo igual aos mortais, dotado de vaidade, facilmente agradado com presentes, homenagens e ostentação. É considerado, ademais, capaz de dispensar dons ou conferir seus poderes, tal como um monarca terreno, absoluto, inteiramente desatento à razão ou à justiça. Por conseguinte, cada homem pode obter o que deseja da Divindade, caso seja capaz de realizar os ritos teúrgicos adequados. Assim, os homens competem entre si para descobrir os segredos de como melhor influenciar os deuses. É este o tipo de concepção errônea que encorajava o sacerdócio das mais antigas sociedades conhecidas. Os sacerdotes eram e são homens a quem julgamos dotados de prática ou treinados na prática adequada de invocar o prazer dos deuses, para benefício dos homens.
Embora falemos dessa prática como sendo primitiva, essas   idéias   elementares,   entretanto,   vêm   persistindo através dos tempos e influenciando bastante os dogmas e os credos de muitas religiões hoje existentes. Determinadas seitas religiosas chegam a estabelecer a maneira correta pela qual o devoto deve comportar-se. Decidem que ele deve depositar moedas numa caixa, que tem de comparecer a certas cerimônias, tem de repetir credos específicos e ingressar em ritos autorizados. Se obedece, supõe-se que aplacou a ira Divina, ou fez a adequada aproximação e que por isto, a Divindade voltará Sua vontade para a realização da oração oferecida. Não é preciso enumerar as seitas que encorajam essas práticas; elas nos são conhecidas, sendo comum em qualquer núcleo populacional. Portanto, os que oram de boa-fé, naturalmente, quase sempre se desapontam com os resultados alcançados e, com bastante freqüência, acabam desiludidos.
Existe outra concepção ortodoxa de oração que, embora transcenda o exemplo anterior, é ainda muito primitiva e, potencialmente, um fracasso. É o reconhecimento de um deus pessoal que exerce uma vontade arbitrária. Mas acredita-se que ele só o faz por razões benéficas. O indivíduo confere a este deus não só o poder de realização, como também, o mais alto valer moral que é capaz de,conceber. Em outras palavras, acredita que o deus é capaz de qualquer coisa, mas só fará aquilo que está de acordo com o bem moral. Este tipo de devoto, portanto, não suplicará ao seu deus que atenda sua oração, se estiver em desacordo com aquilo que é contrário ao que considera moralmente certo. Não pedirá ao seu deus que mate outra pessoa ou que lhe dê o dinheiro que não deveria ter. Contudo, este devoto não hesitará em pedir a realização de uma oração que considera justa, por mais contrária que ela possa ser à necessidade da ordem universal ou Cósmica. Por exemplo, ele não hesitaria em pedir a Deus que acabasse com uma guerra provocada pelos próprios homens. Psicologicamente, esses indivíduos acreditam que Deus exerça Sua vontade arbitrariamente contra as próprias leis e causas que Ele próprio criou, se, de boa-fé e com propósitos morais, Lhe faz o pedido.
O suplicante nunca pensa no absurdo de tal oração. Pode pedir ao seu deus que pare o que outro devoto, também de boa-fé, está rezando para que prossiga. O outono na Califórnia oferece um exemplo excelente dessa concepção antropomórfica de deus e de oração. Em fins de setembro, os plantadores de ameixas estão secando seus frutos ao sol; uma chuva antecipada e continuada poderia ser muito ruinosa para sua colheita. Inversamente, os criadores de gado, naquela época do ano, estão precisando desesperadamente de chuva para as pastagens, especialmente após o longo verão seco da Califórnia. Um criador de gado, se fosse um dos devotos a que nos referimos, rezaria por chuva. Concomitantemente, um plantador de ameixas rezaria para não chover. Se Deus exercesse vontades arbitrárias, opondo-se à lei natural das condições climáticas, qual das orações Ele favoreceria? Esse ponto de vista devoto coloca a Divindade numa situação ridícula e torna a religião vulnerável ao ateísmo. Se a vontade Divina pudesse funcionar e funcionasse arbitrariamente, ela destruiria toda a unidade Cósmica. Não haveria absolutamente dependência alguma. É devido ao fato de as leis Cósmicas funcionarem coerentemente e serem imutáveis pela necessidade da sua natureza, que o homem tem uma garantia da confiança dos princípios Divinos ou Cósmicos.
A concepção e prática da oração do místico não são somente o que mais produz resultados, mas, também, o método mais lógico.  O místico assevera que todas as coisas  são possíveis  dentro  da  Divina  consciência   de Deus, exceto aquilo que contraditaria a própria natureza de Deus. Como a Mente Divina é todas as coisas, não há nada que se lhe possa opor. Portanto, um pedido ou petição negativa permanece inoperante. Não se deve esperar encontrar, por exemplo, trevas na luz, pois onde há luz não pode haver trevas. Assim, o místico não pede o impossível em suas orações. Um místico jamais pede que se ignore uma lei Cósmica ou natural que possa ter invocado pelos seus próprios atos, seja devido à maldade ou à ignorância. Ele é um crente firme na causa e efeito. Compreende que pedir que uma lei por ele próprio invocada seja aliviada em seu favor, seria solicitar o impossível.
Um místico não pede que lhe sejam conferidas bênçãos especiais. Sabe que no plano Cósmico não existem mortais preferidos. Ademais, sabe muito bem que tudo já é ou será pela lei eterna da mudança. Não há nada escondido. Nas leis do Cósmico, tudo o que é compatível com ele pode, eventualmente, ser causado pela mente do homem. As coisas não são transmitidas ao homem, mas é o homem quem dirige e reúne os poderes Cósmicos aos quais tem acesso, a fim de pô-los em execução.
O místico não pede uma coisa completa, acabada, e sim a iluminação pela qual ela possa ser materializada através dos seus esforços; ou, se seu desejo por uma determinada coisa não for correto, pede que o desejo seja eliminado. Conhecendo a limitação do seu próprio eu objetivo, o místico pede que, se não for possível mostrar-lhe como satisfazer a necessidade, que lhe mostrem como livrar-se do falso desejo que o faz considerá-lo necessário. Assim, o místico prova que não insiste na infalibilidade dos seus propósitos. Indica igualmente que deseja estar certo de que não está causando injustiça a nutrem pelos desejos manifestados, ao pedir algo que não deveria solicitar. O místico percebe que, com compreensão adequada, muitas das coisas pelas quais agora oramos, perderiam sua importância para nós e se mostrariam insignificantes e indignas de um apelo a Deus. Muitas das coisas com as quais nos atormentamos e consideramos tão essenciais ao nosso bem-estar são assim consideradas porque não foram analisadas à luz do seu aspecto mais amplo, isto é, em sua relação com todo o plano Cósmico.
O místico, ao suplicar ao Cósmico, volta sua consciência para dentro, em lugar de dirigir seu apelo a uma entidade ou poder externo distante. O místico percebe que o Cósmico está nele. Não está apenas nas vastidões do espaço. Sabe, além disso, que sua Alma responderá à sua súplica. A Alma é do Cósmico e o guiará para a auto-ação. Para o místico, a oração é, na realidade, uma consulta entre os dois eus do homem. É um apelo da mente mortal à mente imortal do eu interior. O místico sabe que a resposta a uma oração é, realmente, um vislumbre da sabedoria Divina, através de harmonização correta. Portanto, o místico pode avaliar seus desejos adequadamente e é capaz de agir à luz do que é Cosmicamente certo e possível.
Quando um místico pede algo que não virá, não terá o desapontamento que o devoto sente, depois de orações não satisfeitas. Se suas orações são ou não atendidas, o místico, não obstante, tem a compreensão que lhe revelou o fato de que seu apelo era desnecessário. A oração, portanto, é sempre satisfatória para o místico. Também psicologicamente, a oração é benéfica a qualquer homem, se praticada misticamente. A oração requer humildade. Requer submissão ao lado melhor da nossa natureza. E nos põe em harmonia com os impulsos mais sutis do nosso ser.
As orações são normalmente de três tipos. Existem as orações de confissão, quando um homem mostra ao Deus do seu coração que está contrito e admite uma violação dos seus ideais morais. Há as orações de intercessão. Estas são orações nas quais o homem pede para ser orientado, de modo a impedir efeitos indesejados de certas causas. Há, também, as orações de gratidão, como as dos Salmos, onde o homem saúda a majestade do Divino e expressa alegria por conhecer sua própria natureza Divina. Desses três tipos, o místico se entrega ao último — à oração de gratidão — com mais freqüência. Assim fazendo, o místico evita a necessidade das outras duas. Se reconhecemos o Divino e comungamos periodicamente com o Eu, que a Ele pertence, adquirimos tal domínio pessoal do nosso próprio ser, que as orações de intercessão ou orações de confissão não se fazem necessárias.
O que se segue é uma oração incorporando todos os elementos místicos que acabamos de enumerar:

Possa a essência Divina do Cósmico lavar-me de todas as impurezas da mente e do corpo, para que eu possa comungar com a Catedral da Alma. Possa minha consciência mortal ser de tal forma iluminada, que quaisquer imperfeições do meu pensamento me possam ser reveladas, e possa eu receber o poder da vontade para corrigi-las. Humildemente suplico que possa perceber a plenitude da Natureza e dela participar, sempre de acordo com o bem Cósmico. Assim seja!

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