Krak dos Cavaleiros

terça-feira, 28 de setembro de 2010

AFIRMAÇÕES – SEU USO E ABUSO

AFIRMAÇÕES – SEU USO E ABUSO



O uso das afirmações é uma prática muito antiga. Encontramo-las sob várias formas, nos textos sagrados de Buda, Zoroastro, Maomé, Confúcio, Lao-tsé, no Antigo Testamento e nos sistemas religiosos e filosóficos mais recentes. Em quase todos os casos aconselha-se que as afirmações sejam vocativas, quer dizer, sejam pronunciadas e não recitadas mentalmente. Tal se baseia na hipótese de que a palavra falada tem mais eficácia do que o pensamento, apenas, e que as próprias entonações contribuem para a obtenção dos resultados desejados. Além disso, a sua enunciação requer uma ação que acompanha o espírito das afirmações, e como quase todas as invocações religiosas antigas eram feitas publicamente, ou na presença de outros, também subentendia-se uma sinceridade de propósito motivadora da resultados mais certos. Quando as analisamos, parece haver um propósito duplo nestas antigas invocações religiosas. O primeiro é o de conseguir apoio, e talvez a intervenção, da força Divina em nome do suplicante ao proclamar ou recitar, em voz alta, suas crenças piedosas. Por essa proclamação de fé espera-se que o poder Divino lhe materialize ou realize a natureza da crença. Por conseguinte, já em 1329 a.C., encontramos Amenhotep IV, em seu hino a Aton, o Deus único, afirmando:

Tu colocas cada homem em seu lugar
Tu supres as suas necessidades.

Lao-tsé afirmava:

Aos que são bons para mim, eu sou bom.
E aos que não são bons para mim, eu também sou bom.
E assim, todos juntos vêm a ser bons.

E São Patrício afirmava:

Cristo comigo, Cristo diante de mim,
Cristo atrás de mim, Cristo em mim. . .

Assim como mal se pode suprimir a reação emocional que nos faz gritar de dor, surpresa ou felicidade, também a afirmação falada é considerada religiosamente como o aspecto físico e exterior do estado espiritual e mental do indivíduo. O outro propósito das invocações orais, pelo menos de um ponto de vista religioso, parece ser o de que, ao enunciá-las, em termos gerais, a pessoa se torna, ou é obrigada a ser, mais cônscia do seu conteúdo do que se fossem apenas mentalmente enunciadas.
Na realidade, uma afirmação é, apenas, a declaração do que acreditamos ou conhecemos. Ela não representa uma crença sincera ou conhecimento real; seu valor não tem importância. Por exemplo, se alguém afirma: "Acredito que existe um único Deus vivente", e, entretanto, está intimamente convencido de que não existe Deus, independente da concepção de uma divindade, a afirmação é uma hipocrisia da pior espécie. Por conseguinte, segue-se que não precisamos afirmar o que acreditamos ou conhecemos, pois ele já existe como um fato aceito em nossa mente. A repetição de uma afirmação não a tornará mais convincente se, em nossa experiência ou raciocínio, a afirmação é baseada numa premissa falsa. Se sentimos violenta dor de dente, por exemplo — da qual estamos firmemente conscientes — a afirmação em voz alta para nós mesmos, de que não sentimos dor de dente não é muito tranqüilizadora e o próprio absurdo de tal afirmação torna esse procedimento ridículo para uma pessoa inteligente. Tal método de afirmação é perigoso porque tenta fazer a mente negar realidades que deveria aceitar e de modo prático superar. Uma dor de dente é o resultado de uma causa natural. Afirmar que a conseqüência muito evidente não existe e, portanto, ignorar a causa — um dente cariado — é violar não só o bom-senso como, também, as próprias leis da Natureza.
Quando não se referem às realidades, as afirmações são de importância psicológica. Em particular, são úteis no desenvolvimento e conservação do moral de um indivíduo. Como outro exemplo, tomemos uma força armada que se dirige para a frente de batalha. Ela talvez ainda não tenha sido hostilizada, mas os soldados sabem que, certamente, travarão combates e há probabilidades da vários deles jamais retornarem. Uma apreciação desses fatos poderia ser o pensamento dominante enquanto avançam, e como resultado, poderia ocorrer grande depressão no ânimo de todos. Todavia, o entoar de cantos de guerra, e o canto de versos burlescos, proclamando vitória futura e a total derrota do inimigo, suplantam a idéia de derrota, trocando-a por outra, de sucesso. É evidente que a resposta emocional e física a tais pensamentos fortificaria os ânimos. Por sugestão, o próprio pensamento motiva e causa o tipo de ação, necessário para a consecução do resultado. Logo, para o indivíduo, o valor de uma afirmação está no poder de sugestão. A sugestão, como já se mencionou, tem de ser sincera e não deve ser contrária às realidades mais evidentes. Assim, se um homem tem uma doença respiratória grave e sabe que a tom e não faz nada para ajudar-se, exceto usar a afirmação vazia — "Estou melhorando a cada dia e de todos os modos" — pela qual o psicólogo francês, Coué, ficou famoso há alguns anos — ele acabará se destruindo, pelo uso de tal método.
É costume comum de muitas das chamadas organizações místicas e metafísicas defender o método da recitação de afirmações. A primeira razão que oferecem é de natureza psicológica. Afirma-se que o ponto de vista positivo, de que a pessoa é, ou fará, ou realizará algo, é muito necessário para se obter resultados, especialmente se feita vocativamente, isto é, falado. Qualquer um concordará com isto: devemos, como já se disse, ter a convicção de que o que desejamos é possível de vir a existir, ou se pode possuir. A atitude negativa dispersa os poderes físicos e mentais.
A segunda ênfase, e a mais forte, que essas organizações dão às afirmações é de que a afirmação, em si mesma, tornar-se-á fator da manifestação da finalidade desejada. Assim, por exemplo, alegam que se eu afirmar — "farei uma viagem a Nova Iorque" — e repetir a frase um número suficiente de vezes, ela atrairá do Cósmico, da mente subjetiva ou de algum outro lugar, os fatores rudimentares necessários para a materialização do desejo. Tal coisa, fundamentalmente, é incorreta do ponto de vista místico e é o aspecto frágil subjacente na prática das afirmações, apresentada  por   tais   organizações.   O processo beira a superstição e lembra o raciocínio mágico e primitivo, que consiste em se criar uma imagem, que é a própria afirmação, com a crença de que existe uma afinidade ou ligação entre ela e a coisa real, porque a afirmação se lhe assemelha. Trata-se da suposição de que, de algum modo, a afirmação converterá em sua própria natureza aquilo que se lhe assemelha.
Nenhuma parcela da afirmação — "Eu quero uma casa" — reunirá os materiais reais e os montará numa realidade correspondente à natureza de tal afirmação. A pessoa que meramente afirma é indolente. Ela é mental e fisicamente preguiçosa. Está transferindo, inteiramente, para alguma outra coisa, o que é primordialmente de sua própria responsabilidade e competência. A afirmação serve melhor como um estímulo mental, como um incentivo necessário à realização pessoal. Se eu afirmo que quero uma casa, refiro-me que este é meu ideal, o propósito para o qual trabalharei, mas precisarei começar a trabalhar para realizá-lo.
Uma combinação de afirmações mentais e de criação mental é o meio mais prático de se realizar o que desejamos. Primeiro, afirmemos o que desejamos. Estejamos certos de que não se trata de um capricho, de que ele nos motiva emocionalmente,  nos  entusiasma quando  o contemplamos. Quando afirmamos o que desejamos, a imagem mental que nossas palavras formaram nos dará felicidade. A seguir, consideremos o propósito da afirmação, a coisa desejada, como uma finalidade; e nós mesmos, isto é, nossa posição atual, como o começo. Evidentemente, existe um vazio entre os dois, um vazio que tem de ser transposto. Estejamos plenamente cientes de que o vazio não pode ser, na realidade, transposto por qualquer poder teúrgico ou por  quaisquer  afirmações pronunciadas como fórmulas cabalísticas. O começo, ou nossa posição atual, tem de ser ampliado para se transformar naquilo que afirmamos. Outro modo de encararmos isto está em pensar no que desejamos — o quadro completo — como um círculo. Então pensemos no que somos, e no que temos agora, como um ponto no centro daquele círculo. Aquele ponto tem de expandir-se até que preencha o círculo ou até que o ponto e o círculo sejam um só.
Por conseguinte, a primeira necessidade é tentarmos determinar o quanto do que afirmamos, do que desejamos, existe como elementos separados em suas circunstâncias atuais e, sabendo isto, então estaremos conscientes do que precisamos e no que nos concentraremos. Se eu afirmo que terei uma casa e também desejo criá-la mentalmente, deveria agir da seguinte maneira:
Reduzir o quadro da casa que tenho em mente nos seus componentes mais simples. Determinar se tenho a propriedade, a madeira, o equipamento elétrico, as tintas, as ferragens e a mão-de-obra necessária para a casa. Se não tenho nenhuma dessas coisas, tenho o dinheiro ou os meios para adquiri-las? Vamos supor que não tenha nada disso. A primeira etapa então seria a de conseguir o dinheiro para minha casa. Se meus rendimentos regulares não fossem suficientes para proporcionar esse dinheiro, então precisaria prestar algum serviço, fazer algo extra para aumentar minha renda. Verificaria que, na realidade, a primeira etapa seria tornar-me útil, de algum outro modo, a fim de obter o dinheiro necessário. Teria, então, decididamente, em mente, a necessidade de tal serviço. Sugeriria a mim mesmo, a meu eu interior, que fosse inspirado, nas minhas observações diárias, por alguma idéia de serviço. Pediria ao Cósmico que me ajudasse a encontrar em meus negócios algo que, pelos meus próprios esforços, pudesse converter em ato de serviço. Manteria esse pensamento, na sua forma mais simples, em primeiro lugar em meus pensamentos diários. Atrairia para mim mesmo as sugestões necessárias para a realização daquele serviço.
Agora, permitam-me ir mais além em minha explicação. Esta atração na direção de mim mesmo, não seria um poder mágico, um simples entoar de afirmações. Seria o fato de que me tornaria especialmente consciente de quaisquer circunstâncias ou coisas que tivessem qualquer relação, por mínima que fosse, com a minha necessidade. Por analogia, seria como um homem que quisesse muito um pedaço de papel vermelho. Ao percorrer a rua, tudo o que fosse vermelho atrairia particularmente sua atenção. Estaria atraindo essa cor para sua atenção. Por associação de idéias, todas as coisas vermelhas que observasse o tornariam cônscio da necessidade de um papel vermelho para si. Logo, evidentemente, localizaria o papel vermelho muito mais depressa do que se não conservasse essa necessidade em mente. Isto é o que queremos dizer por atrair as coisas para nós. Sugerindo a nossa necessidade ao Cósmico e às nossas próprias mentes subjetivas, pomos essas forças a trabalhar para nós. Elas nos mostram, em forma de palpite, de um lampejo intuitivo ou de uma inspiração, coisas no nosso ambiente que podemos usar em nosso processo de criação mental.
Como o termo sugere, somos criadores. Mentalmente, somos os construtores. Somos os autores, o agente motor. O afirmador é apenas a pessoa que deseja algo. Deseja ou quer alguma coisa, e não vai além disso, a menos que empregue também a criação mental. A combinação da criação mental e da afirmação, repetimos, é a melhor. Aliás, a verdadeira criação mental é impossível sem primeiro afirmar, primeiro asseverar positivamente para nós mesmos, decidida e concisamente, o que queremos. A afirmação é a direção que nosso poder criador tem de seguir. É o poste indicador dizendo-nos: "Tome este caminho! Sua destinação está à frente". Não podemos simplesmente começar a criar. Temos primeiro de ter a concepção, o plano do que deve ser construído. Imaginemos um homem serrando tábuas, aplainando-as e pregando-as a esmo, e de repente parando para ver o fruto da sua faina. Isto seria, sem dúvida, uma espécie de criação. Seria a construção de algo que talvez não existisse antes. Contudo, sem direção inteligente, os resultados desse tipo de criação seriam um disparate de pouco ou nenhum valor.
Naturalmente, ao afirmar ou estabelecer um objetivo a ser realizado, temos de evitar um que seja contrário aos princípios Cósmicos. Não devemos conceber algo que seja moral ou eticamente errado, eu contrário à lei natural. Se o fizermos, talvez fracassemos na nossa criação. E mesmo que, realmente, criemos algo que seja Cosmicamente errado, ele pode, como um monstro, tornar-se a nossa ruína. Contudo, na criação mental, sempre temos a oportunidade de, primeiramente, examinar minuciosamente a nossa afirmação, o nosso objetivo, em suas muitas partes. Cada parte é, então, exposta à nossa compreensão, e se quaisquer partes são malévolas ou nocivas, elas podem ser extirpadas e todo o propósito ou imagem mental revisto antes de começar.

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