Krak dos Cavaleiros

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A PALAVRA PERDIDA

A PALAVRA PERDIDA



A doutrina da Palavra Perdida existe como um arcano das liturgias de muitas das nossas religiões atuais e nos ritos de várias sociedades secretas e filosóficas ainda existentes. Cada uma tem sua explicação teológica ou filosófica daquela persistente idéia. Por outro lado, todas estão relacionadas a uma concepção fundamental profundamente arraigada nas mais antigas crenças do homem.
A maioria das explicações da Palavra Perdida se baseia na frase bíblica: "No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus" (João 1:1). Cosmo-logicamente, isto quer dizer que a criação do universo foi realizada por uma idéia vocativa — um pensamento expressado como uma palavra. Deste modo, Deus e o Verbo são tornados sinônimos. Faz-se com que Deus, ou Mente, como uma razão criadora, se manifeste apenas com a emissão de uma palavra. Por conseguinte, o poder criador de Deus só tem força quando é falado. A força de Deus é tornada Sua voz, ou uma entonação. De acordo com esta concepção, não é suficiente que Deus apenas exista para que o universo e as coisas possam surgir da Sua natureza, mas é também necessário que a natureza ativa do Seu ser, a lei ou decisão da Sua mente, se manifeste verbalmente.
Os homens observaram que todas as coisas naturais têm uma lei para si próprias, isto é, existe alguma causa particular da qual dependem, e tais causas e leis são milhares. Portanto, a suposição entre os homens é a de que o Verbo inicialmente pronunciado tenha sido a síntese de todas as leis Cósmicas e naturais. O Verbo, neste sentido, não moldou, de outras substâncias, os elementos do universo. Ele não foi um agente ou força Divina atuando sobre uma substância indeterminada — como, por exemplo, as mãos de um escultor modelam uma forma em argila — e sim que todas as coisas, desde os planetas aos grãos de areia, eram  condições  rudimentares  do Verbo. O Verbo é, assim, concebido como uma energia vibratória, ondulante na qual existe a essência básica de todas as coisas. Por analogia, podemos compará-lo a um único som que poderia incluir simultaneamente todas as oitavas e tons. Por conseguinte, cada som individual que o ouvido pudesse discernir dependeria, para sua existência, da causa original, daquele som singular e unificado. Assim como toda cor é uma parte componente da luz branca, também toda criação é parte da complexa lei incluída no Verbo. Por conseguinte, esse Verbo é dotado da importância de ser a chave do universo. Aquele que o conhecesse e o  entonasse teria  o  domínio  de  toda criação.
Seguindo tal raciocínio existe a conotação de que a lei da criação, ou Logos, uma vez tornada vocativa como Verbo, jamais deixou de existir, jamais desapareceu ou diminuiu. Todas as coisas têm sua dependência causai nos seus tremores contínuos ou natureza vibratória. Tal como a luz de uma lâmpada elétrica, na verdade, depende da sua causa constante — o fluxo de eletricidade para seu filamento aquecido — também se diz que todas as manifestações devem sua  existência  às   reverberações contínuas do Verbo por todo o universo. Assim, a natureza vibratória de cada coisa se encaixa numa gigantesca escala ou teclado. Cada realidade tem alguma relação com uma nota (ou com uma combinação delas) que é parte integrante do Verbo. Assim, de acordo com esta concepção, certas vogais poderiam conter na sua combinação a escala criativa completa da energia Cósmica.
A maioria das organizações filosóficas e religiosas que preservam a tradição do Verbo expõe que, em determinado momento, o homem possuiu o seu conhecimento como uma herança Divina e legítima, o que lhe dava verdadeira supremacia sobre seus domínios, a Terra. A maneira como o homem foi privado de tão grande tesouro, ou a perda do Verbo, baseia-se em tradições para as quais diferentes grupos oferecem explicações variadas e divergentes. Da mesma forma, cada uma, à sua maneira, acredita que o homem pode redimir-se e recuperar a Palavra Perdida, ou pelo menos certas sílabas eficazes que o compunham. Em geral se admite que esta redenção pode ser realizada através de uma síntese de conhecimento exotérico e esotérico, isto é, pelo estudo das ciências naturais básicas e pela adoração de Deus, ou comunhão com o Absoluto. Na verdade, ainda hoje existem, perpetuadas em rito e cerimônias sagradas, certas sílabas ou vogais que, segundo se diz, pertencem ao Verbo Perdido, e quando entonadas produzem espantosos poderes e manifestações criativas e benéficas. Os rosa-cruzes, há séculos, vêm usando essas vogais com excelentes resultados nas várias exigências da vida. Outros místicos declaram que a Palavra Perdida completa é inefável para o homem; que ele jamais seria capaz de pronunciá-la, mesmo que viesse a conhecer seu teor, mas que pode pronunciar algumas das suas sílabas, das quais pode adquirir enorme poder pessoal.
Dissemos que essa crença tem origem no antigo pensamento do homem. Um exame da sua história contribuirá para nossa compreensão desse mistério, que se tornou uma doutrina respeitada. De acordo com antigo texto litúrgico, o vocábulo sumeriano para palavra é Inim. Desta palavra, os sumerianos desenvolveram o conceito do encantamento. Para os sumerianos, o encantamento consistia de palavras formais pronunciadas pelo mágico ou sacerdote. Na verdade, encantamento em sumeriano é inim-inim-ma, que é uma duplicação de Inim. Para o sumeriano, Inim, ou palavra, significava pronunciar uma decisão. Os antigos semitas consideravam que uma palavra pronunciada formalmente com a força de um comando ou de uma promessa, equivalia a algo muito definido ou real, isto é, uma entidade ou uma substância de algum tipo. Portanto, das palavras de uma divindade, sacerdote ou ser humano, em circunstâncias formais, brotava um poder mágico e terrível. As palavras formalmente enunciadas dos grandes deuses eram glorificadas pelos sumerianos, isto é, eram consideradas como uma entidade Divina equivalente ao próprio Deus.
Devido à sua conformidade com essa concepção, recordemos nossa parte da citação bíblica feita mais atrás: "... e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus". Antes de 2900 a.C., encontramos a inscrição Enem-Ma-Ni-Zid, que, se traduzida literalmente, significa Sua palavra é verdade. Da mesma forma, na época pré-sargônica, por volta de 2800 a.C., e num registro do Templo de Lugalanda, está a frase Enem-Dug-Dug-Ga Ni An-Dub, ou:

A palavra que ele pronunciou abala os céus.
A palavra que, embaixo, faz a Terra tremer.

Vemos aqui a primeira concepção do poder dinâmico do Verbo Divino, expressado há quase 5.000 anos.
Um outro conceito dos sumerianos foi a identificação do Verbo do deus Enil com seu espírito. A palavra do deus foi transformada num atributo da sua natureza que tudo abrange, partindo dele para o mundo caótico. Por exemplo, outra liturgia sumeriana reza: "A emissão da tua boca é um vento benéfico, o sopro da vida das terras". Uma vez mais, com isto, lembramo-nos do Antigo Testamento, pois no Livro do Gênese 1:2 encontramos: "E o Espírito de Deus pairava sobre as águas". Depois disso, sabemos que Deus disse: "Faça-se a luz". Para os sumerianos, o sopro de Deus era um cálido mar de luz. A influência das religiões dos sumerianos e babilônios sobre seus cativos hebreus é bem evidente nos livros do Antigo Testamento.
Os sumerianos e babilônios, invariavelmente, consideravam a água como o primeiro princípio, a substância primordial de onde vieram todas as coisas. A água para eles não era uma força criadora, e sim o primeiro elemento do qual outras substâncias se desenvolveram ou evoluíram.  Portanto, como todas as coisas  vinham  da água, deduziu-se que a razão ou a sabedoria habitava dentro dela. A palavra que os sumerianos conferiam a este princípio criador  da  água era mummu. O historiador grego Damascius, último dos filósofos alexandrinos, disse que essa palavra significava razão criadora — a sabedoria que criou todas as coisas. No Livro do Gênese encontramos outro paralelo a este. Isto é, que a água foi a primeira substância sobre a qual "...  o Espírito de Deus pairava...". A doutrina da água, como a primeira substância, penetrou na primeira escola filosófica da antiga Grécia. Tales de Mileto, ao que tudo indica, tomou-a emprestado dos babilônios. Anaximandro e Anaximenes, certamente, também foram influenciados pelo seu contato com sábios hebreus e suas tradições e, assim, também recorreram ao sincretismo. Afirmaram que a substância Cósmica era em si razão, sabedoria, harmonia, ou Nous. Vemos que esta idéia corresponde ao Logos babilônio, ou Mummu, a razão criadora que é imanente na água. Heráclito, de 500 a.C., que expôs uma doutrina da evolução e relatividade, a de que toda matéria "se transformava", através de um processo que vai do fogo para o ar e volta, afirmava que a única realidade era a lei da transformação, uma lei Cósmica — o Verbo, ou Palavra. Gradualmente, ocorreu  uma  transição  na  qual   o Verbo   como   uma   enunciação   Divina   seria   substituído pelo Logos (lei). Este Logos era a vontade de Deus, expressada como uma lei imutável e ativa no universo. Os antigos estóicos afirmavam que o princípio Divino ou primeira causa era pneuma, o sopro de Deus que penetrava todas as coisas. Este sopro se manifestou como uma série de leis criadoras na matéria. Transformou-se, depois, nas leis físicas que a ciência conhece e estuda. No homem, o sopro ou Logos tornou-se um espírito menor que atuava nele como alma.
Filo, o filósofo eclético judeu, no começo da era cristã, transformou o conceito de Logos na doutrina fundamental e muito importante de uma filosofia que penetrou os dogmas teológicos de algumas das nossas proeminentes religiões atuais. Para Filo, o Logos era, por um lado, a Sabedoria Divina, o poder racional produtor do Ser Supremo. Em outras palavras, o Logos era a Mente de Deus. Por outro lado, o Logos não era a natureza absoluta de Deus — não era a substância da Divindade. Era, antes, um atributo da Sua natureza. Era razão partindo Dele como uma emanação. Dizia-se que ele era a razão enunciada. Assim, a partir daí, verificamos que o Logos toma novamente a importância do Verbo, ou seja, a vontade expressa ou enunciação de Deus. Filo afirmava que o Logos ou Verbo habitava dentro do mundo. Deus não era imanente no mundo. Ele o transcendia, mas o Logos, seu Verbo, desceu no mundo senciente, como um mediador entre Deus e o homem.
Em resumo repetimos o que foi dito no capítulo anterior sobre afirmações, isto é, que a maioria dos homens acredita que um desejo ou vontade não tem eficácia, a menos que o tornemos vocativo. Concordam, sim, que um pensamento em si não basta, a menos que seja acompanhado por algum agente ativo como a palavra falada. Portanto, às forças Cósmicas naturais, às leis físicas do universo, o homem atribui um Verbo outrora enunciado como sua fonte, que continua reverberando por todo o universo  e que ele não pode mais aprender, pelo menos na sua inteireza.
A Palavra Perdida, as afirmações e muito dos princípios examinados anteriormente têm sido sintetizados em atos conhecidos como Iniciação Mística. Portanto, temos agora de dar atenção às iniciações, para compreender a relação harmoniosa desses elementos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário