Krak dos Cavaleiros

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

A TÉCNICA DA INICIAÇÃO


Temos de admitir que as primeiras iniciações dos antigos eram, na maioria, muito toscas — a ponto de serem, na verdade, quase bárbaras na sua execução. Contudo, muitas das atuais iniciações, isto é, as que hoje predominam e são efetuadas pelas fraternidades e sociedades da nossa época, são vazias de significado.
Não obstante, a iniciação é fruto de duas qualidades humanas impalpáveis. A primeira dessas qualidades é a auto-analise. É devido a um impulso intenso de olhar para si próprio, de analisar a si mesmo e ao seu ambiente, que o homem aprende a fazer coisas excepcionais. Do contrário, ele contribuiria com muito pouco para o adiantamento da Humanidade e o progresso da sociedade. A maioria dos atributos naturais do homem está dentro dele. Mas o homem não está plenamente cônscio deles. Realiza certas coisas, na vida, com esses poderes, mas quase nunca está bem certo de onde os obteve. Em grande parte, é como alguém perdido numa grande floresta e que, em seu desespero, se vê sentado sobre uma arca, cujo conteúdo jamais se dá ao trabalho de investigar. Com o passar do tempo, sua necessidade de sustento, de comida, bebida e proteção contra os elementos torna-se maior, e, se apenas abrisse a arca sobre a qual está sentado, provavelmente encontraria esses artigos de primeira necessidade. Usando outra analogia, o homem mediano é como o indivíduo que se recosta numa pedra e lamenta seu destino, sua sorte e sua falta de oportunidade de melhorar. E, no entanto, aquela mesma pedra pode conter um mineral que lhe ofereceria grande riqueza, mas, devido a sua ignorância e falta de curiosidade, ele o ignora.
Contudo, a auto-analise faz mais do que revelar nossos atributos. Revela também nossas limitações, as coisas que ainda não nos é possível realizar. Mostra o quanto estamos aquém daqueles ideais que reconhecemos como estado de perfeição. Ela mostra claramente, ademais, em que precisamos aperfeiçoar-nos. O processo de auto-analise inclui as experiências que tivemos pessoalmente e as experiências por outrem referidas. Por meio delas descobrimos nossa força, nossas fraquezas e aplicamo-lhes a razão. Portanto, podemos dizer que a razão é o fator fundamental subjacente na auto-analise.
Mas ainda existe uma segunda qualidade de onde surge a iniciação, e esta é a aspiração. A aspiração consiste daquelas sensações, desejos e carências do eu que são diferentes das paixões do corpo. A aspiração encontra seu prazer na realização de uma necessidade ou de algum ideal que fixamos para nós mesmos. Embora a razão na auto-analise possa revelar nossa carência de algo, é a aspiração que nos faz procurar satisfazer, a necessidade e erguermo-nos acima e além da nossa atual posição.
Por conseguinte, qualquer rito, qualquer cerimônia, independente da sua forma e de como é conduzida, é realmente uma verdadeira iniciação se produz os seguintes efeitos: (a) faz-nos recorrer à introspecção, isto é, voltar nossa consciência para dentro, uma introvisão de nós mesmos; (b) gera dentro de nós aspiração e idealismo; (c) exige de nós uma obrigação ou promessa sagrada que fazemos a nós mesmos ou a outrem de que, desse modo, procuraremos satisfazer nossas aspirações.
Etimologicamente, iniciação deriva-se da velha palavra latina initiatus. Este vocábulo latino significa começar treinamento, ou o começo de uma preparação, o começo da instrução. Esta instrução de que consiste a iniciação depende de três elementos muito importantes. Primeiro, a eficácia, ou o poder do ensinamento que está sendo ministrado, como instrução. Os ensinamentos só podem ter a influência da autoridade em que se apóiam, isto é, o valor de um ensinamento a ser transmitido depende da autoridade, a fonte de onde ele promana. Segundo, o caráter de quem vai receber as instruções, independente da eficácia dessas, tem de ser digno; do contrário os ensinamentos, serão obviamente, desperdiçados. Terceiro, certas condições são necessárias para a transmissão dessas instruções, a fim de que sejam benéficas; em outras palavras, o momento e local adequados são importantes. Não se pode discernir ensinamentos profundos a qualquer momento. A meditação correta, as circunstâncias adequadas têm de existir para sua perfeita assimilação ou, caso contrário, a semente cairá em solo estéril.
Os antigos incluíam mais um fator importante na iniciação. Para eles era necessário que os ensinamentos a serem ministrados durante a iniciação fossem mantidos fora do alcance do profano, isto é, dos leigos. Em outras palavras, o segredo era essencial. Às vezes, assim se procedia porque o homem mediano, sem imaginação, sem aspiração, não podia compreender o que lhe era oferecido — não estaria pronto para o ensinamento, para se usar uma expressão comum — e, assim, poderia profanar o que deveria ser uma confiança sagrada. Em outras ocasiões se dizia que os ensinamentos de uma iniciação destinavam-se aos poucos que haviam sido escolhidos como recipiendários desse conhecimento. Em resumo, a pessoa tinha de ser apresentada aos mistérios, como o teor da iniciação era chamado — sendo Os Mistérios as leis e preceitos transmitidos. Aliás, na antiga Roma os mistérios eram chamados initia.
A iniciação primitiva, ou os mistérios transmitidos pela sociedade primitiva, se transformou em duas categorias definidas. Ainda hoje existem remanescentes delas na maioria das iniciações de muitas ordens e fraternidades, mas não são reconhecidos como tal pelo candidato ou aspirante. A primeira das categorias era uma espécie de cerimônia pela qual um poder era conferido a um indivíduo, para uma finalidade expressa, por algum outro indivíduo ou por um grupo deles. Assim, por exemplo, em certas cerimônias, o xamã ou o angacoque, como os feiticeiros das tribos esquimós eram conhecidos, transmitiam fórmulas mágicas aos iniciados, com as quais estes ficariam de posse do poder de provocar chuvas;, aumentar as colheitas, ou melhorar a fertilidade do solo. Segundo o xamã, o poder de fazer essas coisas era transmitido através de substância material — em outras palavras, por meio de amuletos. Durante a cerimônia, o xamã dava ao candidato uma pedra polida, brilhante, ou uma pluma colorida. Dizia-se que elas possuíam propriedades mágicas.
A segunda categoria de iniciação primitiva consistia de cerimônias que faziam parte da vida social das tribos. Este último tipo era decididamente o mais importante das duas categorias. Em poucas palavras, na sociedade primitiva ou tribal, as pessoas da mesma idade e sexo tinham os mesmos interesses, as mesmas ocupações e os mesmos gostos. Por conseguinte, havia a tendência no sentido de agrupar essas classes específicas, esses grupos específicos, de acordo com a sua função, capacidade ou incapacidade. Em outras palavras, os velhos ficavam num grupo, os jovens em outros, os que não tinham filhos em outro, os que eram solteiros, os que eram doentes ou deformados, em outros grupos, e assim por diante. O primitivo acreditava que passar de um grupo para outro produzia ou tinha certos efeitos sobre o indivíduo.
Ora, claro está que os efeitos naturais eram óbvios. Havia as mudanças fisiológicas que ocorriam quando a criança se transformava em adulto. Havia, também, certas mudanças fisiológicas quando uma mulher entrava num estado de maternidade. Contudo, além disso, acreditava-se que ocorriam certos efeitos sobrenaturais. Por exemplo, quando uma criança se tornava adulta, acreditava-se que o poder pelo qual ela se transformava em adulto, ou o poder que ocasionava essa mudança, também lhe era transmitido naquele momento. Por essa razão, realizavam-se cerimônias nas quais o indivíduo era iniciado em sua nova posição na sociedade; e a nova função e os novos poderes, que se supunha ter ele adquirido, lhe eram, então explicados.
Só muito mais tarde é que se passou a fazer distinção entre grupos especializados. Essa distinção consistia, por um lado, no desempenho por parte dos trabalhadores em ofícios, artes e profissões altamente desenvolvidas e, por outro, no que era o trabalho comum. Os artesãos ou profissionais desejavam proteger os segredos da sua profissão e, por isso, formaram as guildas, como se tornaram conhecidas, para aquela finalidade. E os que delas deviam compartilhar tinham de ser iniciados.
Houve um exemplo excelente desse costume durante o século XIII. Na Itália setentrional, vários burgos e cidades eram como estados soberanos, independentes em todos os aspectos. Cada cidade, com certa área ao der-redor, era um mundo em si, e muitas vezes eram hostis umas para com as outras. Se eram cidades costeiras, possuíam sua própria marinha e todas tinham seus próprios exércitos. Exemplos comuns de tais cidades-estados eram Veneza e Florença. Durante aquele período, Veneza tornou-se famosa pela sua manufatura do vidro. Ela se sobressaía em todas as partes do mundo com sua arte apurada. Os segredos da arte de soprar vidro a princípio eram transmitidos de pai para filho, mas, com a procura cada vez maior dos seus produtos, tornou-se necessário ampliar a produção e que se atraíssem outros para a profissão. E, assim, o aprendiz transformou-se em neófito; ele era iniciado na arte de soprar vidro e tinha de jurar que não revelaria esse segredo ao profano (leigo).
Hoje em dia, na nossa sociedade moderna, temos certos ritos equivalentes a iniciações públicas e que contêm o princípio da transmissão de poder. Em outras palavras, o cidadão mediano, ao procurar desfrutar de certos privilégios legais, tem de participar de cerimônias equivalentes a uma iniciação social. Assim, no casamento, a transmissão desse direito a um indivíduo é feita na forma de uma cerimônia que equivale a uma iniciação. O mesmo acontece com a concessão do privilégio de adoção de um indivíduo. Também na naturalização, a pessoa que deseja tornar-se cidadão de determinado país tem de passar por uma cerimônia em que os poderes da cidadania lhe são transmitidos.
A iniciação, como tantas outras coisas, também passou por um processo evolutivo e, com seu desenvolvimento, o homem continuou procurando nela certas vantagens; mas as vantagens tomaram-se diferentes. Não eram mais vantagens apenas materiais ou físicas; eram morais. Pela iniciação, o homem esperava tornar-se mais familiarizado com os deuses, saber como eles podiam ser aplicados, como obter o que queriam deles, e compreender o que constituía a conduta certa ou piedosa. Este conhecimento era revelado ao homem na forma de dramas; isto é, iniciações que se assemelhavam às peças teatrais da Paixão nas quais o candidato desempenhava o papel principal, ou tinha um outro papel. O candidato, por exemplo, podia assumir o sofrimento que imaginava ter sido suportado pelos seus deuses para que ele pudesse ter salvação ou existência. Além disso, o candidato também podia assumir uma atitude mental, o que, segundo supunha, pertencia ao estado exaltado dos deuses. Ou poderia desempenhar um papel no qual sugeriria, por mímica, as virtudes que imaginava pertencerem aos deuses e que desejava ver incorporadas à sua vida.
Para receber tal iniciação, o candidato tinha de mostrar-se digno de conhecer esses mistérios. Muitas vezes, precisava passar por uma preparação moral. Na Grécia antiga, por exemplo, todos os per juros e os que eram traidores e, também, os criminosos, eram excluídos das iniciações nos mistérios. O Egito antigo tinha um método ainda mais conveniente. Somente aqueles que eram chamados podiam realmente participar das cerimônias. Havia uma iniciação que era chamada de tribunal de Osíris; seu objetivo era revelar como o deus Osíris, no tribunal do mundo superior, pesava a alma do homem para determinar se ele era ou não digno de entrar na vida do além. Os que deviam participar dessa cerimônia eram convocados para tal.
A estrutura da maioria das iniciações, e sobretudo das iniciações nos mistérios do passado e de muitas das iniciações esotéricas do presente, obedece a quatro formas definidas; isto é, as iniciações constituem quatro elementos principais, muito embora a atividade e função reais possam variar.
A primeira dessas formas é conhecida como o rito da separação. O candidato ou neófito é informado do fato de que está passando por uma transição da alma; isto é, por meio de certos ritos e símbolos na cerimônia, levam-no a compreender que ele está mudando sua velha ordem de vida, afastando-se dos seus velhos pensamentos, preparando-se para algo novo e diferente. Durante esse rito de separação, sugerindo uma mudança do velho modo de vida para o novo, podem dizer-lhe que ele tem de separar-se por algum tempo da sua família e de suas velhas amizades. Talvez tenha que prestar voto de celibato, isto é, permanecer solteiro até certa idade. Talvez tenha, ainda, de prometer que se isolará do mundo exterior por breve período. Em outras palavras, talvez tenha de tornar-se um anacoreta, viver sozinho no ermo, em meditação, até que lhe ocorra uma determinada mudança; ou, talvez, tenha de dominar, de certo modo, sua personalidade e viver uma vida simples. Durante esse rito, pode ter de submeter-se a sepultamento simbólico, isto é, talvez tenha de deitar-se num caixão para mostrar que obliterou o passado e deixou para trás todos os velhos modos de vida e pensamento.
A segunda forma dessa estrutura de iniciação é o rito de admissão. Torna-se o candidato cônscio, pela iniciação a que está se submetendo, de que está entrando num plano mais alto de pensamento e consciência. Este rito pode sugerir-lhe que está tendo um novo nascimento, em pensamento e vida, e isto pode ser simbolizado fazendo-o deitar-se no chão, depois ficar de joelhos e, finalmente, ficar de pé, como se estivesse crescendo. Também pode ver-se obrigado a sair de um quarto escuro para outro intensamente iluminado, representando a saí-,da do velho mundo de superstição e medo, que se pressupunha ter sido deixado para trás, para um de paz e nova sabedoria.
Tal admissão simbólica, num novo mundo, às vezes tomava a forma do que se conhece como rito da circum-ambulação. Isto consistia em se traçar um círculo no chão do templo, ou no terreno onde se realizava a iniciação, e onde o candidato era colocado. Junto desse círculo se traçava outro muito maior, em torno do qual se colocavam velas ou candeias acesas. A máscara ou venda era retirada dos olhos do candidato, que, então, passava do círculo menor para o maior. Isto representava uma trarisição de um mundo limitado para outro ilimitado ou iluminado.
Platão, referindo-se às iniciações no mistério, de sua época, disse: "Morrer é ser iniciado". Com isto, queria dizer que a morte consistia apenas naquela mudança ou processo de iniciação pelo qual partimos da nossa vida presente para um novo âmbito de existência.
A terceira forma da estrutura de iniciação é o que se conhece por exibição de efeitos sagrados. Durante essa parte da cerimônia de iniciação, revelam-se ao candidato sinais que representem verdades e preceitos, os nomes dos graus pelos quais ele passou ou passará, e o simbolismo da ordem.
A quarta e última estrutura é o rito de reentrada; em outras palavras, a parte da cerimônia pela qual o candidato torna-se sabedor de que está retornando ao mundo físico, profano, de onde veio. Embora retorne ao mundo exterior, as circunstâncias nunca mais serão as mesmas, devido às experiências e instruções da iniciação que recebeu. E, normalmente, é obrigado, até certo ponto, a mudar as condições da sua vida diária para equipará-las ao idealismo que lhe foi transmitido, durante a iniciação. Além disso, durante esses ritos de reentrada, é-lhe conferido um emblema de distinção, algum símbolo material pelo qual se conhece que ele atingiu a certo grau de saber. Embora volte a conviver entre os profanos, por esse emblema sabe-se que adquiriu certas vantagens.
Por exemplo, todo árabe, todo verdadeiro muçulmano, se lhe é possível durante sua vida, procura fazer uma peregrinação a Meca, a fim de entrar no sagrado recinto da Caaba e presenciar os ritos sagrados. É uma viagem árdua; não há rodovias nem ferrovias que conduzam a Meca. O árabe tem de viajar numa caravana ou, se for suficientemente rico, organiza sua própria caravana. Se for bem sucedido, ao retornar, dão-lhe o respeitoso título de Hadji, e permitem-lhe usar um turbante verde, ou então, ao redor do seu tarbuche, ou fez, como é comumente conhecido, uma fita branca significando que ele fez a peregrinação a Meca e que foi devidamente iniciado no Centro Sagrado. Depois de cada peregrinação, pode usar nova fita em seu fez. Vi muitos árabes nos países islâmicos ostentando duas ou mais dessas fitas.
Dos arquivos esotéricos arcanos sabemos que os antigos essênios usavam mantos brancos, depois das suas iniciações, quando retornavam à sociedade, como símbolo da pureza que passaram a conhecer e a viver, devido à sua iniciação, e como lembrete das suas obrigações e da transição que se sabia ocorrera em sua consciência.
Examinemos, agora, algumas das antigas iniciações em sua inteireza, ou mistérios, como eram chamadas. Talvez a mais antiga de todas seja o ciclo de Osíris, os mistérios de Osíris. Eram assim chamados — ciclo de Osíris — porque se referiam ao nascimento, vida, morte e renascimento de Osíris. Nesses mistérios o homem tomara, pela primeira vez, conhecimento da doutrina da imortalidade.
Segundo a mitologia egípcia, a deusa egípcia Nut desposou o deus egípcio Geb e eles tiveram quatro filhos — dois irmãos, Osíris e Sete, e duas irmãs, Ísis e Néftis. Segundo a lenda, Osíris, como deus, recebeu a soberania sobre toda a terra do Egito e sua divindade era realmente munificente, pois dizem-nos que foi quem deu ao povo as leis pelas quais ele podia governar-se, ensinou-lhe arte e agricultura, a irrigação e muitos dos refinamentos que lhe davam bem-estar e conforto. Também lhe ensinou como adorar seus deuses; em outras palavras, introduziu a religião. E o mito prossegue dizendo que ele era muito amado pelo povo.
Diz-se que Sete tornou-se extremamente invejoso do afeto dos mortais por Osíris e tramou tirar-lhe a vida. Sub-repticiamente, obteve as medidas do corpo de Osíris e fez uma arca muito enfeitada onde caberia somente o corpo de Osíris. Então, ofereceu grande banquete ao qual ele e seus setenta conspiradores compareceram, e convidou Osíris a dele participar. Durante a diversão, Sete, jocosamente, comentou que daria a elaborada arca de presente a quem nela se deitasse e coubesse perfeitamente dentro dela. Naturalmente, cada um dos presentes tentou, sabendo da verdadeira intenção, e ninguém coube perfeitamente, até que o próprio Osíris deitou-se dentro dela. Esta lhe servia à perfeição, e, enquanto estava deitado, lançaram-se os demais sobre a arca e pregaram-lhe a tampa. Então, o deus Sete deu ordens para que a arca fosse lançada num tributário do Nilo, no que foi obedecido. A arca, finalmente, chegou ao mar e acabou dando às praias da antiga Biblos, que na época pertencia à velha terra da Fenícia. Diz ainda a lenda que uma grande urze cresceu em torno da arca, de modo que ela ficou totalmente oculta e a planta atingiu tais proporções que parecia uma grande árvore. Um dia, o rei descobriu a árvore e mandou derrubá-la, para dela fazer uma coluna para sustentar o teto do palácio.
Por intermédio de algumas crianças, Ísis soube do que tinham feito com o corpo de Osíris, seu marido-irmão, e dispôs-se a recuperá-lo. Viajou disfarçada, até Biblos, e conseguiu se apoderar da urze. Quando, por fim, teve uma oportunidade de desembaraçar a arca da planta, levou-a de volta ao Egito. Depositou, a seguir, o corpo de Osíris nas areias, e uma noite, Sete, passeando ao luar, viu-o, ficando, por isto, tão irado que, em seu ódio desmembrou por completo o cadáver, e espalhou seus pedaços por todo o Egito. Quando soube do acontecido, Ísis lamentou-o em altos brados, por muito tempo. Sua tristeza deu origem a muitas famosas narrativas egípcias. Depois, pôs-se de novo no trabalho de recuperação do corpo e diz-se que, por fim, recobrou todos os pedaços. O importante é que, quando os reuniu, soprou vida na boca de Osíris, o qual, ao recebê-lo, ressuscitou, voltando a viver — não como um ser deste mundo, mas em outra vida superior.
Horus, o filho que Ísis tivera com Osíris, mais tarde partiu a vingar a morte do pai por Sete. É interessante acrescentar que esta história dos dois irmãos, Osíris e Sete, é a mais antiga do mundo. Na verdade, há milhares de anos, no Egito, a história chamava-se A História de Dois Irmãos. A primeira tradução foi feita pelo famoso egiptólogo, Dr. Charles E. Moldenke. Grande parte da coleção desse eminente homem encontra-se agora no Museu Oriental Egípcio Rosacruz, e suas notas e ensaios originais sobre a tradução da famosa História de Dois Irmãos estão na Biblioteca Rosacruz de Pesquisa, como um manuscrito de grande valor. É também de interesse histórico saber que as autoridades exegetas concordam, em geral, que a história bíblica de Caim e Abel surgiu como resultado do fato de que os hebreus estiveram exilados no Egito e se familiarizaram com esse mito egípcio.
Essa lenda osiríaca era representada como drama de mistério, especialmente nas antigas cidades de Denderá e Abido. À medida que o drama se desenrolava, os sumos sacerdotes, ou Kheri Hebs, narravam, aos iniciados ou candidatos, o significado de cada parte como uma lição aprendida. Às vezes, os dramas eram representados ao luar, em grandes barcaças nos lagos sagrados. Muitas vezes, várias noites eram necessárias para se ver toda a cerimônia, e o candidato não tinha permissão de assistir ao ato seguinte do drama, até que compreendesse plenamente os anteriores. Explicavam-lhe que Osíris representava as forças criadoras da Terra, virtude e bondade, e que seu irmão Sete era a manifestação do mal. Ou, ainda, que as duas forças estavam em contínuo conflito no mundo. Então, e o que era mais importante, mostravam-lhe que Osíris vivera uma vida boa, tentara ajudar, auxiliar os outros e que, quando não há justiça terrena, o homem pode obter recompensa em outra vida. O homem não deve esperar receber compensação por todos os seus feitos apenas aqui nesta terra. Depois, mostrava-se como Osíris foi ressuscitado e de como ele desfrutara de outra vida.
Somos informados, ainda, que o candidato, ao se preparar para tal iniciação, tinha de abster-se de alimento ou água, durante breve período, que tinha de rapar a cabeça e que o desenrolar ou iluminação do drama demorava muitas noites.
Existe outra antiga iniciação que nos interessa saber. É conhecida como os mistérios eleusinos. O nome advém do fato de ser essa iniciação realizada em Elêusis, na antiga Grécia. Durava cerca de oito dias, num período correspondente aos dias 15 a 23 de setembro na nossa épeca. Esses mistérios tinham duas personagens principais — as deusas agrárias, isto é, as deusas da agricultura, conhecidas como Deméter e sua filha Perséfone. As mais antigas peças de mistério eleusinas representam o sofrimento de Deméter quando sua filha Perséfone foi raptada por inimigos. Mais tarde, contudo, passaram a procurar transmitir e a demonstrar algum conhecimento do que o homem deve esperar na outra vida e a ensinar a lição da imortalidade. Tal fato era ensinado comparando-se o homem à vegetação. Mostrava-se como as plantas fenecem e morrem no inverno; como renascem na primavera, recebendo nova vida, novo poder; como são ressuscitadas da terra com toda sua antiga força e esplendor. E se declarava que, quando os dias do homem nesta terra terminarem, ele fenecerá para ressuscitar no Eliseu, o céu para os antigos.
Por certos registros históricos, sabemos que os candidatos peregrinavam grandes distâncias até o local da iniciação — Elêusis — e tinham de andar em coluna por um. Sabemos, também, que durante as cerimônias, os candidatos traziam inscrita na testa uma cruz Tau, isto é, uma cruz em forma de um T maiúsculo. Recebiam também como símbolo um ramo de acácia, para significar a imortalidade, possivelmente porque essa planta tem a sensibilidade de abrir e fechar suas folhas, representando desse modo o nascimento e a morte.
Agora, o que diremos ser a natureza e o propósito das iniciações, tais como as realizam os rosacruzes? Primeiro, de modo geral, a iniciação rosacruz é semelhante, em espírito e propósito, a todas as verdadeiras iniciações esotéricas ou mistérios, embora sua função, seu modo de desempenho e seu simbolismo sejam, naturalmente, diferentes. Na capa de cada manuscrito de iniciação na Ordem Rosacruz, está a declaração: "A iniciação traz, para a esfera da razão, o propósito, e, para a esfera da emoção, o espírito da introdução da pessoa aos mistérios". Esta declaração é, realmente, a chave da iniciação rosa-cruz, como veremos.
As iniciações anteriores, isto é, as que estudamos aqui, referiam-se, na maioria, à esfera da razão. Elas visavam apresentar ao homem novo conhecimento, experiências que tinham uma qualidade abstrata. Eram preparadas para transmitir ao homem um conhecimento das suas várias existências, a vida futura, a natureza dos deuses, o teor da virtude etc. Mas a razão não é suficiente para o domínio da vida, e para ter felicidade, o homem dela não deve depender única e exclusivamente; se dependesse, a Humanidade não passaria de uma máquina de calcular. A justiça seria apenas uma questão de lei concebida pelo homem, destituída de compaixão e compreensão; aquilo que fizéssemos uns pelos outros seria exclusivamente por necessidade; em outras palavras, porque seria a coisa correta a fazer. A bondade humana estaria adormecida. A sociedade de hoje se comportaria de modo inteiramente semelhante aos antigos espartanos. Os que fossem fracos ou doentes seriam destruídos, independentemente de qualquer sentimento ou amor. Apenas porque a razão ditaria que a coisa mais prática a fazer seria eliminá-los; como não mais poderiam servir ao estado com eficiência, ou no melhor da sua capacidade, eles seriam executados.
Portanto, a iniciação esotérica procura familiarizar o indivíduo com o conteúdo da sua própria alma, ajuda-o a expressá-lo, a torná-lo parte tão integrante de sua consciência quanto as outras coisas da sua vida. Ela procura tornar a inteligência da alma não apenas um princípio filosófico ou um rito num drama de mistério, mas uma realidade para o homem. Portanto, podemos dizer, de maneira bastante conservadora até, que a iniciação rosa-cruz é o processo ou método que tem como propósito a consecução da consciência interior, o conhecimento da Consciência Cósmica. Cada homem tem uma consciência interior mas, infelizmente, ela está adormecida na maioria das pessoas. A iniciação rosacruz tem como objetivo o despertar desse eu interior. Para que esse objetivo se realize, as iniciações rosacruzes, desde os seus primórdios, têm sua função estruturada de modo a captar a consciência objetiva do homem e controlá-la de maneira tal que a consciência interior, ou subliminar, seja liberada e venha à superfície.

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