Krak dos Cavaleiros

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

O PROCESSO DOS TEMPLARIOS


O modo como a investigação foi conduzida pelo grande inquisidor de França, que começou os seus interrogatórios a 18 de Outubro de 1307, falseou necessariamente o processo. A utilização sistemática da tortura. o fato de apenas reduzir a escrito o que poderia ser
favorável à acusação correspondia à noção dominicana de verdade no quadro da Inquisição e permitia, evidentemente, todos os abusos a fim de perder os acusados. Guillaume Pâris fazia notar bem nas suas instruções que só devia ser lavrada acta do depoimento daqueles que confessavam. Ora, legalmente, o inquisidor não tinha qualquer poder nesta história. Para que o tivesse, teria sido necessário que emanasse do papa, porque se tratava de instruir contra eclesiásticos que dependiam exclusivamente da Santa Sé. Clemente V zangou-se com o inquisidor de França, Guillaume Pâris, mas cedeu sob a pressão de Filipe, o Belo.Vimos que as práticas da Ordem não estavam isentas de ritos curiosos, mas estes já não pareciam ser compreendidos pelos que os observavam. Esta certeza vem-nos nomeadamente dos testemunhos estranhos obtidos
sem coacção. Em contrapartida, no que se refere às confissões
extraídas em França, muitas são extremamente suspeitas. A tortura e as pressões de todos os tipos exercidas sobre os Templários, na maior parte das vezes, prevaleceram sobre a sua resistência. Assim, o irmão Ponsard de Gisy descreveu o que lhe aconteceu: foi colocado numa fossa, «com as mãos atrás das costas tão fortemente que o sangue correu até às unhas e aí ficou, sem ter mais espaço do que o comprimento de uma correia, protestando e dizendo que, se fosse posto de novo sob tortura, negaria tudo o que dizia e diria tudo o que quisessem». A 31 de Março de 1310, um grupo de Templários mandou redigir um protesto:A religião do Templo é pura, imaculada: tudo quanto é articulado contra a Ordem é falso: aqueles dos irmãos que declararam que essas imputações contra as pessoas e contra a Ordem eram verdadeiras, ou parte delas, mentiram. Os irmãos sustentam que não podem ser brandidas
contra eles confissões dessas que em nada prejudicariam quer a Ordem, quer as pessoas, porque essas confissões foram arrancadas pelas ameaças de morte, pela tortura. Se há irmãos que não foram submetidos aos tratos, ficaram aterrorizados com o medo dos suplícios: ao verem os outros submetidos à tortura, disseram tudo o que os seus carrascos quiseram. As penas sofridas por um só aterrorizaram um grande número. Há aqueles que foram corrompidos pela oração, pelo dinheiro, pelas carícias, por grandes promessas, e que não puderam resistir às ameaças.
Com base nisso, poderíamos pensar que tudo quanto é censurado à Ordem é falso. E, no entanto, a 2 de Julho de 1308, setenta e dois
Templários que compareceram perante o Santo Padre reiteraram as suas confissões, longe de qualquer tortura, confissões demasiado precisas e demasiado coerentes entre si para não impressionarem o papa. A maior parte dos pontos do documento de acusação tiveram, por certo, de ser abandonados, mas o que restou era muito grave: essencialmente a negação de Cristo e o fato de cuspirem na cruz quando da cerimónia de recepção, os beijos no corpo e a autorização de sodomia, o culto de uma cabeça com poderes mágicos, outros tantos elementos ligados a um ritual desprovido de sentido aos olhos daqueles que persistiam em o praticar como um hábito. Ficamos perplexos perante o modo como se comportaram os dignitários da Ordem durante o processo, nomeadamente o Grão-Mestre Jacques de Molay. A 21 de Outubro, Geoffroy de Chamay, comendador da Normandia, reconheceu ter negado Cristo e a prática dos beijos quando da recepção. Disse também que Gérard de Soizet, preceptor de Auvergne, lhe dissera que era melhor unirem-se entre irmãos do que debocharem com mulheres.
A 24 de Outubro, Jacques de Molay afirmou que: A manha do inimigo do género humano levara os Templários a uma perdição tão cega que, havia muito, aqueles que eram recebidos na Ordem negavam Jesus, com perigo da sua alma, cuspiam sobre a cruz que
lhes era mostrada e cometiam, nessa altura, outras enormidades.
Falando assim, condenava toda a Ordem. Falando de si mesmo, afirmou:Há quarenta e dois anos que fui recebido em Beaune, diocese de Autun, pelo irmão Humbert de Pairaud, cavaleiro, na presença do irmão Amaury de La Roche e de muitos outros cujos nomes já não retenho na memória.Primeiro, fiz todo o tipo de promessas a respeito das observâncias e dos estatutos da Ordem e, depois, impuseram-me o manto. Em seguida, o irmão Humbert mandou que trouxessem uma cruz de bronze onde se encontrava a imagem do crucificado e incitou-me a renegar Cristo que figurava nessa cruz. De mau modo, fi-lo: em seguida, o irmão Humbert
disse-me para cuspir na cruz, cuspi no chão.Hugues de Payraud, visitador de França, começara por negar, mas em breve se mostrou bem loquaz. Quanto a Geoffroy de Gonneville,preceptor da Aquitânia e de Poitou, confirmou os ritos de negação.Podemos, é claro, invocar a tortura para explicar essas confissões.Com efeito, quando os dignitários souberam que a Igreja avocara o caso
e que haviam sido subtraídos à jurisdição real, tinham-se retractado.
No entanto, não foram levados até ao papa e a sua caravana parou em Chinon. Nesse local, receberam a visita de três cardeais enviados pelo papa e então, num golpe de teatro, reiteraram as suas confissões.Estupefatos, os cardeais tomaram a precaução de ler os seus depoimentos aos dignitários e pediram-lhes que reflectissem bem antes de os assinarem. Mesmo assim, assinaram. Fato curioso, quando,  Novembro de 1309, Jacques de Molay compareceu perante a Comissão Pontifícia,começou por tergiversar, procurar escapatórias e responder ao lado das perguntas. Acabaram por lhe reler as confissões que fizera em Chinon.Indignou-se com as palavras que lhe eram atribuídas, negou-as mas,mesmo assim, não defendeu ele próprio a Ordem. Teriam modificado o que dissera? Ter-lhe-iam prometido que as suas confissões não seriam
divulgadas e que se destinavam apenas a esclarecer o papa? Fora
enganado de uma forma ou de outra?No que a isto respeita, Jacques de Molay pediu para ter uma entrevista em particular com Guillaume de Plaisians, conselheiro de Filipe, o Belo. Que disseram? Jacques de Molay concluíra, anteriormente, um
acordo com ele e de que natureza? Ter-se-ia mostrado cúmplice da
destruição de uma Ordem que se tornara perigosa? Isso é duvidoso, mas a atitude do Grão-Mestre é, mesmo assim, muito perturbadora.
Na sequência do seu encontro com o conselheiro do rei, pediu oito dias para «deliberar». Obteve-os. Durante algum tempo, pareceu indeciso e, depois, renunciou a defender a Ordem, afirmando-se iletrado e pobre mas procurando, mesmo assim, lembrar os serviços prestados pela Ordem, no passado. Que inépcia! Mesmo assim, declarou:Mas irei perante Monsenhor o Papa, quando lhe aprouver. Sou mortal como os outros homens e o futuro não me está garantido.Não seria uma forma de fazer saber que tinha medo? Que o papa o mandasse conduzir junto dele e aí poderia falar, mas enquanto a sua sorte estivesse, cada dia, nas mãos dos homens do rei, podia temer tudo. Aliás, acrescentava:Suplico-vos, pois, e peço-vos que digais a Monsenhor o Papa que chame à sua presença o mestre do Templo, logo que possível: só então lhe direi o que é a honra de Cristo e da Igreja, desde que esteja em meu poder.
Na verdade, os únicos que, corajosamente, tomaram um pouco a defesa da Ordem foram os Templários de base, prova de que o Templo se tornara um corpo sem alma e de aqueles que «sabiam» o tinham deixado havia muito tempo. Mas, mesmo assim, como é possível que os dignitários não tenham clamado alto e bom som a inocência da Ordem? Que tenham tido medo, que tenham cedido sob a tortura, tudo bem. Mas não haveria um só que reagisse? O sofrimento, a falta de coragem, podem explicar muitas coisas, mas não teria havido um entendimento para conduzir ao fim da Ordem? Manifestamente, os dignitários souberam antecipadamente que os
Templários seriam presos. Mesmo que suponhamos que não tenham sido prevenidos directamente, o mero facto de, em determinados locais, o segredo poder ter sido traído, implica que os Templários prevenidos desse modo tenham advertido de imediato o Grão-Mestre da Ordem. Ora, este não fez nada, nem fugiu, nem pôs a Ordem em estado de defesa.Permitiu que o apanhassem no ninho, deixando penetrar na Torre do Templo aqueles que vinham prendê-lo. Tornava possível, desse modo, a destruição da sua Ordem. Não poderemos imaginar que tinha boas razões para tal? E até, por certo, ordens que poderiam provir do círculo oculto que se separara da Ordem, do Templo interior? Isso explicaria muitas coisas.
No início, os dignitários entraram no jogo e deixaram prosseguir a
detenção. Depois, reconheceram os fatos censurados aos Templários.Todavia, em breve se deram conta de que os irmãos eram torturados e isso não devia fazer parte do pacto. Então, hesitaram, não queriam defender a Ordem mas também não concordavam com deixar que os cavaleiros do Templo morressem sob a tortura. Quiseram ver o papa. Tal não lhes foi permitido mas deixaram-nos encontrar-se com uns cardeais que o soberano
pontífice mandara junto deles. E, aí, Jacques de Molay hesitou, como vimos. Que devia dizer? Por um lado, pediu para se encontrar com o conselheiro do rei; por outro, teria querido ver o papa. Parecia perdido, como se o desenrolar do filme não correspondesse ao argumento que, previamente, lhe haviam dado a ler. Que diferença em relação aos irmãos que se declararam voluntários para assumir a defesa da sua Ordem - mais de quinhentos e sessenta.
A 7 de Abril de 1310, nove prisioneiros entregaram, à comissão, uma memória que era, ao mesmo tempo, defesa jurídica e reclamação contra os procedimentos dos agentes do rei.
De qualquer modo, o concílio reunido em Vienne, em Outubro de
1311, ficou muito embaraçado. Como poderiam mostrar-se justos sem incorrerem nas iras do rei de França? Os participantes não queriam comportar-se como os do concílio de Sens que, pouco mais de um ano antes, tinham enviado cinquenta e quatro Templários para a fogueira.Como fazer? Clemente V sentia-se um pouco mais livre em relação a Filipe, o Belo, porque acabara de lhe dar provas, atacando a memória de Bonifácio VIII. O rei apercebeu-se e decidiu comparecer pessoalmente em Vienne, a 20 de Março de 1312. Perante a ameaça de pressão, Clemente V preferiu precipitar as coisas. Não queria condenar a Ordem mas corria o risco de se ver obrigado a tal, com a faca encostada à garganta, pelo rei de ferro. Para evitar isso, preferiu dissolver a Ordem do Templo, «por via de provisão». Entre outras coisas, a bula proclamava:Uma voz foi ouvida nas alturas, voz de lamentação, de luto e de choros: porque chegou o tempo em que o Senhor, pela boca do profeta,faz ouvir este queixume: «Esta cidade foi para mim causa de ira e de furor; será afastada da minha presença por causa de todo o mal dos
seus filhos; porque provocaram a minha cólera; voltaram-me as costas e não a face; instalaram as suas abominações na Casa sobre a qual o meu nome é invocado, para profaná-la. Construíram altares a Baal para iniciarem e consagrarem os seus filhos aos ídolos e aos demónios»(Jérém. XXXII,31-35). Eles agiram de modo profundamente corrupto, como nos dias de Gabaá. (Oseias DC.9). Perante uma notícia tão horrenda, em presença de uma infâmia pública tão horrível (com efeito, quem ouviu alguma vez,quem viu alguma vez algo semelhante?), sucumbi quando ouvi, fiquei
contristado quando vi, o meu coração encheu-se de amargura, as trevas envolveram-me.A bula continua longamente neste tom, e nela Clemente V evoca Salomão:Porque o Senhor não escolheu a nação por causa do lugar, mas o lugar por causa da nação; ora, como o próprio local do Templo participou nos crimes do povo e Salomão, que estava cheio da sabedoria como de um rio, ouviu estas palavras formais da boca do Senhor, enquanto construía um templo: «Se os vossos filhos se afastarem de mim, se deixarem de me seguir e de me honrar, se forem procurar deuses estrangeiros, eu os afastarei para longe da minha face e os expulsarei da terra que lhes dei e retirarei da minha presença o Templo que consagrei ao meu nome [ ... ].» Assim, o papa parecia querer relativizar uma sacralidade, uma legitimação que a Ordem poderia deter devido à sua presença, no passado, no local do Templo de Salomão ou então por causa do que lá tivesse descoberto.Em seguida, Clemente V lembrava o facto de ter sido prevenido dos actos dos Templários, antes mesmo de ter sido coroado: Haviam-nos insinuado que eles tinham caído no crime de uma apostasia abominável contra o próprio Senhor Jesus Cristo, no vício odioso da idolatria, no crime execrável de Sodoma e em diversas heresias.O papa relatava então as dúvidas que tivera, por não poder acreditar que aqueles que davam a vida pelas cruzadas fossem também heréticos.Todavia, afirmava, o rei de França acabara por o convencer. Aí, o texto não estava isento de humor:No final, todavia, o nosso muito querido filho em Jesus Cristo, Filipe, ilustre rei de França, a quem os mesmos crimes haviam sido denunciados, levado não por um sentimento de avareza (porque não pretendia, de forma alguma, reivindicar ou apropriar-se de quaisquer bens dos Templários, dado que deles desistiu no seu próprio reino e os afastou completamente das suas mãos), mas pelo zelo da fé ortodoxa, seguindo os ilustres trilhos dos seus antepassados, informou-se tanto quanto lhe era possível do que se passara e fez-nos chegar, pelos seus enviados e pelas suas cartas, inúmeros e importantes esclarecimentos para nos instruir e informar sobre essas coisas [...].Fazendo isto, Clemente V, dando o ar de que ilibava Filipe, o Belo, revelava o verdadeiro móbil deste: meter a mão nas riquezas da Ordem e, ao mesmo tempo, tomava as suas precauções para que o rei se não
pudesse apropriar de tudo.Depois, o papa lembrava as confissões de membros importantes da Ordem que haviam testemunhado junto dele. Parecera-lhe, então, que isso não poderia ser deixado em silêncio, afirmava. Insistia especialmente nos testemunhos dos dignitários:Depuseram e confessaram livre e voluntariamente, sem
violência nem terror, que, quando da sua recepção na Ordem, tinham negado Cristo e cuspido na cruz. Alguns deles confessaram ainda outros crimes horríveis e desonestos que calaremos, de momento.Essas confissões pesaram muito na balança. Clemente V não podia salvar a Ordem sem que ele próprio fosse suspeito de heresia. Concluiu,portanto: Sem dúvida que os processos precedentes dirigidos contra esta Ordem não permitem condená-la canonicamente como herética, por meio de uma sentença definitiva; no entanto, como as heresias que lhe imputam a difamaram singularmente, como um número quase infinito dos seus membros, entre os quais o Grão-Mestre, o visitador de França e os
principais comendadores, estiveram convencidos das citadas heresias, erros e crimes pelas suas confissões espontâneas; como essas confissões tornam a Ordem muito suspeita, como essa infâmia e essa suspeição a tornam perfeitamente abominável e odiosa para a Santa Igreja do Senhor, os prelados, os soberanos, os príncipes e os
católicos; como, ademais, acreditamos com toda a verosimilhança que não encontraríamos um homem de bem que, doravante, quisesse entrar para essa Ordem, tudo coisas que tornam inútil à igreja de Deus e à condução dos assuntos da Terra Santa, cujo serviço lhe fora confiado...O papa tinha razão, recusava-se a condenar a Ordem, mas esta já não podia ser realmente salva e, ademais, ter-se-ia tornado inútil.Portanto, o melhor era suprimi-la, pura e simplesmente, sem condenação:Pensámos que era necessário recorrer à via de provisão e ordenação para suprimir os escândalos, evitar os perigos e conservar os bens destinados ao socorro da Terra Santa. Terminava luminosamente evocando as boas razões para proceder assim: Suprimindo a citada Ordem e aplicando os seus bens no uso para que haviam sido destinados e, quanto aos membros da Ordem ainda vivos,tomar medidas sensatas em lugar de lhes conceder o direito de defesa e prorrogar o caso.Clemente V salvava o que ainda podia ser salvo, homens e bens. Não ignorava que, se as coisas se arrastassem ainda mais, já não haveria Templários para defender a Ordem, seriam mortos antes nas masmorras do rei de França.Terminara, por fim. A Ordem do Templo já não existia e, um mês mais tarde, Clemente V atribuía o seu património aos Hospitalários de São João de Jerusalém. Fúria de Filipe, o Belo, que contava apropriar-se dos despojos da Ordem. Aliás, apesar das decisões tomadas, desviou inúmeras propriedades que se recusou a devolver. Ainda por cima, exigiu uma indemnização de duzentas mil libras, uma soma enorme que,segundo dizia, teria sido depositada no Templo e nunca lhe fora
restituída. Ninguém se iludiu: Filipe, o Belo, mentia. Aliás, nunca
tivera na sua posse duzentas mil libras, esse rei que era obrigado a brincar aos moedeiros falsos para viver. Além disso, exigiu sessenta mil libras de custos do processo, quando, durante todos esses anos, fora ele que recebera os rendimentos dos domínios confiscados ao Templo. Reclamou também dois terços do mobiliário e dos ornamentos religiosos mas o que retirou foi escasso porque, entretanto, o papa já pusera a salvo uma parte desses bens. Para aqueles que ainda estejam convencidos de que Filipe, o Belo, era totalmente desinteressado nesta história, lembremos que,ainda por cima, nunca pagou os dois empréstimos de quinhentas mil libras e de duzentos mil florins concedidos pelo Templo, nem uma outra
soma de duas mil e quinhentas libras que mandara que lhe entregassem em 1297. E depois, durante cinco anos, não só arrecadara os rendimentos dos imóveis do Templo em França, recebera as rendas e os censos, como recuperara créditos da Ordem que mandara pagar em seu proveito.Por fim, para beneficiarem dos bens do Templo, os Hospitalários tiveram de submeter-se às exigências do rei e pagar, isto é, esvaziaram o seu tesouro próprio. Não foram eles que fizeram um bom negócio.Ao suprimir a Ordem sem qualquer outra forma de processo, o papa salvara o que ainda podia sê-lo. Na mesma altura, entregava o destino dos homens do Templo à apreciação dos concilios provinciais, o que teve como efeito imediato devolver a tranquilidade a todos quantos viviam em países que lhes não eram demasiado hostis. Aliás, Clemente V
reservava-se o julgamento dos dignitários. Enviou a Paris três
cardeais que lhes pediram que confessassem publicamente a indignidade da Ordem e que os condenaram a prisão perpétua. Perante a Notre-Dame,em cima de um estrado, Hughes de Payraud e Geoffroy de Gonneville confirmaram a sua culpabilidade mas, para surpresa geral, Jacques de Molay e Geoffroy de Chamay retractaram-se.A cerimónia foi interrompida. Os dois homens foram declarados relapsos e entregues ao braço secular. Filipe, o Belo, decidiu, de imediato executá-los. Ergueu-se apressadamente uma fogueira na ilha dos Javiaux, atualmente praça do Vert-Galant, na extremidade ocidental da ile de la Cité, a 18 de Março de 1314.
No momento em que as chamas começaram a elevar-se, Jacques de Molay,que recuperara a sua dignidade, teria gritado: «Os corpos pertencem ao rei de França, mas as almas pertencem a Deus.»
Depois, teria proferido uma maldição, intimando os seus carrascos
perante o tribunal de Deus no prazo de um ano. A 21 de Abril seguinte, Clemente V falecia, sem dúvida devido a um cancro do piloro. A 29 de Novembro, uma queda de cavalo, diz-se, levou
Filipe, o Belo. Na verdade, caiu doente de repente, a 4 de Novembro, queixando-se de dores gástricas seguidas de vómitos e diarreia, que precederam uma secura de boca, anorexia e uma sede insaciável. Não havia vestígios de febre. O mistério dessa morte nunca foi desvendado. Teria Filipe, o Belo, sido envenenado?
Nesse mesmo ano, Nogaret faleceu misteriosamente, Esquin de Florian  foi apunhalado, e os denunciadores Gérard de Laverna e Bernard Palet foram enforcados. Alguns viram aí o dedo de Deus e outros uma vingança bem organizada: um braço escondido na sombra que desferia golpes metodicamente.

AMOR E DESEJO




Para a Humanidade, o amor talvez seja a mais desconcertante de todas as experiências interiores, mas, paradoxalmente, todo indivíduo a tem até certo ponto. O amor não é um produto da mente. Não é uma intelectualização, mas sim manifestação psíquica e emocional vivida pelo eu. Em assim sendo, o amor foi idealizado por poetas e bardos e a tal ponto, que a maioria das pessoas acredita tratar-se de algo a ser deixado a cargo da sorte, ou a ser misteriosamente alcançado sem fórmula ou método.


Os amores são de vários tipos. No sufismo, o misticismo maometano, diz-se que o amor de Deus é expressado no amor do homem pelo Divino. Foi Deus, de acordo com o sufismo, que tornou possível ao homem amar o Divino; e assim, quando o homem expressa amor Divino, um amor de Deus, Deus está realmente amando a Si mesmo. Portanto, quando o homem se nega amor Divino, ele está restringindo a natureza de Deus, e o sufismo, portanto, afirma que o amor Divino é o mais exaltado.


Dhu Dum, místico muçulmano, perguntou o que é o amor puro, o amor que não se esgota, e respondeu à sua própria pergunta, para esclarecimento de seus discípulos. Sentenciou que é o amor de Deus, porque o amor de Deus é tão absorvente que nenhum outro amor pode competir com ele ou diminuí-lo. Acrescentou, ainda, que esse amor de Deus, amor puro, é desinteressado. Com isto, queria dizer que não é afetado por benefícios que dele possam advir. Em outras palavras, aquele que tem esse amor puro não amará mais a Deus pelas vantagens que esse amor lhe possa trazer, nem amará menos a Deus pelos sacrifícios que esse amor possa exigir.


Al-Ghazali, filósofo e místico muçulmano do século X, ensinava as doutrinas místicas islâmicas em Bagdá. Distinguia admiravelmente entre três tipos de amor. O primeiro é o amor a si mesmo, engendrado pelo instinto de autoconservação. Embora muitos místicos e filósofos tenham execrado este amor a si mesmo, ele afirmava que esse amor a si mesmo é muito essencial porque temos de amar nossa existência o suficiente para que nos afirmemos como ser, e, se assim não o fizermos, não poderemos viver nenhum dos outros amores.


O segundo é o amor ao próximo, pelos benefícios que ele nos concede. É um amor natural e, num sentido, é um tanto parecido com o primeiro, o amor a si mesmo, como pode ser nosso amor ao médico, por exemplo, devido à sua arte de curar, ou nosso amor ao mestre, devido à instrução que ele nos proporciona.


O terceiro amor, o amor mais elevado, segundo Al-Ghazali, é o amor por uma coisa por si mesmo, e não por quaisquer benefícios que dela possam ser obtidos. A coisa em si é a essência desse prazer. Ela é apreciada pela sua própria natureza, tal como a essência da beleza é o deleite que dela tiramos. Ele usa, como analogia, o amor pelas coisas verdes, o amor pela água corrente. Nem sempre amamos essas coisas pela razão de que coisas verdes possam ser comidas ou que a água corrente possa ser bebida; elas são amadas também pela simples percepção, pelo que são, pela beleza que dentro delas existe.


Al-Ghazali conclui: "Onde existe beleza, é natural amar". Se Deus é belo, certamente Ele será amado por todos aqueles a quem Ele se revela; e quanto mais bela uma coisa, mais ela é amada.


Plotino, o pai do neoplatonismo, que muito contribuiu para as doutrinas místicas do mundo, também declarou que existem diferentes amores; por exemplo, o amor pela criação, como o amor de um artesão pela sua obra; o amor de um marceneiro pelo seu trabalho, ou o de um ourives pelos frutos da sua arte, ou o de um estudante pelos seus estudos. O amor mais alto, diz Plotino, é o amor Hierárquico. É o amor da Alma Universal em nós pelo Absoluto, pela unidade da qual ela é sempre parte.


Aceitemos, por enquanto, o ponto de vista místico, estético e oriental do amor, dado acima, isto é, que ele é uma força impulsionadora da natureza espiritual do homem para satisfazer os propósitos da alma. Encontramos na natureza complexa do homem outros paralelos ao amor? Em outras palavras, encontramos quaisquer outros impulsos para deleitar a natureza do homem? A natureza física do homem é um aspecto do seu ser trino, conceito geralmente aceito. Existem fatores que lhe são essenciais, tais como alimento, bebida, abrigo e sono. Para que a natureza física do homem perpetue sua espécie, existe também o fator da procriação. Portanto, estas coisas são finalidades, digamos, que o ser físico tem de alcançar para continuar sendo o que é. Quando elas são possuídas, goza-se, temporariamente, de uma harmonia ou estado de equilíbrio. Quando, entretanto, há uma deficiência delas, surge o desequilíbrio. A plenitude ou perfeição da natureza física do homem é seu estado normal. Essa normalidade é acompanhada pela sensação de satisfação, espécie de prazer que conhecemos como felicidade. Quando há uma deficiência, falta daquilo do que o ser físico do homem depende, tornamo-nos cônscios de uma irritabilidade ou de uma desarmonia. Essa desarmonia é que causa o desejo.


Felizmente, acompanhando esses desejos físicos, existem ideais, a percepção do que é necessário para satisfazê-los. Um animal percebe isso por meio de suas experiências — ou seja, pelo que ele vê e ouve, e sabe o que satisfará sua fome, sua sede ou suas paixões. Entre os animais inferiores, essa percepção parece ser uma resposta inconsciente. O cheiro do alimento é subjetivamente associado ao desejo pelo alimento, e o animal pega sua presa. No homem, aquilo que satisfará o desejo físico é percebido conscientemente. Em outras palavras, sabemos o que queremos bem como que o queremos. Nossos desejos, portanto, não são tão gerais quanto os dos animais. Eles são mais específicos. Sabemos das coisas ou condições que temos certeza que removerão ou satisfarão nossos desejos. Aquilo que concebemos como benéfico para nossas necessidades é o bem. Ademais, buscamos aquelas coisas capazes de nos produzir sensações agradáveis, que se harmonizam com a natureza do nosso ser físico. Tais coisas ou experiências tornam-se nossos ideais.


Assim, cada um dos nossos sentidos objetivos ou receptores busca um ideal ou uma qualidade. Desejamos fragrância para o olfato, porque nos é agradável. Queremos doçura para o paladar, igualmente porque é agradável. Desejamos certa harmonia de sons, porque é agradável ao ouvido e ao sistema nervoso. As coisas que representam essas qualidades desejadas nos são atraentes. Dizemos que aquilo que é simétrico na forma, ou cujas cores são atraentes para nossa vista, é belo. Por belo referimo-nos às coisas de uma experiência visual que são agradáveis ao nosso sentido da visão. Fragrância para o sentido do olfato é, assim, uma espécie de beleza, pois representa o ideal de harmonia para aquele sentido. Da mesma forma, a doçura é uma espécie de beleza para o sentido do paladar. Beleza é, apenas, um nome para o que é agradável ao sentido da visão. Cada sentido tem sua correspondente qualidade ou beleza. Qualquer coisa que traz prazer ou satisfação a um sentido é, em outras palavras, bela para ele.


Portanto, o desejo é o impulso para encontrar o belo ou seu equivalente. É a busca da coisa ou condição que satisfará aquela natureza a que o desejo serve. Ninguém jamais teve um desejo por aquilo que não é belo, isto é, por aquilo que não representa uma experiência agradável para a pessoa, de uma ou outra forma. Se um desejo não representasse aquilo que satisfaria o homem, este permaneceria insatisfeito e, fisicamente, se tornaria anormal e, por conseguinte, sofreria.


Desde que o homem começou a especular sobre seu próprio complexo ser, freqüentemente se tem considerado de três naturezas: física, intelectual ou mental e espiritual. Contudo, muitas vezes reuniu as duas primeiras em uma só. As três naturezas, portanto, constituem a hierarquia do ser humano. Todas as três se fundem umas nas outras mas, ainda assim, têm características distintas. Afinal de contas, se estas três naturezas estão de qualquer modo relacionadas, cada uma por sua vez, a partir da mais alta, tem necessidade de exercer alguma influência sobre a outra. Elas não poderiam ser absolutamente separadas. Logo, a mais inferior, ou física, tem seus ideais, assim como qualquer uma das outras. Os ideais do físico são aqueles que, como dissemos, os sentidos percebem como agradáveis e satisfazem os desejos do corpo. O corpo tem de unir-se aos seus ideais. Em outras palavras, o corpo tem de vincular-se àquilo que é belo, no sentido em que usamos a palavra beleza, para satisfazer os apetites e as paixões. Se não faz isto, o corpo torna-se deformado e imperfeito.


Os desejos do corpo são, assim, os amores do corpo. Praticar o auto-sacrifício, suprimir os amores do corpo, é corromper uma das naturezas do ser trino do homem. Esses amores são essenciais para o físico. Eles o ajudam a desposar o ideal que manterá a harmonia da sua essência.


Entretanto, o homem tem de compreender que a finalidade da vida não é simplesmente a satisfação dos desejos físicos. A busca desses amores físicos deixa insatisfeitos os desejos das outras naturezas. Ela mantém o homem continuamente em aflição. Como disse Espinosa: ''As tristezas e os infortúnios têm sua fonte principal num amor excessivo por aquilo que é sujeito a muitas variações, e sobre o qual nunca podemos ter controle... tampouco a injustiça, infortúnio, inimizade etc., surgem fora do amor por coisas que ninguém pode realmente controlar". Na realidade, isto quer dizer que deveríamos conhecer os limites dos ideais do físico. Amá-los somente pelo que podem proporcionar e na medida em que servem o corpo e não buscá-los continuamente por si mesmos, pois eles não podem satisfazer toda a natureza do homem.


Existem, também, os amores intelectuais, os desejos da mente. A mente, a inteligência ativa, como sabemos, pode estabelecer finalidades, pode aspirar a propósitos. Estas aspirações são ideais mentais. A mente procura trazê-los à realidade, concretizá-los e realizá-los, tal como o escultor cria uma estátua para que possa viver objetivamente a idéia que tem em mente. O amor intelectual é muito maior que o corporal. Seus ideais são muito mais numerosos. Cada um desses ideais intelectuais, embora satisfaça em parte o amor intelectual, impele o amor a criar outros ainda maiores que dão satisfação intelectual crescente. Enquanto o amor físico, se favorecido com demasiada freqüência, pode ficar saciado, os amores intelectuais sempre aumentam o prazer que proporcionam à mente do homem. Os ideais da natureza intelectual do homem são o conhecimento e a realização. O intelecto deve unir-se a esses ideais se quiser alcançar sua normalidade, independente dos amores e satisfações que o homem possa ter fisicamente.


A seguir, examinemos a mais elevada natureza do homem — a espiritual — interpretando o conceito dessa natureza como desejarmos. Devemos imaginar o amor espiritual como se fosse, em essência, extremamente diferente dos outros amores, só porque parece mais impessoal, isto é, porque serve a um eu maior? Não é o amor do homem por Deus, pelo Divino, igualmente um desejo — um desejo tendo uma finalidade mais elevada ou mais exaltada? É um desejo destinado a manter a natureza espiritual do homem satisfeita. Plotino, o grande filósofo neoplatônico e intérprete do misticismo, disse: "O amor conduz todas as coisas à natureza do belo".


Diferentes amores pertencem a diferentes graus na hierarquia da existência humana. O amor espiritual é a atividade da alma desejando o bem, disse um místico, ou seja, o amor espiritual é o desejo da alma pelo que é agradável ao seu exaltado sentido. "O amor Divino contempla a beleza Divina", é o adágio de um místico sufi. Pode-se interpretar esta asserção como tradução de que o mais alto desejo do homem, ou amor espiritual, é a necessidade íntima de experimentar a harmonia Cósmica, ou a beleza Divina da Natureza. Esse êxtase satisfaz a alma, assim como os amores somáticos trazem prazer ao corpo.


Portanto, nenhum amor de que o homem é capaz é indigno, ou deve ser suprimido. Cada amor — os do corpo, da mente e da alma — tem de ser unido à sua respectiva natureza. Tal é, misticamente, o casamento da trindade ou os casamentos da natureza trina do homem. Cada casamento ocorre dentro da sua própria casta ou classe. Só se experimenta dificuldade quando uma natureza ama o ideal de outra. Quando um homem dissipa seus amores espirituais ou intelectuais, despreza-os em troca dos do corpo, o resultado é degenerescência e infelicidade. Espinosa disse: "O amor de Deus deveria ser um amor do imutável e do eterno... não maculado por qualquer defeito inerente ao amor comum... este amor de Deus pelo inalterável e eterno toma posse da nossa mente sem despertar emoções de medo, ansiedade, ódio etc.". Em outras palavras, o amor de Deus é um amor do que jamais termina, que não tem natureza decrescente. É o amor de algo que não pode ser roubado, de que ninguém pode ter inveja, de modo que é um amor livre das emoções que acompanham os amores do corpo. "Este amor intelectual da mente por Deus é o próprio amor de Deus com o qual Deus ama a si mesmo... Esse amor intelectual da mente por Deus é uma parte do amor infinito com o qual Deus ama a si mesmo". Nisto, vemos que o amor de Deus é manifestado na alma do homem, como o desejo do homem de amar a Deus, de compreendê-Lo e de ser absorvido na Sua natureza. É como uma tira de borracha esticada entre dois pontos. Quanto mais se estica uma ponta, mais a outra procura retornar ao centro.


Um místico sufi, Hallaj, disse: "Antes da criação, Deus se amava em absoluta unidade. Pelo amor, revelou-Se a Si sozinho. Então, desejando contemplar o amor — em unicidade — o amor sem dualidade e como um objeto externo, Deus criou da inexistência uma imagem de Si mesmo e dotou-a de todos os Seus atributos. Esta imagem é o homem".


Em poucas palavras, isto quer dizer que o amor do homem por Deus é o amor de Deus objetivamente reduzido a um estado menor — como um reflexo num espelho é menos real do que é refletido.


O amor pela beleza física, dizem-nos Plotino e Platão, é o primeiro estágio legítimo na ascensão para o amor pelas idéias Divinas. O corpo tem de amar o que ele concebe como belo, seus ideais, de modo que sua natureza possa ser venturosamente unida e tornar-se saudável e normal. Quando isto é realizado, o amor pela beleza intelectual, ou conhecimento, é a etapa seguinte na ascensão. Quando se tem satisfação mental ou intelectual, então o homem está preparado para o amor maior, o amor pela beleza Divina, pelas coisas espirituais do mundo. Portanto, não existem amores isolados, e sim uma escala gradual de amores. O verdadeiro valor de cada um é determinado pelo seu ideal. Quanto mais limitado o ideal — a coisa concebida como o belo —, menor o amor.


 Naturalmente, eles percebem que o amor não é meramente uma experiência intelectual; mas, por outro lado, também percebem que é essencial compreender as causas do amor, de modo a serem capazes de produzir o efeito mais duradouro. Primeiro, dizem que, basicamente, todo amor é desejo. É um anelo ou um apetite, se quiserem, por aquilo que nos traz prazer. Ninguém, jamais, amou aquilo que traz dor, sofrimento, infortúnio, ou tormento. Por conseguinte, os rosacruzes afirmam que o amor é o desejo de harmonia. Contudo, o amor por aquilo que seria harmonioso apenas para os sentidos físicos deixaria outros amores certos sem recompensa. O amor do intelecto pela realização dos seus ideais seria desprezado. O amor do eu emocional seria esquecido, deixando-o, talvez, torturado por temores. O amor do eu espiritual para expressar seus sentimentos psiquicamente também seria engolfado, se nos concentrássemos num amor que traz harmonia apenas aos sentidos físicos. Somente quando sentimos a harmonia de todo o nosso ser, todos os aspectos de nós mesmos, é que experimentamos o amor absoluto, a satisfação completa. Este amor absoluto é encontrado na saúde do corpo e no seu desejo de manter-se. Ele consiste, também, do amor por exercitar os poderes criativos da mente e o amor por expressar os valores espirituais, tais como compaixão e abnegação.

domingo, 5 de setembro de 2010

O ódio de Filipe, o Belo, pela Ordem do Templo



O rei de ferro tinha a jogada ganha. Não seria Clemente V quem o
impediria de pôr em execução os seus desígnios. Mas por que razão
tinha um tal ódio à Ordem do Templo? As razões eram, sem dúvida,
múltiplas. Em primeiro lugar, a Ordem apenas reconhecia Deus como senhor e só o papa tinha um poder - limitado - sobre ela. A sua organização interna era a de uma república aristocrática, exemplo incómodo para a realeza hereditária. Não pedira o rei que a Ordem fosse reformada e que o cargo de Grão-Mestre se convertesse em apanágio hereditário da sua linhagem? Do seu palácio, podia ver a Torre do Templo que o afrontava, cidade dentro da cidade, e que não tinha contas a prestar-lhe. O Templo tinha as suas liberalidades, os seus privilégios, o seu direito de asilo, a sua alta, média e baixa justiça. Daí a prontidão com que o rei tomou posse da Torre do Templo na própria manhã em que os monges-soldados foram detidos.Depois do concilio de Sens, em 1310, Filipe, o Belo, mandou desenterrar e queimar as ossadas do tesoureiro que mandara construir essa Torre do Templo, um século antes. Que ódio acumulado deveria ter o rei para chegar a esse ponto? E talvez, também, que decepção por não ter encontrado lá o que procurava: um tesouro importante. Como poderia não lhes ter ódio, ele que conhecera a humilhação de ter de pedir, várias vezes, a ajuda financeira dos Templários?Ademais, o rei fazia sem dúvida um cálculo político. Qual seria o poder dos reis que quisessem opor-se ao Templo? Não iriam os Templários construir um império na Europa e, sobretudo, em França,onde estavam melhor implantados? Filipe, o Belo, decidira resolver essa questão à sua maneira.
O rei de França, orgulhoso, tinha outras razões para se sentir
humilhado pela Ordem. Houvera aquela recusa de lhe concederem o título de membro honorário. Tinham-se recusado a acolher o seu filho. Ainda por cima, na sequência de malversações monetárias de Filipe, o Belo,em Dezembro de 1306, houvera tumultos em Paris. O rei encontrara-se em perigo: tivera de pedir asilo ao Templo que o acolhera na sua Torre de Paris. Teve de lá ficar durante vários dias, à espera de que a revolta fosse sufocada. Como deve ter odiado os seus salvadores! Essa humilhação lembrou-lhe, sem dúvida, a que sofrera na infância e que o marcara. Acompanhara então o seu pai, Filipe, o Ousado, numa viagem ao Languedoque. Nessa altura, haviam visitado os Voisins,senhores de Rennes-de-Château, e, sobretudo, os Aniort. Raymond d'Aniort, o chefe de familia, senhor no Razès, a sul de Carcassonne,era parente do rei. O seu jovem irmão, Udaut, simpatizou com o futuro Filipe, o Belo.Os dois primos, em alguns dias passados juntos, descobriram gostos
comuns.Divertiram-se, caçaram com o falcão... E, depois, havia lá uma prima de Udaut, Aélis, que agradava muito ao jovem delfim. Tudo isso transformava a sua estada num momento muito agradável. O futuro rei teria desejado que Udaut se tornasse seu companheiro de armas, mas este recusou: decidira entrar para a Ordem do Templo. Assim, desde a sua juventude,Filipe vira-se rejeitado em proveito da Ordem e, quando deixou a região, o azedume acompanhara-o.Tudo isso não era de molde a predispor Filipe, o Belo, em favor doTemplo. No entanto, o verdadeiro motivo que decidiu o rei a abater a Ordem era, sem dúvida, mais sórdido. Tratava-se de rapinar os seus haveres, de encher as «arcas» do fisco, de submeter bens ao imposto e,sobretudo, de se livrar de duas dívidas notórias. Filipe, o Belo,devia à Ordem quinhentas mil libras e duzentos mil florins, sem falar de todas as dívidas da sua familia.O rei manifestou o seu despeito por não ter descoberto «o» tesouro do Templo, mas queimou todos os cartuchos, mandando vender todos os objetos encontrados nas comendas templárias, incluindo os de culto.Não podia esperar. Passara o tempo a contar os tostões.Claro que era preciso que a Ordem não saísse limpa da armadilha que lhe fora preparada, ou teria de ser reembolsada do que lhe fora pilhado. Nesse campo, o déspota desconfiava do papa. A vontade de destruir era conhecida de Clemente V, mas a operação de comando sem dúvida que o apanhou desprevenido. Pareceu furioso por ter sido posto assim perante o facto consumado com a cumplicidade de uma parte do seu clero e, em especial, dos dominicanos. Reagiu escrevendo ao rei:Enquanto estávamos longe de vós, estendestes a vossa mão sobre as suas pessoas e os seus bens: fostes ao ponto de os lançar na prisão e - o que leva ao cúmulo a nossa dor - não os haveis libertado. E até, indo mais longe, haveis acrescentado à aflição do cativeiro uma outra
aflição, que por pudor para com a Igreja e para com nós todos, achamos próprio deixar passar actualmente em silêncio.Sem dúvida que Clemente V hesitava referir a tortura por que era praticada com a cumplicidade dos inquisidores. Na sua carta lembrava,por outro lado, que o rei não tinha poder para julgar os eclesiásticos e que só ele era competente na matéria.Filipe, o Belo, fez-lhe saber de imediato que Deus detestava os tíbios e que qualquer demora na repressão dos crimes pode ser considerada uma forma de cumplicidade com os criniinosos. Eis algo que estava cheio de ameaças, tanto mais que o rei lembrava discretamente ao papa que não teria o apoio de toda a Igreja. Os interrogatórios e a tortura
continuaram de vento em popa. Clemente V, provisoriamente, achou mais prudente para a sua própria segurança não insistir. A 27 de Novembro,pela bula Pastoralis praeminentiae, pediu a todos os soberanos que procedessem à detenção dos Templários. Mesmo assim, conseguira que os principais dignitários da Ordem lhe fossem entregues para serem interrogados mas, na verdade, já abdicara de todo o poder.Manifestamente, Clemente V não acreditava na culpabilidade dos Templários, mas apenas se mostrava capaz de ganhar tempo. As confissões feitas, sob tortura, por setenta irmãos não o tinham convencido e pedira aos cardeais Étienne de Guisy e Bérenger Frédol que levassem a cabo uma contra-investigação. Esta mostrara que inúmeros Templários já tinham falecido. Então, Clemente V retirou todos os poderes à Inquisição, o que implicava a anulação de todo o processo.Durante esse tempo, o rei e Nogaret procuravam pôr a opinião pública do seu lado e, em 25 de Março de 1308, Filipe, o Belo, reuniu os Estados Gerais, em Tours. O texto da carta convocatória era de uma duplicidade familiar ao rei de ferro. Uma vez mais, escolhera o estilo lírico, com passagens como:O Céu e a Terra revolvem-se com tantos crimes: os elementos perturbaram-se. [... ] Contra uma peste tão celerada, as leis e as
armas levantar-se-ão, e os próprios animais irracionais e os quatro
elementos com eles!As acusações feitas eram descritas como factos «provados». Tudo fora feito para provocar horror e indignação e para fazer passar o rei pelo defensor mais zeloso da fé cristã. É claro que os Estado Gerais caíram na esparrela. Astuciosamente, o rei mandou inclusive redigir, aos Estados Gerais, uma súplica que o livrava da iniciativa contra o Templo:O povo do reino de França suplica instantemente e com devoção a Sua Majestade real que considere qualquer das seitas e heresias, em relação às quais são alegados direitos para o senhor papa relativamente ao diferendo que se levantou entre vós e ele,relativamente à punição dos Templários, fazia profissão de conservar a fé católica e a conservava, excepto que, num ponto ou em vários, diferia e separava-se da observância completa da Igreja romana... Que ele se lembre de que o chefe dos filhos de Israel, Moisés, ele, amigo de Deus, que lhe falava cara a cara, gritou, numa circunstância semelhante, contra os apóstatas que haviam adorado o bezerro de ouro:«Que cada um se arme com o gládio e atinja o seu parente mais próximo... » Por que razão o rei muito cristão não procederia do mesmo modo,mesmo contra todo o clero se, Deus o não permita, o clero caísse em  erro ou apoiasse e favorecesse os que nele caíram? O papa estava prevenido: Filipe IV iria até ao fim. Seria o braço secular de Deus, pelo menos aos olhos do povo, e não restava mais nada a um papa prestes a ser eliminado. Clemente cedeu uma vez mais e restabeleceu os tribunais eclesiásticos. Procurou apenas inflectirlhes o rumo juntando franciscanos aos dominicanos, constituindo comissões de inquérito nacionais e reservando para si o julgamento dos dignitários.
Clemente V estava cada vez mais inquieto, tanto mais que Nogaret fazia circular libelos difamatórios a seu respeito e perguntava-se o que ele andaria a preparar. Bloqueado em Poitiers, não estava em segurança. Em Março de 1309, conseguiu fugir dos agentes reais e chegar a Avinhão.Quando de uma primeira tentativa, fora apanhado e trazido de volta sob escolta, como um prisioneiro, para Poitiers. Desta vez, julgou-se livre mas o rei enviou para junto dele, em Avinhão, o capitão Raynaldo de Supino, que fora lugar-tenente de Nogaret quando do atentado de Anagni. Clemente já não estava mais seguro em sua casa do que no reino de França.
Entre os mistérios ligados à prisão, há um particularmente irritante:
como é que os Templários foram capturados tão facilmente? E sobretudo,houve muitos que conseguiram escapar?Primeiro ponto que levanta problemas, não se apanhou praticamente nada
com interesse nas comendas templárias, no momento da detenção. Isso pode significar que os Templários não possuíam praticamente nada, para além dos instrumentos necessários à cultura, e das suas armas. Mas isso não poderia ser válido para todas as comendas. Também pode querer dizer que, nas casas do Templo, existiam esconderijos que os homens do rei não descobriram. Mas então, como é que os irmãos não falaram neles, sob tortura? Podemos, por fim, imaginar que alguns responsáveis da Ordem estavam ao corrente da próxima detenção, que mandaram evacuar o que devia sê-lo e que, sem dúvida, se puseram a si próprios a salvo.De qualquer modo, seria muito de espantar que nenhum dos funcionários reais tivesse aberto as instruções antes da data. Sabemos que alguns,amigos do Templo, ou que tinham membros da sua familia na Ordem,preveniram discretamente os irmãos. Foi, o caso, nomeadamente, no Razès.Lembremo-nos também de que Jacques de Molay fora convocado pelo papa e que, nessa altura, ele próprio pedira uma investigação. Não há dúvidas de que, neste contexto, tudo o que pudesse levantar qualquer problema,tudo o que era especialmente precioso por üma razão ou por outra, fora
necessariamente evacuado.Quanto aos homens, parecem ter sido realmente apanhados de surpresa. Alguns foram até massacrados no local, sem terem tempo de se defender,como em Carentoir ou perto de Gavarnie. Mas não foi o que aconteceu em todo o lado. Inúmeros cavaleiros conseguiram fugir. Na Flandres, a maior parte deles desapareceu na natureza e depois, quando as coisas se acalmaram, abrigaram-se discretamente noutras ordens religiosas.
Plaisians, homem de Filipe, o Belo, reconheceu, aliás: Porque uns, presos como suspeitos de heresia e sujeitos a acusação, fugiram da prisão; porque outros, embora citados, não compareceram;porque outros ainda, que o próprio soberano pontífice mandara capturar, fugiram; que alguns deles são salteadores nas florestas, outros ladrões de estrada, outros assassinos, outros ainda ameaçam com
a morte, pela espada ou pelo veneno, os juízes e os ministros
empenhados neste caso... e que... muitos deles que habitavam nos
reinos de Espanha passaram inteiramente para os Sarracenos.
Embora possamos ter algum cepticismo quanto àquilo em que se
transformaram determinados Templários, mesmo assim não deixa de ser uma confissão de que o lançar de rede fora muito incompleto. Alguns Templários parecem pura e simplesmente ter criado um movimento de resistência. Foi o que aconteceu no Puy-de-Dôme. A dez quilómetros para nordeste de Besse, à saída de Cheix, encontram-se as grutas de Jonas. Ligam-se em sete andares numa parede rochosa, a trinta ou quarenta metros do solo. Foram escavadas pelo homem, num período indeterminado. Contam-se sessenta e uma e o conjunto é muito impressionante com os seus caminhos talhados na pedra e providos de parapeitos, as suas escadas em caracol esculpidas na rocha, os seus corredores de ligação, o seu refeitório, a sua «sala dos cavaleiros», a sua cozinha com pia de despejos, as suas cavalariças, etc. Os Templários da região refugiaram-se nelas. Organizaram até uma capela que decoraram com frescos, representando, entre outras coisas... a
negação de São Pedro. Pode ver-se também uma descida da cruz. Jesus a falar com a mãe, ou perante Pilatos, a visita das santas mulheres ao sepulcro e a aparição de Cristo a Maria Madalena. A capela era dedicada a São Lourenço. Estava provida de colunas e de capitéis. Uma sala por cima dela estava talhada de modo a fazer entrar o sol e orientar a luz no santuário. A organização destas grutas e a vida de um grupo de Templários naquele lugar só poderia ter acontecido com a cumplicidade activa da população local.
Não se trata de um caso isolado. Não muito longe de Coubon e do Puy,ficava a casa de La Roche-Dumas. Estava colocada sobre uma rede de grutas e de subterrâneos e serviu também de refúgio a Templários. No Cantal, inúmeros cavaleiros refugiaram-se no castelo de Toursac, onde foram abastecidos pelos camponeses. Ficaram lá durante muitos anos. Na Picardia, os Templários da comenda de Doulens fugiram e refugiaram-se num bosque perto de Longuevilette. Perto de Saint-Flour, um mongesoldado refugiou-se na gruta chamada «do cavaleiro». Quando do concilio de Vienne, nove cavaleiros apresentaram-se espontaneamente para defender a Ordem. Donde vinham? De qualquer modo, comunicaram a todos que quinze centenas de Templários em armas ocupavam as alturas
que dominavam o Ródano, entre Vienne e Lyon. O número era, sem dúvida,exagerado.Em Paris, na véspera de serem detidos, os cavaleiros teriam ido refugiar-se nas pedreiras de Montmartre, o que deixaria supor que estavam prevenidos da prisão iminente. Em Provins, um determinado número de Templários deixou a Ordem alguns dias antes de 13 de Outubro. Sabiam o que ia passar-se?
Por outro lado, no estrangeiro, os Templários nem sempre foram
inquietados. Quase com a única excepção do príncipe de Magdeburgo, os alemães mostraram-se favoráveis à Ordem e não prenderam os seus membros. Mesmo assim, o arcebispo de Mainz reuniu um concilio para julgar os Templários. Estes últimos compareceram a cavalo e armados, conduzidos pelo comendador da Renânia, Hugo de Salm. Protestaram a sua inocencia. O arcebispo tomou nota do fato e não insistiu. Depois, convocou um novo concilio para livrar a Ordem de todas as suspeitas.Na Provença, Carlos II esperou pelo dia 24 de Junho de 1308 para mandar prender os Templários. Mandou-os torturar e matar mas, antes
desse dia, inúmeros irmãos tinham tomado as suas precauções e passado à clandestinidade. Aliás, quando os archeiros vieram à comenda de Montfort-sur-Argens para proceder à detenção, só lá encontraram um velhote. Em Toulon, prevenidos pelo bispo, sete Templários tinham-se sumido na natureza e o ninho estava vazio, quando da chegada dos archeiros. Em Inglaterra, a prisão realizou-se em Dezembro de 1307, mas a maior parte dos irmãos não foi encarcerada, apenas ficaram sujeitos a prisão sob palavra, e, de um modo geral, os inquisidores recusaram a utilização da tortura. Aliás, o rei Eduardo II tivera o cuidado de escrever aos reis de Portugal, de Castela, de Aragão e de Nápoles para dizer que as acusações contra a Ordem do Templo tinham, sem dúvida, sido suscitadas
pela inveja e a cupidez. Finalmente, uma vez abolida a Ordem, os
irmãos foram geralmente acolhidos em mosteiros. Na Escócia e na
Irlanda, os cavaleiros nunca foram maltratados.Em Espanha, fecharam-se nos seus castelos e só de lá saíram depois de
terem recebido garantias de que seriam julgados com equidade. O
concílio de Salamanca, a 21 de Outubro de 13 10, declarou unanimemente que os acusados de Castela, de Leão e de Portugal estavam livres e absolvidos de todas as acusações e delitos que lhes haviam sido imputados. Do mesmo modo, em 1312, o concilio de Tarragona declarou inocente o Templo. E foram fundadas novas ordens que recolheram os bens e onde os irmãos fugitivos puderam ingressar. Foi o caso da Ordem de Nossa Senhora de Monteza, criada e colocada sob a tutela da Ordem de Calatrava, que acolhera ela própria Templários. Do mesmo modo, foi criada em Portugal a Ordem Militar da Milícia de Cristo e os cavaleiros conservaram até o manto branco e a cruz vermelha do Templo. Em 1321, a Ordem de Cristo contava mais de cento e sessenta comendas e todos os seus membros eram Templários portugueses ou franceses. Trinta
e cinco anos mais tarde, a sede da nova ordem, primeiro fixada em
Castro Marim, foi transferida para Tomar, na antiga comenda provincial portuguesa da Ordem do Templo.Em Itália, os irmãos recusaram-se, de um modo geral, a comparecer às citações dos inquisidores. No Rossilhão, na Catalunha, dependente do rei de Aragão, inúmeros Templários tiveram tempo para entrar na
clandestinidade ou de colocarem os seus castelos em estado de defesa. Na Catalunha, recusaram apresentar-se às convocações e fecharam-se nas suas fortalezas de Miravet, Ascon, Montco, Cantavieja, Villel, Castellot e Chalamera. Quando foram buscá-los, defenderam-se vigorosamente, com o apoio activo da população.
Assim, a Ordem não fora de modo algum aniquilada. Nem sequer em França. A sobrevivência era possível, a coberto de outras ordens, ou na sombra. Dado que não podia suprimir todos os vestígios dela, Filipe, o Belo, empenhou-se pelo menos em liquidar o seu poderio.

O EU E A ALMA







Apesar do grande número de fenômenos que o ser humano percebe, para as finalidades que temos em vista eles podem ser classificados em duas divisões gerais: físicos e não-físicos.


A primeira classificação consiste daquelas realidades, objetos e acontecimentos, que o homem pode perceber por meio de seus órgãos sensoriais, ou seja, seus olhos, ouvidos etc. Evidentemente, tais realidades, no tocante à nossa consciência delas, têm uma dependência do nosso organismo físico, tal como nosso sistema nervoso e cérebro.


A segunda classificação consiste daquelas percepções ou sensações que são o resultado da consciência do eu. Elas são muito diferentes das experiências físicas. Você não existe para você mesmo, só porque vê seu corpo ou pode tocar seus membros. Na verdade, se fosse privado de todas as suas faculdades físicas receptoras, você ainda teria uma percepção de você mesmo. Diz-se comumente que sentimos o eu, mas isso é uma verossimilhança. O fato é que as sensações do eu não são iguais às que derivamos do tato de um objeto. Para o eu não há sensações de quente, frio, duro ou macio, tampouco sensações de dor ou prazer. Você percebe que você é você, inteiramente à parte essas experiências. Portanto, esta consciência do eu é uma consciência da nossa consciência.


O ser humano é impregnado de uma força vital misteriosa. Concebemos que a inteligência é um atributo desta força vital, ou que ela, pelo menos, está integrada a seu funcionamento. Logo, evidentemente, esta inteligência inata também existe nos neurônios cerebrais, ou células cerebrais, onde prove uma sensibilidade para aqueles impulsos que nos chegam, através dos nossos órgãos sensoriais, do mundo exterior. Em outras palavras, no cérebro, esta força vital e inteligência tornam possível nossas experiências físicas, equivalendo à nossa consciência objetiva. Além disso, o órgão altamente sensibilizado do cérebro pode tornar-se, e torna-se, cônscio da sensibilidade desta força vital e inteligência que existem através de todo o ser do homem. É evidente que a origem destas últimas sensações é inteiramente imanente. Elas não estão, de modo algum, relacionadas com os órgãos sensoriais e o mundo exterior. A função é semelhante a um instrumento extremamente delicado, feito para captar movimentos exteriores, mas que, devido à sua sensibilidade, é igualmente capaz de discernir o movimento sutil do seu próprio mecanismo.


A consciência tem limiares. Por limiares referimo-nos aos pontos em que certos efeitos ou sensações começam a ocorrer no cérebro. Os limiares para os impulsos do som e visão, por exemplo, são consideravelmente mais baixos do que aqueles das vagas impressões do eu. Por conseguinte, é relativamente fácil perder a percepção do eu, se os impulsos mais grosseiros dos órgãos sensoriais dominarem a consciência do cérebro. Em outras palavras, se a consciência é exposta a um bombardeio de sons ou a uma excitação de impressões visuais, sabemos, pela nossa própria experiência, que perdemos momentaneamente a percepção do eu nessas percepções físicas da consciência objetiva. Somente quando os limiares dos sentidos receptores são parcialmente bloqueados ou suprimidos, e que nos tornamos plenamente cônscios daquelas impressões mais sutis que atingem os limiares mais altos da consciência cerebral, e que sentimos como eu.


É óbvio que, sem um órgão altamente desenvolvido, como o cérebro humano, o eu não existiria para cada um de nós. Isto não equivale a dizer que o cérebro é a causa do eu, nem que o eu depende daquele órgão. O cérebro, todavia, é o canal pelo qual chegamos a conhecer o eu. Ele é o instrumento através do qual nossos impulsos variados são integrados naquela noção, naquele estado de consciência que definimos como eu. Por analogia, um grande telescópio não é a causa ou o criador de uma nebulosa situada a milhões de anos-luz de distância. Ele é, contudo, o meio pelo qual chegamos a discernir a existência das nebulosas.


Provou-se que, quando se remove o cérebro ou se inibe por completo o seu funcionamento, não se destruíram os elementos do eu que penetram o ser humano, mas apenas os meios pelos quais existimos para nós mesmos. Sem o cérebro, a função do eu no homem seria muito parecida com a simples consciência que existe numa folha de grama. A inteligência, associada à força vital em cada célula do nosso ser, funcionaria, mas não haveria nada no qual ele se refletisse. Assim como o cérebro reflete exterioridades e existências que estão fora de nós, ele igualmente reflete o mundo interior, isto é, o eu. A introversão dessa consciência do cérebro, sua resposta à sensibilidade interior, é o que comumente se chama de seu funcionamento subconsciente.


Para o místico, a consciência, o estado de percepção, é existência. Para o homem, aquilo de que ele está cônscio é. Todos os poderes que o ser humano é capaz de exercer, sejam físicos, mentais ou psíquicos, só podem ser relacionados com aquilo de que ele tem conhecimento, aquilo que lhe é real. Por analogia, no tiro ao alvo, se existe mais de um alvo, pode-se fazer a escolha do alvo contra o qual se atirará. Se apenas um alvo pode ser percebido, aquele, portanto, torna-se o objeto dos esforços e de toda a atenção do participante. Todavia, o místico sabe que as realidades da sua consciência são duplas: aquelas coisas, ou particulares, que têm uma existência objetiva, como seu corpo e o mundo externo; e aquelas realidades da sua consciência que são percepções interiores, que surgem das profundezas de si mesmo, como emoções, estados de alma, inspirações. Estas últimas podem transformar-se num ímpeto que o farão ter vivências objetivas, mas sua origem parece limitada à natureza etérea do seu ser.


Para o místico, a única separação que existe é esta dualidade da sua consciência, a inclinação para distinguir entre as realidades do eu e as do mundo objetivo. Na realidade, o místico entende que todas estas realidades são parte de uma grande ordem hierárquica, uma escala graduada. Essa gradação é acorde com a simplicidade ou complexidade da sua natureza. Quanto mais complexas as realidades, maior é a sua manifestação de uma inteligência universal — em outras palavras, mais elas representam toda a ordem hierárquica ou Cósmica.


As atividades do eu, as realidades de nosso ser interior são mais complexas neste sentido do que aquelas particularidades do mundo material ou cotidiano que percebemos. Se, por analogia, a ordem Cósmica ou Deus, como preferir, é a síntese de tudo, então, aquele Deus, evidentemente, é complexo — infinito em substância e variedade. Se nos tornamos cônscios do complexo, ou das maiores expansões ou manifestações da Sua natureza, maior a nossa intimidade com Ele, mais Nele viveremos.


Como as causas das sensações do eu são bastante impalpáveis, não são identificadas com substância, nem podem ser realmente localizadas no corpo humano, elas sempre foram muito misteriosas para o homem. Além disso, não é comum ter sensações independentemente do corpo. O corpo, entretanto, quando da morte, continua como substância, por tempo indeterminado, antes da desintegração, e, ao que parece, sem aqueles elementos do eu. Assim, os primeiros observadores foram levados a crer na dualidade da natureza do homem. O corpo pertencia à mesma categoria que toda outra realidade que pode ser fisicamente sentida como matéria. Então, como se deveriam identificar os elementos impalpáveis do nosso eu? A conclusão era que eles deviam transcender o mundo, devido à impossibilidade de serem sentidos como pertencentes ao mundo. Esses elementos eram considerados de natureza Divina, devido à sua aparente infinidade e imaterialidade. A alma, portanto, tornou-se o repositório para todas essas qualidades indeterminadas do homem, sendo psique o vocábulo grego que o definiu.


Essa idéia de alma deu expressão à vida espiritual do homem. Quando passou a examinar as influências sutis da alma e, seu estranho efeito sobre ele, como sua natureza melhor, sua vida espiritual mudou como conseqüência. Tentou viver em harmonia com os sentimentos da alma e com sua compreensão do que julgava que ela fosse.


É impossível determinar quando surgiu a idéia da alma. Bastaria dizer que a arqueologia contemporânea remontou milhares de anos à origem deste conceito. Encontramos a alma descrita nos hieróglifos do antigo Egito e nos escritos cuneiformes. Encontramos referências a ela nos obeliscos no vale do Nilo, nos blocos de argila ao longo do Eufrates, nos monumentos de pedra no alto das montanhas, nas ruínas de antigos prédios, nas selvas dos trópicos e nos majestosos mastros totêmicos no gélido Norte.


Como, exatamente, o homem passou a compreender pela primeira vez ou se tornou cônscio da alma é, naturalmente, um mistério que talvez nunca seja esclarecido. Contudo, outra teoria, que vem resistindo há várias décadas, nos oferece uma explicação plausível. Esta teoria psicológica a respeito da origem do conceito de alma é que ele surgiu na mente humana quando se notou a disparidade entre o eu sensação e o eu externo. Isto quer dizer que surgiu uma diferença entre o eu interior do ego — o eu do eu interior — e o eu externo ou objetivo, o eu que representa o homem físico ou externo.


Os babilônios eram muito vagos na sua descrição da alma. O que podemos discernir, da decifração dos seus antigos textos, é que concebiam o homem como um ser dualístico, possuidor de um corpo físico e mortal, e também de um eu impalpável. Este eu impalpável não era exatamente um ser etéreo, uma energia ou meramente uma influência; era uma substância real, tal como o corpo físico, exceto que de composição mais fina, mais finamente pulverizado, se nos permitem usar este termo.


Acredita-se que os babilônios e os assírios imaginavam que a alma era como partículas de poeira em turbilhão. Na morte, a alma se separava do corpo e partia para a região dos mortos, para ali morar com outras almas. Parece que a alma, de acordo com o conceito babilônico, estava constantemente desejosa de retornar ao estado vivente, porque os babilônios consideravam que este era o modo normal e correto de existência do homem. E os babilônios temiam, constantemente, que as almas dos mortos se congregassem para conspirar contra os vivos. Evidentemente, se os vivos não tomassem precauções adequadas, seriam dominados pelos mortos; contudo, as almas dos mortos podiam ser parcialmente aplacadas se lhes dessem alimentos e água. Encontramos este costume babilônico descrito não só nos seus textos, como, também, em cenas encontradas nas paredes dos seus templos. Há cenas em que se borrifa água e se colocam vitualhas excelentes sobre as sepulturas dos mortos.


Após um lapso de uns dois mil anos, vamos encontrar larga passada à frente, nos conceitos de alma, de Deus e da vida futura da alma. Durante o Período Feudal e o Período Imperial do Egito, entre 1500 a 1300 a.C., aproximadamente, encontramos os egípcios reconhecendo e crendo definitivamente na imortalidade da alma e, também, que a alma retorna ao corpo. Vemos os egípcios cortando e talhando passagens em sólidos rochedos e transformando-as em câmaras para conter túmulos. Encontramo-los esculpindo e fazendo sarcófagos elaborados, caixas ou caixões de múmias, nos quais o corpo do defunto era cuidadosamente colocado e preservado. A arte do embalsamamento atingiu elevado estado, pois o egípcio desejava conservar o corpo para que a alma pudesse retornar e dele tomar posse. Na câmara funerária ou sepulcral eram depositados os bens materiais do morto, particularmente seus pertences pessoais íntimos, seus artigos de toucador, suas cadeiras e armas favoritas, suas jóias, seus rolos de papiro ou livros escolhidos da sua biblioteca.


A maioria de nós deve estar bem familiarizada com o conceito cristão de alma. Naturalmente, a idéia cristã fundamental foi modificada pelas várias interpretações de diferentes seitas. De modo geral, o cristianismo considera que a alma possui uma contínua existência consciente. Em outras palavras, segundo a opinião cristã geral, a alma tem autoconsciência. O cristão reconhece a dualidade do homem: por um lado, o corpo físico e mortal e, por outro, a alma — a vida espiritual ou o ser do homem. Ele agora declara que ambos são de Deus, coisa que, incidentalmente, os primeiros cristãos não ensinavam. Além disso, o cristianismo salienta que a alma não é absorvida em Deus, mas conserva sua identidade separada, e que não se torna completamente absorvida no espírito universal ou essência de Deus, como as filosofias hindu e budista afirmam.


Além disso, o cristianismo não reconhece a perfeição da alma (o que pode ser um ponto controvertido, mas a controvérsia resulta apenas das diferenças de interpretação). A alma do homem, para o cristão, é imperfeita até que tenha sido purificada, até que passe pelo processo de salvação.


A concepção Rosacruz de alma é verdadeiramente mística. O Rosacruz também começa com o reconhecimento da dualidade da natureza do homem — o corpo físico terreno composto do pó da terra, imbuído de energia espiritual, da mesma forma que todas as coisas animadas e inanimadas. Não se faz distinção alguma entre a natureza física do corpo do homem, no tocante às suas propriedades básicas, e a de qualquer outra substância física. Todas são consideradas terrenas. Logo, esta concepção Rosacruz reconhece a alma como uma essência espiritual e divina, residente dentro do corpo, durante o período da sua existência terrena. O Rosacruz também declara que a alma é informe; isto é, que a alma não tem nenhuma forma definida e concreta capaz de ser descritível ou comparável a qualquer outra coisa de natureza material. Considera a alma como uma espécie de energia, assim como o pensamento não tem forma física, mas pode dar origem, dentro da consciência, à idéia de forma.


O Rosacruz afirma que a alma no homem não é uma entidade separada, individual, distinta da alma de todos os outros seres, mas que é parte da energia da alma universal que flui por igual através de todos os homens. A alma no indivíduo mais degradado é tão pura e tão divina quanto a alma do ser altamente iluminado e espiritual. A diferença aparente que existe é uma questão de expressão. É uma reação pessoal à força da alma, tal como a energia elétrica que corre por um circuito elétrico pode, em algumas lâmpadas naquele circuito, produzir uma luz azul e, em outras, uma luz branca e pura, mas a qualidade da corrente elétrica é a mesma em todos os casos.


Portanto, a alma no homem é perfeita em todos os momentos e, por conseguinte, não pode ser aperfeiçoada. Afirmar que a alma pode ser aperfeiçoada, diz o rosacruz, é admitir a sua imperfeição. O rosacruz declara que, como a alma emana de uma fonte divina e é a única essência divina no homem, como podemos nós afirmar que essa divindade é imperfeita, ao dizer que a alma deveria ser aperfeiçoada?


A alma se manifesta diferentemente em cada um de nós, devido ao desenvolvimento psíquico do indivíduo, isto é, à sua capacidade de reagir, como se disse acima, à força espiritual dentro dele. É o ego ou personalidade do indivíduo que tem de ser aperfeiçoado. À medida que desenvolvemos e aperfeiçoamos nosso ego e nossa personalidade interior, chegamos eventualmente a apreciar, compreender e perceber a força anímica dentro de nós. Corrigimos nosso pensamento, corrigimos nossos modos de vida e permitimos que a alma se expresse sem obstáculos. Assim, encontramos alguns indivíduos mais iluminados do que outros, mais espiritualistas em manifestação do que outros, mas, em essência, todos são espiritualmente iguais, afirmam os rosacruzes.


Concluindo, podemos comparar a consciência do homem a uma pirâmide. A ponta ou ápice da pirâmide representa a função objetiva da consciência, com sua dependência nos cinco limitados sentidos objetivos. O que o ápice dessa pirâmide pode acomodar é restringido pelos limites de sua área. De ambos os lados do ápice, caímos num nada aparente, ou naquilo que está além da percepção das faculdades dos sentidos objetivos. Contudo, à medida que descemos pelos lados da pirâmide, ela se torna mais ampla. Finalmente ao chegarmos a sua base, enraizada na terra, sobre a qual se apóia, verificamos que a terra, em contraste com a área limitada do ápice, contém manifestações infinitas. Per esta analogia queremos dizer que, se introvertermos nossa consciência, voltando-a para dentro, para o eu, estaremos indo do ápice da pirâmide da consciência, das faculdades objetivas e limitadas e do que elas nos revelam, para a essência do nosso ser, que é ilimitada e nos familiariza com o infinito do universo. A base da pirâmide representa a consciência do eu, a ligação com a alma. Ela é nossa harmonização com esta vasta e infinita inteligência que permite que inspirações, na forma de impressões, cheguem até nós para serem interpretadas pela consciência cerebral, na forma de idéias brilhantes e revelador as. Quanto mais nos dedicamos a esta base da pirâmide da consciência, ou melhor, meditamos e analisamos o eu, maior ela se nos torna.











































O segredo de Salomão



O segredo descoberto no local do Templo pelos Templários pode não ter qualquer relação com a Arca da Aliança, embora continue ligado a Salomão. De qualquer modo, é forçoso reconhecer que há muitos pontos comuns entre os Templários e este rei. Em primeiro lugar, temos de lembrar que, logo no início, Hugues de Payns e os seus amigos tinham tomado o nome de «Pobres Cavaleiros de Cristo» e isso até terem ocupado o local do Templo de Salomão - pelo menos é o que geralmente se diz. Ora, a partir do momento em que obtiveram a sua regra (logo,após as suas possíveis descobertas), lê-se no prólogo da versão francesa: «Aqui começa a regra da pobre cavalaria do Templo.»Muito em breve encontramos nas doações que lhes foram feitas os títulos de cavaleiros do Templo de Salomão. A expressão não veio,pois, por hábito e foi decidida muito rapidamente. Notemos, por outro lado, que o minnesãnger alemão, Wolfrain von Eschenbach, que se afirmava Templário, escrevia no seu Parzival que o Graal fora transmitido por Flégétanis, «da linhagem de Salomão», e que os Templários eram os seus guardiões.
Voltaremos a este ponto. Pensemos também na construção do Templo que Salomão confiara a mestre Hiram. O arquiteto, segundo a lenda, foi morto por companheiros invejosos aos quais recusara a divulgação de determinados segredos. A seguir ao desaparecimento de Hiram, Salomão enviara nove mestres à sua procura, nove mestres como os nove primeiros Templários à procura do arquiteto dos segredos. E depois, Salomão, tal como os Templários, apostou muito no comércio,sobretudo dos cavalos. Quis ter uma frota comercial para facilitar o seu negócio e os Templários, por sua vez, possuíram uma frota poderosa.Que pensava disso São Bernardo que fez a propaganda dos Templários e escreveu sobre o Cântico dos Cânticos, atribuído ao rei Salomão?A própria personalidade de Salomão é interessante de estudar, neste quadro. É símbolo de justiça: o seu julgamento é célebre; símbolo de sabedoria, também. Rei dos poetas, é autor do Cântico dos Cânticos que alguns pensam ser um documento cifrado, uma espécie de testamento de adepto.
Não podemos falar de Salomão sem lembrarmos a rainha do Sabá. Esta chegou a Jerusalém acompanhada por uma magnífica caravana de camelos carregados de presentes fabulosos. Balkis a magnífica vinha pÔr à prova Salomão, cuja reputação chegara até ela e tinha a intenção de lhe apresentar enigmas muito difíceis de resolver.O Corão contém, a propósito da visita de Balkis, reflexões bastante
interessantes. Assim: Salomão herdou de David e disse: Homens! Ensinaram-nos a linguagem dos pássaros, e, de todas as coisas, fomos contemplados copiosamente. Na verdade, esse é por certo um favor evidente! A alusão à linguagem dos pássaros deixa entender que Salomão tinha conhecimento dos segredos ocultos da natureza. Esse tipo de denominação era bem conhecido dos trovadores e leva-nos de volta à escrita do Cântico dos Cânticos de Salomão, estudado de perto por São Bernardo. Mas, regressemos ao Corão: As tropas de Salomão, formadas por Djinns, Mortais e Pássaros foram reunidas à sua frente, divididas por grupos. Assim, Salomão tinha ao seu serviço homens mas também «génios» - isto é, conhecia os elementares *- e pássaros, isto é, seres voadores.
* O Espírito dos elementos, segundo o ocultismo. (N. do E.)
Então, Arca da Aliança, segredos de arquitectura, linguagem dos
pássaros? Ou outra coisa encontrada na Palestina? Mas o quê? Segredos ligados a Jesus? À sua vida? A Maria Madalena? Ao Graal, talvez... Consideremos mais uma possibilidade, por mais louca que seja. Segundo o Apocalipse de São João, depois de ter sido vencido e expulso do céu com os anjos que foram afastados da graça divina, Satã é acorrentado no abismo. Ora, a tradição afirma que esse abismo tem saídas e que estas se encontram obturadas. Uma delas encontrava-se, precisamente, selada pelo Templo de Jerusalém. O quartel dos Templários ficaria,pois, situado num local de comunicação entre diferentes reinos,característica comum à da Arca da Aliança. Ponto de contato tanto com o Céu como com os Infernos, um dos locais sagrados sempre ambivalentes, dedicados tanto ao bem como ao mal. Um local de comunicação ideal de que os Templários se teriam tornado guardiões. Uma lenda referida pelo Senhor de Vogüé conta que, na época de Omar,um homem, ao debruçar-se, avistou uma porta no fundo do poço donde tirava água. Desceu ao poço e transpôs a porta. Apareceu-lhe um jardim
magnífico. Arrancou uma folha de uma árvore e trouxe-a como
prova da sua descoberta. Mal saiu, apressou-se a ir prevenir Omar.
Correram para lá, mas a porta desaparecera e ninguém voltou a
encontrá-la. Ao homem restou apenas a folha que nunca murchou. Isto passava-se no local do Templo de Salomão. Uma tradição mais para transformar o local numa passagem entre diversos níveis e reinos. Relata-se também que o Templo de Salomão fora precedido, no local, por um templo pagão dedicado a Poseidon. Ora, ignora-se demasiadas vezes que Poseidon só muito tardiamente se tornou deus do mar. Antes, tinha a posição de Deus supremo e foi apenas com a chegada à Grécia dos Indo-Europeus que Zeus assumiu a liderança das divindades. Poseidon fora, no tempo dos povos pelasgos, o Deus criador, demiurgo que tinha um lugar privilegiado nas águas-mães salgadas. Era o grande agitador das terras, senhor das forças telúricas e, em alguns aspectos, aproximava-se de Satã.
Eugène Delacroix, iniciado da Sociedade Angélica, sabia-o bem quando decorou o tecto da capela dos Santos Anjos, na igreja de Saint-Sulpice, de Paris. Pintou nela São Miguel a deitar ao chão o demónio. Ora, esse demónio das origens, representou-o sob a forma de Poseidon, perfeitamente reconhecível devido aos seus atributos.
Muito bem! Os Templários encarregados de guardarem os locais por onde Satã poderia evadir-se da prisão que lhe fora atribuída na noite dos tempos, é algo que parecerá, sem dúvida, grotesco a muitos leitores modernos mas que seria conveniente reinserir nas crenças da época. E,depois, nunca se sabe... Tanto mais que Salomão também mandou construir santuários para «divindades estrangeiras». Mandou dedicar,nomeadamente, templos a Astarté, «a abominação dos Sidonenses» e a Milkom, «o horror dos Amonitas». O «deus ciumento» de Israel deve ter ficado furioso. Nesse campo, Salomão não se limitaria a ceder às pressões das inúmeras concubinas estrangeiras? Se agiu desse modo, que
não teria feito em recordação da rainha do Sabá, cujo reino podemos localizar, sem a menor dúvida, no lémen? Na sua maioria, os deuses do país de Baffis cheiravam muito a enxofre.


Em resumo, podemos considerar como uma quase certeza o fato de Hugues de Payns e Hugues de Champagne terem descoberto documentos importantes, na Palestina, entre 1104 e 1108.Esses achados estiveram, sem dúvida, na base da constituição dos nove
primeiros Templários e devemos ligá-los à decisão de lhes atribuir,
como residência, o local do Templo de Salomão.Aí, levaram a cabo escavações. Nessa fase, estava fora de questão aumentarem os seus efectivos, por causa do segredo. As suas pesquisas devem tê-los levado a encontrar algo realmente importante, pelo menos a seus olhos. A partir desse momento, a política da Ordem mudou.Que tinham encontrado? A Arca da Aliança? Um modo de comunicarem com poderes exteriores: deuses, elementares, génios, extraterrestres ou outros? Um segredo relativo à utilização sagrada e, por assim dizer, mágica da arquitectura? A chave de um mistério ligado à vida de Cristo ou à sua mensagem? O Graal? A forma de reconhecer os locais onde a comunicação, tanto com o Céu como com os Infernos, é facilitada, com o risco de libertar Satã ou Lúcifer? Poderíamos pensar que nos encontramos numa novela de H. P. Lovecraft,é certo, mas estas perguntas, embora não sejam racionais, surgem
imperativamente no contexto da época.