Krak dos Cavaleiros

terça-feira, 7 de setembro de 2010

A VIDA PLENA






Epicteto, em suas Meditações, declara: "A vida é indiferente". Mas afirma, também, que o uso da vida não é uma indiferença. Pode-se interpretar isto como significando que a vida cumpre sua função de geração e desenvolvimento das coisas vivas indiferentemente, no que diz respeito ao indivíduo. A vida obedece a uma lei de ordem e necessidade em sua criação. Isto é tudo o que se pode esperar dos aspectos físicos da vida. Quando se chega à maturidade ou quando se procriou, ou se é capaz de procriar, o ciclo da vida física está completo no que lhe diz respeito. A vida não tem mais interesse pelo indivíduo. A vida é inteiramente indiferente se temos êxito em nossas ambições ou se fracassamos. A ela é indiferente se sofremos ou somos felizes. Na natureza da vida, estes fatores não existem. Tais valores dependem da maneira pela qual se usa a vida. Excelência biológica só existe no que se é. A excelência da vida está na criação do homem ou na criação de qualquer coisa viva. Todos os outros valores que podem ser atribuídos à vida vêm da aplicação que se faça dela. Podemos comparar a existência física a uma pá. A finalidade da pá consiste em se adaptar ao propósito a que se destina. Uma pá não é nada por si só. Qualquer glória que se lhe possa atribuir tem de vir do seu emprego nas mãos do usuário. E assim, como Epicteto declara, a vida é indiferente, mas o uso da vida não é.


A literatura filosófica nos ensina que é também uma lei da vida copiar o que resulta da Natureza; isto é, modelarmo-nos segundo ela. Se desejamos que todo ato e toda circunstância da nossa vida se conforme com a natureza, cabe-nos observar a Natureza em suas múltiplas modalidades e aspectos. Isso pode significar que nada existe fora do território da Natureza. Como já nos disseram muitas vezes, não há nada de novo sob o Sol. Tudo tem sua forma ou sua causa enraizada profundamente nas leis da Natureza. Por conseguinte, compete a nós, se quisermos obedecer às leis da vida, ligar firmemente à Natureza os elementos da nossa imaginação e dos nossos planos. Na verdade, quanto mais investigarmos os fenômenos da Natureza em torno de nós, mais portas se nos abrirão à plenitude da vida. Podemos ver isto demonstrado em torno de nós. Toda invenção moderna tem seu paralelo em algum fenômeno existente na Natureza. A câmara fotográfica, com sua lente, diafragma e mesmo sua película, corresponde ao olho humano; o receptor telefônico, com seu diafragma oscilante, pode ser comparado ao ouvido humano, que também tem seu diafragma e que emite impulsos. O sistema elétrico mais delicado corresponde aos sistemas nervosos simpático e espinal. Assim, se quisermos ampliar nossa vida, sigamos a Natureza.


A vida, a existência consciente, só pode crescer à medida que absorvemos mais e mais do Cosmo no qual existimos. O crescimento da vida consciente é uma espécie de crescimento. Ele consiste em acrescentar a nós mesmos as coisas e condições que nos cercam. Portanto, a vida consciente pode ser comparada a uma célula viva. Temos de assimilar, tal como a célula faz, elementos da substância na qual existimos, ou nossa vida será excessivamente limitada.


Pitágoras comparava a vida aos grandes jogos, como os jogos olímpicos que se realizavam em Atenas. Disse ele que alguns compareciam aos jogos para competir por prêmios; outros lá iam apenas para vender suas mercadorias; mas os melhores de todos eram os que se tornavam espectadores dos jogos. O espectador da vida é aquele que tem uma atitude filosófica. Ele não presume que a vida tenha um único valor para qualquer homem. Ele acredita que existe uma variedade de valores e, por conseguinte, está sempre alerta às muitas experiências e participa de tantas quantas possa, porque nessas experiências variadas existem gemas ocultas — as pedras preciosas que formam o diadema da felicidade.


Pitágoras dividia a vida em quatro quartéis, cada um de vinte anos. O primeiro é o período da infância; o segundo é a juventude; o terceiro é a virilidade juvenil e o quarto é a virilidade madura. Estes quatro quartéis correspondem às quatro estações do ano, ou seja: a infância, à primavera; a juventude, ao verão; a virilidade juvenil, ao outono e a virilidade madura, ao inverno.


Henrique Cornélio Agripa, ou Agrippa de Nettesheim (1486(?)-1535) foi um grande ocultista, místico e filósofo. Em sua renomada obra, O Espelho Mágico, também dividiu a vida em quatro quartéis. O primeiro quartel, diz ele, vai do primeiro ao vigésimo-primeiro ano; é a estação da primavera da vida e representa juventude, amor e crescimento. O segundo vai da idade de vinte e dois a quarenta e dois; é o período do verão. Representa a mente, o intelecto, a maturidade de pensamento, a virilidade, a frutificação ou realização. O terceiro quartel, abrangendo os anos de quarenta e três a sessenta e três, a estação do outono da vida; representa como riqueza, maturidade física e mental, e carma. O quarto e último, ou estação do inverno, inclui os anos de sessenta e quatro a oitenta e quatro, e é o tempo da mudança, ou da preparação para a transição. Cada um destes quartéis da vida, afirmou ele, começa com o equinócio da primavera, o período primaveril, e cada um dos quartéis da vida termina no solstício do inverno, por volta de 21 de dezembro.


Agripa também contava que o homem tem três pontos iguais na sua vida. Em outras palavras, existem três períodos dentro da vida e os citava como sendo iniciações primárias por que temos de passar durante nosso período de vida. O primeiro começa após nosso nascimento físico, o primeiro quartel primaveril da nossa vida, de um a vinte e um anos de idade; o segundo período, ou iniciação, ocorre aos quarenta e dois anos de idade, quando já cruzamos o meridiano da vida, ou o zênite do nosso período de vida; e o terceiro período, ou iniciação, quando entramos na estação invernal da nossa vida, o ocaso, o último quartel. Afirma, ademais, que o corpo ereto da cruz simboliza estes quartéis da vida. Por exemplo, o ponto superior da cruz simboliza a estação da primavera da vida; o braço esquerdo da cruz representa o quartel do outono; o braço direito da cruz, a estação do verão; e a base da cruz, a estação do inverno, ou o encerramento da vida.
Agripa analisa, ainda, de maneira muito interessante, o valor dessas estações ou quartéis da vida, e o que se espera que o homem faça para utilizá-los inteligentemente. Quando este alcançou os vinte e um anos de idade e completou a estação da primavera da sua vida, deverá, então, já ter recebido os instrumentos do seu futuro. Esses instrumentos podem ser o ofício ou profissão no qual deveria ser treinado ou preparado, ou podem consistir das experiências acumuladas de outros e que lhe foram expostas pelos seus preceptores, nas escolas ou universidades. A estação do verão da sua vida, o período intermediário, é o tempo para a atividade, mental e física. É o tempo para produzir, isto é, criar e manifestar os ideais que deveriam ter sido estabelecidos durante a estação da primavera da vida. Se nossos produtos, nossas realizações durante a estação do verão, não são os melhores, isto, provavelmente, se deve, diz Agripa, ao nosso viver inconstante, à nossa negligência em nos prepararmos durante a estação da primavera da nossa vida. Agripa afirma que a estação do inverno, ou os anos do ocaso, é o tempo em que o homem pára seus trabalhos. É o tempo de colher os benefícios, se houver, do que realizou antes. Ele diz que este é o tempo em que o homem atinge um equilíbrio cármico. Não quer dizer, entretanto, seja este o tempo em que temos de compensar pelo que ocorreu em encarnações anteriores e, sim, que é o tempo em que deveríamos começar a desfrutar dos resultados do planejamento ou vida ponderada, ou quando deveríamos experimentar os resultados da vida descuidada ou anos desperdiçados.


A vida — existência física —, no que respeita à Humanidade, tem uma finalidade bem definida. Temos permissão para vivê-la, para que possamos aprender as leis da existência — a nossa própria e a das outras coisas. O que é conseguido através do nosso combate às forças da Natureza que nos cercam. Somente quando enfrentamos oposição, só quando nos situamos onde ficamos plenamente expostos às leis e fenômenos do universo, é que todas as nossas faculdades, todos os nossos poderes são usados. Aquele que se exclui do mundo, que se torna anacoreta ou eremita, deixa de utilizar tudo aquilo de que é capaz e, por conseguinte, pouco aprende das leis da existência. Por analogia, recebemos olhos para perceber visualmente aquelas substâncias e matérias, que poderiam nos destruir, eliminar-nos da existência, se não as pudéssemos perceber. Na verdade, todos os nossos sentidos objetivos — visão, tato, paladar etc. — não são dados porque nossa existência ocorre nas dimensões onde precisamos deles para lutar com outras substâncias, outras massas como nós mesmos.


Para viver de acordo com as leis, as propriedades físicas que nos deram existência, temos de usar os sentidos que as podem discernir. Contudo, também nos foi dada, além dos nossos sentidos periféricos, uma natureza emocional. Esta nos foi conferida para o propósito de avaliar a relação entre as coisas e nós mesmos, para que possamos determinar noções como bem e mal, ordem e desordem etc. Cada coisa só vive plenamente na medida em que expressa todas as funções de que é capaz. Um gamo que não corre, ou um galo que não canta, não está vivendo plenamente de acordo com as funções de que é possuidor. São fiéis à causa da sua existência. Da mesma forma, um homem que não exerce sua razão, ou que não emprega suas faculdades e poderes emocionais e psíquicos, não está vivendo como um ser humano; está desprezando aquilo de que é capaz. Em outras palavras, está se opondo à própria ordem da sua existência. Com esse viver, só pode vir a conhecer o tédio.


A vida correta é, primeiro, o de subdividir o próprio ser e depois determinar quais são os principais elementos ou fatores de que é composto. Isto não é difícil. Reconhecemos nosso ser físico e material. Sabemos que, se desprezarmos nosso corpo, o lado físico de nós mesmos, estamos fechando uma porta sobre uma parte, parte importante, da complexidade da nossa natureza. Além disso, reconhecemos que temos uma parte intelectual em nossa composição, que tem faculdades tais como razão, reflexão e imaginação. Se as ignoramos, então também outra parte do nosso ser está se deteriorando, atrofiando por falta de uso. Se negligenciamos qualquer parte do nosso ser, é como vendar um dos nossos olhos. A função da nossa visão torna-se limitada. Portanto, nossa existência consciente pode deformar-se.

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